FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Fomos a um Sarau de Poesia Death Metal

Poesia é metal e metal é poesia.

Poesia é metal e metal é poesia. Músicas de death metal, como “High on the Reek of Your Burning Remains”, do Coffinworm, ou “I Cum Blood”, do Cannibal Corpse, muitas vezes estão cheias de letras pitorescas. Há também os poetas hardcore, como Percy Shelley, do século XIX, conhecido por redigir os apocalípticos versos de “Ozymandias”. E por aquela vez em que um amigo supostamente arrancou o coração do seu cadáver em chamas durante o funeral.

Publicidade

No dia 29 de junho, compareci a um evento de poesia da Vertigo Series, no Crave Kitchen and Wine Bar, em Regina, capital da província Saskatchewan, no Canadá. Os

Deuses do Metal Canadense

inesperadamente brindaram a noite com os convidados musicais Flo Mounier (Cryptopsy/Digital Doomzday) e Troy Bleich (Into Eternity/Digital Doomzday/Planet Eater).

Fui lá basicamente para prestigiar a amiga e estrela em ascensão da poesia Cassidy McFadzean, que lançava uma nova coletânea de poemas intitulada Hacker Packer. A escritora Barbara Kahan e a poetisa vencedora do Governor General's Award, Lorna Crozier, também leram textos seus. Crozier é uma figura importante no mundo da escrita canadense. Tenho familiaridade com essa cena porque costumava resenhar livros na televisão, mas devo confessar que ir saraus de poesia às vezes me dá uma sensação de estar fazendo dever de casa. Quando o evento começou, eu estava em pé nos fundos da sala, cujo público era composto, em sua maioria, por simpatizantes de cabelos grisalhos.

Passei os olhos pela mesa de queijos, calculando o quanto poderia comer antes de começar a causar problemas para a galera. Foi quanto a anfitriã da Vertigo Series, Tara Solheim, anunciou os convidados musicais. Ela apresentou os dois headbangers como se fossem parte do corpo docente de uma universidade: “Por favor, deem boas-vindas ao baterista de Montreal, Flo Mounier, da banda de heavy metal Cryptopsy, e ao baixista de Regina, Troy Bleich, do Into Eternity e do Planet Eater”. Houve alguns aplausos esparsos. Duas pessoas, incluindo eu, levantaram por instinto as mãos, fazendo chifrinhos com os dedos ao ouvir os nomes das bandas. Puta merda. Eu não fazia ideia de que estava num sarau de poesia death metal.

Publicidade

Mounier e Bleich se apresentaram duas vezes, entre as leituras. Eles mantiveram a sobriedade, abrindo com uma música jazzística e fechando com um improviso. Embora Bleich tenha subido as expectativas, dedilhando um incandescente ditty de baixo, e Mounier tenha mandado uns fills de bom gosto aqui e ali, preciso dizer que fiquei triste por eles não terem soltado umas metrancas e grunhidos brutais, mas o pessoal adorou.

Depois do show, conversei com Mounier e Bleich. Os dois andam bastante ocupados. O Cryptopsy está arrecadando fundos para lançar o EP The Book of Suffering. Enquanto isso, o Into Eternity assinou com a Kolony Records em junho, e o sexto disco deles, intitulado Sirens, vai ser lançado na primavera próxima. O Planet Eater também lançou um EP de seis faixas em janeiro, e um LP está nos planos.

Perguntei a Mounier o que o trazia a um evento de poesia em Regina. Ele disse que fora organizado por amigos de amigos da comunidade do metal, e que por fim ele entrara em contato com Tara Dawn Solheim, da Vertigo. “Poesia não é a minha praia de jeito nenhum”, disse Mounier, “mas achei incrível essa noite, ver qual era o lance e ouvir novas ideias”. Ele explicou que estava na cidade para tocar num show com o Digital Doomzday – “um dos grupos de hip-hop mais brutais do mundo”. Um novo disco do Digital Doomzday está para sair no início de setembro. Seus integrantes incluem também Roman Corkery (vocal), Justin Bender (guitarra/vocal) e Troy Bleich (baixo/voz). Bleich e Mounier se conheceram depois da primeira turnê canadense do Cryptopsy, em junho de 1995. “A gente se conhece há muito tempo”, explicou Mounier. “Gosto de tudo. Adoro tocar música, tocar bateria e trabalhar com os meus amigos.”

Publicidade

Bleich parou um pouco para refletir sobre a esquisitice daquela noite de poesia, comparando-a a um show do Cryptopsy que ele vira, com a participação do ex-vocalista Dan Greening, também conhecido como Lord Worm. “A primeira vez que vi o Cryptopsy”, disse Bleich, “eu tinha provavelmente uns 15 anos, e trouxeram o Lord Worm num caixão. Ele comeu vermes. Tive minha primeira prova do death metal extremo. Nunca imaginei que estaria tocando junto com o Flo em um sarau de poesia com queijos e vinhos". Durante todas as leituras daquela noite, Mounier e Bleich faziam chifrinhos com as mãos quando gostavam dos versos mais dark dos poetas.

