​Isso é Arte? Artistas Transformam Obras e Ateliês em Startups
Scan de fotografia 3D de James George. Crédito: James George and Alexander Porter

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Tecnologia

​Isso é Arte? Artistas Transformam Obras e Ateliês em Startups

“Se os cubistas pudessem ter criado um aplicativo cubista, eles o teriam criado.”

James George se parece com a maioria dos artistas do Brooklyn, em Nova York, nos Estados Unidos. Exótico, com os olhos turvos e vestido de preto dos pés à cabeça, ele chega de bicicleta ao nosso encontro, em um café perto de seu ateliê, em Bushwick.

O motivo da nossa conversa é que James, um entusiasta da tecnologia, decidiu há pouco tempo transformar sua obra artística em startup – sim, como uma daquelas empresas jovens e empreendedoras que vemos aos montes por aí.

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O americano quer captar investimentos para transformar o DepthKit, o sistema de filmagem de realidade virtual que desenvolveu, em um negócio voltado para o mercado consumidor. E ele sabe que a decisão terá reação não muito positiva de outros artistas.

"Não houve muitos artistas que aproximaram tanto seu trabalho de algo que pode ser considerado um negócio voltado para o mercado," explica. "No mundo da arte tecnológica, há essa inocência jocosa quando se fala de investimento e, ao mesmo tempo, há sempre um 'e se?'"

E se, dispondo de um milhão de dólares, você pudesse mudar o mundo sem nunca ter estado em uma galeria? E se você pudesse ser um sucesso sem nenhum colecionador?

Com o investimento correto, George poderia fazer do DepthKit – criado para produzir uma série de imagens e vídeos oníricos que mais parecem vislumbres do futuro - um software comercial ou até mesmo um aplicativo como o Instagram, com o qual todos poderiam tirar selfies inseridos em uma realidade virtual. A estética de George estaria ao alcance do usuário, algo que o artista vê como um efeito desejável.

"Se os cubistas pudessem ter criado um aplicativo cubista, eles o teriam criado," diz o artista.

Neste curta, o DepthKit é usado para renderizar atores.

Com o fluxo de investimentos que chega às companhias de tecnologia, artistas digitais se deparam com a possibilidade de que talvez suas criações se tornem negócios melhores do que objetos de museu. O raciocínio de muitos deles é atingir um público – ou número de usuários – ainda maior.

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O problema é que, assim como em uma empresa que começa a despontar, o dinheiro pode corromper o que antes era um objetivo positivo e sincero. Para sobreviver aos investimentos, os artistas devem, mais do que nunca, se manter fiéis a seus ideais em um mundo da arte que é cético em relação ao mercado da tecnologia.

Arte e tecnologia têm longa história de empréstimos; na verdade, esta separação mais recente é que tem algo de incomum. Os romanos criaram o concreto como uma ferramenta arquitetônica, e a retomada da perspectiva natural do Renascimento esteve ligada ao humanismo político e científico. Mas, ao longo do século passado, nos acostumamos à ideia de que os artistas devem trabalhar alheios à indústria; que o ideal artístico é Van Gogh nos campos da França, sozinho com seus pincéis. Preferimos heroísmo à colaboração.

De um tempinho pra cá, porém, alguns artistas voltaram a se posicionar na vanguarda da inovação tecnológica. Kyle McDonald hackeou uma loja da Apple inteira para tirar selfies de clientes; Phillip Stearns transformou bugs de imagens digitais em padrões têxteis utilizados pela Dior; e o duo holandês Metahaven fez o branding do WikiLeaks.

"Se os cubistas pudessem ter criado um aplicativo cubista, eles teriam criado."

A indústria da tecnologia está ciente disso tudo. Se já é difícil encontrar desenvolvedores no mercado, iconoclastas digitais com ideias originais são ainda mais desejáveis. "O Google me manda um e-mail a cada semestre," diz McDonald. A empresa quer saber se ele tem interesse em trabalhar lá. Não tem. Interessada em seu trabalho com processamento de linguagem natural, uma empresa de investimento algorítmico também entrou em contato com McDonald oferecendo uma vaga de emprego. Ele também não tem interesse.

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"Não sei se você entende o que eu estou tentando fazer aqui. Não estou tentando ajudar as pessoas a fazer melhores investimentos," diz McDonald. "Não sou movido pelo lucro. No fim das contas, se você está no mundo dos negócios, você tem que ser, de certa forma, motivado pelo lucro. Quando você é um artista, você pode fazer o que você quiser."

O perigo da expansão comercial para artistas é que eles não conseguem sobreviver como artistas depois de terem sido incorporados em um mercado industrial. Sinais desse fenômeno estão em todos os lugares: o New Museum tem uma nova incubadora/aceleradora chamada New Inc, que acolhe tanto artistas como startups; no Brooklyn, um coletivo de novos artistas de mídia formou a Dark Matter Manufacturing; e até Jonah Peretti participou da incubadora de artistas Eyebeam, muito antes de lançar o BuzzFeed. Sua empresa agora oferece bolsas de estudo de US$ 100.000 por meio de um laboratório de criação em seu escritório em São Francisco. Ainda não sabemos quais serão as consequências em longo prazo dos investimentos da indústria tecnológica na arte.

