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Tecnologia

Como o 3G Irá Mudar a Palestina

Por anos, Israel baniu a tecnologia móvel dos palestinos. Agora chegou a vez de haver GPS, streaming e emails nos celulares do território ocupado.
O posto de controle de Qalandiya, entre Jerusalém e Ramallah. Crédito: AP

Pelo menos duas vezes por semana, Ahmed Zaytoun, de 28 anos, sai de seu apartamento em Ramallah, na Cisjordânia, para visitar sua família na vila palestina de Hizma. Para chegar até lá, ele passa pelo posto de controle de Qalandiya, um dos maiores e mais movimentados postos militares da região. Às vezes, conta, é preciso esperar uma ou duas horas para ultrapassar a barreira. Outras vezes, diz, o posto vira palco de confrontos entre manifestantes palestinos e soldados israelenses. "É muito imprevisível", afirma.

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Zayton então teve uma ideia: criar um app que diga se o posto está aberto e, caso esteja, que informe o tempo de espera para cruzá-lo. O aplicativo recebeu o nome de "Qalandiya". Ele foi lançado na Apple Store no mês passado e tem centenas de downloads.

O único problema é que o território palestino não tem um bom sistema de internet 3G. Embora o Qalandiya funcione no 2G, ele fica extremamente lento, disse Zaytoun, um homem de barba cerrada e moletom azul, em uma entrevista ao Motherboard feita na cidade de Ramallah.

Por anos, as autoridades palestinas proibiram a tecnologia 3G nos territórios ocupados sob a alegação de ser uma ameaça à segurança. A Cisjordânia e a Faixa de Gaza estão entre os 16 países do mundo que ainda não possuem acesso à tecnologia 3G, de acordo com o União Internacional de Telecomunicações, uma agência afiliada às Nações Unidas. O resto da lista é composto por países pobres da África ou ilhas isoladas do Pacífico.

O 2G é uma tecnologia sem fio criada nos anos 90 que só suporta ligações telefônicas, mensagens de texto e navegação simples. Grande parte do mundo já adotou o 3G, que transmite até 62 vezes mais informações por segundo. Muito do que fazemos em nossos smartphones — desde usar o GPS, ouvir música ou ver vídeos online, a mandar emails, fotos e vídeos para amigos e parentes — não funciona no 2G. Ou funciona tão devagar que não vale a pena.

Embora o 3G tenha chegado ao vizinhos de Israel em 2006, os palestinos ainda dependem do 2G, que chegou por lá em 1998. Em novembro, Israel e as autoridades palestinas assinaram um acordo que permite a instalação de redes 3G na Cisjordânia. Suleiman al-Zahiri, Ministro de Telecomunicações e Tecnologia da Palestina, disse ao The Jerusalem Post que a estimativa é que o serviço esteja disponível na metade do ano que vem.

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As autoridades israelenses afirmam que o 3G era proibido na Cisjordânia por motivos de segurança, mas os funcionários do setor de comunicação palestino com quem falei sugerem que a proibição servia, na verdade, aos interesses israelenses. "Agora que Israel está adotando o 4G, as frequências 3G serão disponibilizadas", disse Peter Abualzolof, o presidente de 28 anos da Mashvisor, uma startup de Ramallah. "Se eles tivessem nos dado acesso à tecnologia 3G, a qualidade do seu serviço teria sido prejudicada. Agora, essa preocupação não existe mais."

A tardia chegada do 3G à Cisjordânia, território controlado por Israel, promete dar o tão necessário impulso para o setor de tecnologia palestino, que ainda dá os seus primeiros passos. Hoje startups de Ramallah que queiram criar apps para smartphones têm dificuldade em encontrar investidores, disse Abualzolof. Em grande parte porque "os palestinos ainda não foram expostos ao 3G, o que significa que eles não entendem seu potencial", disse Ambar Amleh, um investidor do Fundo Ibtikar, que investe em startups de tecnologia da Palestina.

"Quando tivermos acesso ao 3G, veremos muitos outros apps sendo desenvolvidos por aqui", disse. "Pense um pouco: como alguém poderia criar o Google sem saber o que é a internet?".