Aqui estão os momentos e os versos mais metal das leituras: Barbara Kahan leu excertos das memórias de seu pai, Tending the Tree of Life, tratando de tópicos como a Segunda Guerra Mundial e os benefícios do LSD. Hardcore! Cassidy McFadzean leu o livro Hacker Packer, que inclui um poema sobre faces de animais serem arrancadas na estrada e versos como “Anything can be flayed” [Tudo pode ser esfolado]. Sinistro. Lorna Crozier fechou a noite com uma obra de Small Mechanics, sobre corvos que têm sombras feitas de sangue, e sobre a deusa Perséfone se apaixonando por Hades, o deus dos mortos. Metal! Ela também falou sobre sacos escrotais de leões marinhos. Isso aí eu não sei se é metal.

Perguntei a Mounier e Bleich o que tinham achado das leituras. Mounier disse que gostou do trabalho de Crozier. “Ela tinha um poema sobre gato. Era um poema de amor? De início achei que estava ficando longo demais, mas aí percebi que ela queria chegar a algum lugar.” Bleich contou que esse foi o segundo evento da Vertigo Series a que ele compareceu. “Esses poetas e escritores lançam obras, que custeiam com dinheiro do próprio bolso. Depois disso, fazem os saraus, ficam sentados perto da mesa das mercadorias, vendendo a parada deles. As semelhanças com o que acontece na música são muitas.”

Publicidade

Uma rodada de doses de aniversário, de um vermelho turvo, chegou na mesa, para Mounier, que fazia 41 anos naquele dia. Os dois metaleiros pareceram relaxar, ao não ter mais que analisar poesias. Bleich mandou sua dose para dentro e riu da ideia de abrir uma roda punk num sarau de poesia. “Todo mundo estava com andador”, disse ele. “Talvez fosse o caso de abrir uma roda de andadores.”

Depois, fui conversar com Lorna Crozier, moradora da província de British Columbia, para ouvir sua reação à presença de dois apóstolos do death metal fazendo chifrinhos para o trabalho dela enquanto ela lia. Crozier comentou: “Não consigo pensar num elogio melhor. Não acho que exista nada mais sexy do que um baterista de heavy metal.” Ela esclareceu que está casada há 38 anos com o premiado poeta Patrick Lane.

Mounier, que não é de dormir no ponto, entrou na sala para pegar alguns equipamentos e viu Crozier. O baterista se aproximou e tascou-lhe um beijo de brincadeira, ao que ela disse: “Adoro você! Devíamos sair juntos em turnê! Eu posso abrir seus shows!”. Mounier, sem deixar a bola cair, respondeu: “Seria excelente ter você no time”.

“Achei eles incríveis”, disse Crozier. “Não importa qual é a forma de arte, se é heavy metal, hip-hop ou poesia… Os artistas mexem com o coração e com o corpo do ser humano, nos deixando mais sexuais, vitais ou tristes. A música deles conseguiu fazer isso, e espero que minha poesia tenha conseguido também.” Perguntei à escritora Cassidy McFadzean, de Regina, se ela tinha alguma banda favorita de música pesada. “A minha predileta da minha cidade é o Far From Ruin”, ela disse. “Eles se separaram, não foi?”.

Publicidade

Ela então comentou sobre a ligação que vê entre sua poesia e o gênero metal: “[Mounier e Bleich] trazem à tona o outro lado da poesia”, riu McFadzean. “Raiva. Morte. Mortalidade.” Naquela noite, dando vazão ao doom que havia no ar, ela leu um poema chamado “The Avenue of Saints”, sobre animais que morrem nas estradas. Ela explicou o poema, dizendo: “The Avenue of Saints é uma estrada de Iowa – participei da oficina dos Escritores de Iowa. A oficina é principalmente sobre a morte, e sobre emoções tristes. Muitos animais mortos aparecem naquela estrada… Como poeta, acho isso interessante.”

A Vertigo Series recebe artistas que trabalham em muitos gêneros diferentes. A organizadora, Tara Dawn Solheim, disse que o metal e a poesia devem andar juntos. “Em essência, existe uma relação muito forte entre os dois. Ambos extraem força das palavras e da intuição. Ambos lidam com ritmos complexos. Ambos podem fazer você se sentir calmo ou fora de controle.”

Ela explicou que um dos objetivos da série é criar um ambiente relaxado, em que as pessoas possam vivenciar a literatura e ouvir música com calma. Propus a possibilidade da roda punk, mas Solheim disse que as pessoas que comparecem à série Vertigo na verdade ainda não estão preparadas para isso. “Ouvi algumas pessoas dizendo que tiveram os olhos abertos para o mundo do heavy metal de uma nova maneira depois do evento, e que planejam ir ver Flo e Troy em suas próprias bandas. Lá elas vão poder entrar em rodas!” Pessoas idosas se acotovelando numa roda punk, num show do Cryptopsy? Está aí um show que eu não quero perder.

Devin Pacholik curte escrever e adorar Satã@DevinPatches

Tradução: Marcio Stockler