Para que um projeto cresça, as equipes de desenvolvedores devem ser contratadas mais por sua eficiência que por suas adequações artísticas e o capital deve, com todos os conflitos que isso traz, ser distribuído. Produtos são criados para vender, e não para satisfação espiritual. O podcast Startup, aliás, dá ótimos exemplos do que acontece quando ideais criativos entram em atrito com questões financeiras. Assim como os negócios, a arte deve ter algo de único e original para que se tenha sucesso, mas isso geralmente não pode ser medido com estatísticas de retorno de investimento.

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"Acredito que a pressão que há em um negócio envolvendo tecnologia faz com que seja muito difícil manter um projeto como uma verdadeira obra de arte, sobretudo se a empresa recebe investimento de fora," responde Hrag Vartanian, curador e fundador da página sobre artes Hyperallergic, depois de ser perguntado se um esforço artístico poderia se transformar em uma empresa. "Quando há investimentos envolvidos, é certo que a intenção artística será comprometida por motivos financeiros."

Lauren McCarthy e Kyle McDonald criaram um aplicativo chamado pplkpr para autogerenciamento de relacionamentos.

Vartanian se deparou com esse conflito quando foi curador de uma exposição chamada #TheSocialGraph, em 2010. Para a exposição, o artista Benjamin Lotan criou uma empresa chamada Social Print Studio, que produzia automaticamente uma rede impressa de todos os amigos de uma conta do Facebook. Era para ser uma espécie de sátira, e o logo da nova empresa inclusive foi incorporado à parede da galeria em vinil. Cinco anos depois, a Social Print Studio é uma grande empresa que trabalha com a impressão de álbuns e cartões a partir de fotos do Instagram.

"Não acho que a Social Print Studio ainda seja uma obra de arte," diz Vartanian. "Mas seu fundador começou a pensar sobre as residências de artistas e todas as outras coisas que a companhia poderia fazer para apoiar profissionais da arte."

De acordo com McDonald, residências são uma maneira de companhias como a Microsoft (onde George fez uma) e o Google incorporarem artistas sem comprometer seu trabalho, criando uma relação benéfica para ambas as partes. Arte é bom para uma marca. "Acho que a Microsoft e o Facebook se beneficiam ao atrair membros de uma equipe que se identificam como artistas ou que gostam de trabalhar com arte quando incorporam programação criativa em seus negócios," diz Lainya Magaña, fundadora da agência criativa A&O.

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Este relacionamento pode ser superficial ou ter má influência no trabalho que está sendo feito – imagine uma pintura marcada com o logo da empresa que desenvolveu a tinta que está sendo utilizada. Mas tudo depende de como o artista escolhe usar as fontes à disposição. "Dá para sentir que eles tentam usar você para aparecerem bem," explica McDonald. Mas se a oferta de patrocínio ou de investimento ajuda em um processo criativo que já aconteceria naturalmente, McDonald não vê problema algum.

"Se uma empresa quer patrocinar um trabalho que eu já faria de qualquer forma, isso faz com que o projeto saia melhor. Não há por que evitar isso. É tudo arte," diz.

Com DepthKit, James George espera conseguir algo muito além de fundos para uma residência. Em vez de exibir seu trabalho em galerias e museus, George espera inserir a estética que criou diretamente na cultura mainstream, ao permitir que usuários comuns adotem suas ferramentas.

George e eu discutimos sobre companhias do tipo business-to-business, ou B2B (empresa para empresa), que criam produtos utilizados por poucos, em oposição a firmas do tipo business-to-consumer, ou B2C (empresa para consumidor). Talvez a arte digital possa se utilizar da mesma estratégia das empresas B2C, distribuída diretamente a seus espectadores, sem perder sua identidade artística. Isso pode ser chamado de artista para consumidor, A2C. "Se o objetivo é criar um impacto na identidade visual do futuro, fazer algo que seja A2C é muito importante," diz George.

Já houve artistas que trabalharam com tal forma de distribuição – é o caso de Andy Warhol, Jeff Koons e Damien Hirst, que criaram uma estética que se infiltrou na cultura mainstream com a ajuda de grandes estúdios e centenas de funcionários. Talvez o capital de risco seja uma nova maneira de atingir este mesmo fim em uma era de consumo de tecnologia digital. "O trabalho tem uma natureza diferente para nós, logo, o dinheiro virá de um lugar diferente," diz George.

Investimento não é mais garantia de sucesso que um museu perfeito ou uma exposição em uma galeria. Cerca de 90% das startups não despontam. "Investimento é como fluído de isqueiro. Não importa quanto querosene você coloque no fogo, ele sempre pode apagar," diz George antes de voltar de bicicleta para seu ateliê, que em breve pode ser trocado por um escritório muito maior. "Não vejo um plano B neste momento."

Tradução: Flavio Taam