Muitos palestinos têm dois celulares: um celular palestino utilizado para se comunicar com amigos e parentes, e um celular israelense que eles usam para acessar o 3G

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O setor palestino de tecnologia está crescendo rápido. Shadi Atshan, um empreendedor palestino que comanda a FastForward, uma aceleradora de startups do país, disse ao Motherboard que, quando ele fundou a aceleradora, em 2013, "nós praticamente implorávamos para que as pessoas aceitassem nosso dinheiro — e mesmo assim só 25 empresas se inscreveram no programa". Nesse ano, a FastForward recebeu mais de 180 inscrições.

Atshan, 33, nascido e criado em Ramallah, diz que a chegada do 3G à Cisjordânia é uma grande oportunidade para os empreendedores palestinos. Embora o mercado local seja pequeno (existem menos de 2 milhões de pessoas na Cisjordânia), os desenvolvedores podem faturar criando apps para um mercado muito maior: os 300 milhões falantes de árabe espalhadas pelo Oriente Médio. Como a maioria dos desenvolvedores e das startups da região está localizada na Palestina, no Líbano e na Jordânia, esses países podem lucrar muito com o mercado árabe.

A cidade de Ramallah no Google Maps — os nomes das ruas não estão disponíveis.

O acesso ao 3G na Cisjordânia irá beneficiar também as empresas telefônicas da Palestina. Atualmente, muitos palestinos têm dois celulares:um celular palestino utilizado para se comunicar com amigos e parentes, e um celular israelense que eles usam para acessar o 3G, que permite que eles vejam seus emails em qualquer lugar.

Os celulares israelenses têm acesso à rede 3G utilizada pelas centenas de assentamentos judeus espalhados pela Cisjordânia — grande parte dos quais possui a tecnologia, que é fornecida por torres israelenses há anos. O fato dos palestinos contratarem o serviço de operadoras de Israel indica que uma grande parte da renda palestina vai para bolsos israelenses: um estudo recente do "quarteto" que gerencia o Oriente Médio (formado pelos EUA, pela União Europeia, pelas Nações Unidas e pela Rússia) revelou que entre 20% e 40% do mercado palestino de telecomunicações está subordinado à empresas de telefonia israelenses. E como essas empresas israelenses não pagam impostos para o governo palestino, a Palestina perde cerca de US$60 milhões por ano, de acordo com um relatório de 2008 do Banco Mundial.

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Mas quando as empresas de telefonia palestinas começarem a oferecer cobertura 3G na Cisjordânia, tudo irá mudar — ou talvez não.

"Tudo depende de como esse novo acordo vai ser implementado", disse Nur Arafeh, uma especialista em políticas públicas da Al Shabaka, um grupo de pesquisas que atua na Palestina. "Se o cartão SIM israelense for mais barato, as pessoas irão continuar a usar telefones israelenses", Arafeh, 24, disse à Motherboard durante uma entrevista em Al Masyoun, o bairro moderno de Ramallah onde ela vive.

Apesar do acesso ao 3G ser uma grande oportunidade, enquanto a ocupação israelense controlar o desenvolvimento da indústria de comunicações palestina, o progresso econômico será limitado, disse Arafeh. "A ocupação é nosso maior obstáculo. O governo israelense controla todos os aspectos da economia palestina — seu controle total sobre o setor ITC [Informações e Tecnologia da Comunicação] é apenas um exemplo".

Quanto ao Qalandiya, o aplicativo depende de dados colaborativos, muitos deles vindos de pessoas presas nas filas do posto de controle. Isso até pode ser feito através do 2G, mas a passos de tartaruga. Com o 3G, mais pessoas terão a oportunidade de enviar e receber informações sobre o posto de controle. "Haverá uma troca maior de informações e mais atualizações do que antes", disse Zaytoun. "E essas atualizações serão cada vez mais precisas".

O app já recebe informações em tempo real de meia dúzia de pontos de controle na área de Ramallah e Jerusalém. Quando toda a Cisjordânia receber a nova cobertura 3G, Zaytoun planeja expandir o alcance do app para incluir todos os postos da região, que chegam à casa das centenas. O objetivo é que o Qalandiya venha a oferecer informações atualizadas sobre bloqueios de estradas, protestos e outras questões de seguranças imprevisíveis que costumam retardar o trânsito da região.

O acesso ao 3G não irá acabar com a ocupação israelense. "Mas ele fará uma pequena diferença", diz Zaytoun, "pelo menos em nossas vidas, que ficarão um pouco mais fáceis".

Tradução: Ananda Pieratti