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Música

O David J é Tão Gótico que Usa Óculos Escuros na Cama

Ele conversou com a gente sobre seu novo disco, chamado An Eclipse of Ships, e ficou de roupão e óculos durante toda a entrevista.

Há alguns meses, pela ocasião do crowdfunding de seu novo álbum, tive a chance de entrevistar Daniel Ash. Foi massa. Então recebi um email do assessor do antigo parceiro banda de Ash no Bauhaus e Love and Rockets, David J.

O e-mail sugeria fortemente que David J adoraria responder algumas das coisas ditas na entrevista com Ash. Sendo um jornalista novato e de alma crapulosa, além de aparentemente muito crédulo, não deixei a oportunidade passar. Acabou que David J nem sabia da entrevista com Daniel Ash e estava lançando um novo disco.

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Estou em paz com este novo disco, chamado An Eclipse of Ships, de fato muito fino, e a entrevista foi ótima. Ele esteve no mesmo bar que eu na noite anterior, então ficou de óculos escuros e roupão de banho na cama durante toda a entrevista. David foi simpático e muito acessível, e como ele escreveu e gravou algumas das canções essenciais da minha juventude, fiquei grato pelo subterfúgio inicial.

Noisey: Ao contrário dos seus antigos colegas de banda, você parece não se afastar do termo gótico.
David J: O aceito com um sorriso. Não levo tão a sério, mas aceito bem mais do que antes.

Você ainda tem contato com Daniel?
Tomamos rumos diferentes de forma muito amigável após nosso ultimo show, que aconteceu há oito anos. Mas não nos falamos desde então. Não é como se houvesse algo de ruim entre nós, só não nos retomamos aquela conexão.

Ele disse que não haverá uma reunião.
Não mesmo. O mais próximo disso é esta banda, Gentlemen Thieves, tocando músicas do Love and Rockets. Eles as tocam muito bem e dão sua própria personalidade, algo que apoio. Traga sua contribuição pra festa. Ninguém consegue copiar Danny mesmo, mas qual seria o sentido disso? Faça do seu jeito e assim você dá um novo sopro de vida à velha besta. Sempre encorajo meus músicos a serem eles mesmos, o que mantém minha chama acesa também.

Você vê sua carreira como uma continuação—
A vejo como uma evolução.

Como assim?
Um refinamento. Mas também é importante manter aquela chama que fez você entrar nessa em primeiro lugar, que pra mim foi o punk: nunca perca isso de vista. Assisti ao Black Lips ontem à noite. Eles têm essa pegada. Um tremendo show. Outro exemplo é o Nick Cave and the Bad Seeds. Digo, ele é gótico, mas de um jeito muito legal.

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Você parece dividir alguns interesses com Cave, como letras literárias, contar histórias e tal.
Claro, gosto de criar isso. O novo álbum não é tanto um esboço de personagem quanto é apenas sobre mim. Um diário de viagem do desejo. Este disco é um ciclo de canções poliamorosas, uma homenagem às mulheres… Damas em especial. Estas seis músicas são sobre uma pessoa em específico e algumas outras mais gerais que, hm, complementam o tema.

Então seria alguém com quem você está tendo um relacionamento?
"An Eclipse of Ships" é uma alusão à frase “navios passando pela noite”, então muitos destes relacionamentos dos quais falo estão de passagem. Variando entre dois dias a 38 anos. 38 anos sendo minha esposa; minha sofredora e compreensiva esposa. É dela a canção "The You of Yesteryear".

Ela é sua esposa atualmente?
Sim! Muito. Como eu digo, ela é muito compreensiva. De qualquer forma, estes são esboços de personagens destas mulheres, e eles são muito carinhosos.

Como você equilibra novas músicas e as do Love and Rockets? Você se preocupa com seu público?
O lance evolui. O que faço acontece de forma muito orgânica e natural. Fica óbvio que direção seguir. Nunca planejo nada, apenas sigo a musa. E o público segue junto ou não – não posso fazer nada sobre isso. Nunca agrado um público específico. Sei que com este novo disco perderei alguns fãs, mas com sorte ganharei outros. Espero ganhar muitos!

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Você considera frustrante o novo panorama de pessoas que não compram álbuns completos?
Com certeza, mas ainda recebo correspondências daqueles que amam e apreciam discos por inteiro. Isso justifica o processo todo. Não consigo pensar de outra forma porque cresci numa época em que discos eram peças sequenciais de arte.

Daniel falou sobre o fato de Bowie aparecer no “Top of The Pops” ser um momento de formação para músicos da sua idade, mas você fala mais sobre punk.
Com o punk não importavam muito os discos. Era mais aquela experiência visceral de ir às boates e ouvir os singles. Mas se falarmos de Neil Young, o fluxo e sequência eram muito importantes. O mesmo vale pra o Lou Reed e o Velvet Underground.

Faz sentido, já que a maior parte do seu trabalho é mais glam.
Sim, mas há um elemento acústico também que estou explorando em minha carreira solo. Então vejo o que fiz até então e percebo o que faz sentido pra eu tocar agora. Reparo em, digamos, "Earth, Sun, Moon", e há uma ressonância entre essas músicas e as do álbum atual, daí a coisa dá certo.

Daniel falou sobre como ele não nenhum interesse em fazer versões acústicas do Love and Rockets. Eu não sei o quanto ele sabe sobre o que você está fazendo, mas ele estava te atacando ao dizer isso?
Não, de jeito nenhum!Ele só estava sendo sincero. Daniel sempre foi assim e essa é uma discussão que sempre tivemos. Porque sempre adorei, digamos, ver Elvis Costello tocando um show acústico, e adoraria essa [performance] mais crua. Ele não dá a mínima pra isso. Ele gosta de toda a produção, e eu também, mas Daniel é fã das camadas. Não é uma provocação. Só temos gostos diferentes.

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Você estará em turnê do novo disco pelo resto do ano?
Bom, acabo de assinaro contrato para um livro, minha biografia: Who Killed Mr. Moonlight; Bauhaus, Black Magic and Benediction. Estou escrevendo-o há cinco anos. Fiquei em um quarto de hotel de Hollywood e segui o regime de Nick Cave de escrever cinco horas por dia. Só poderia ter feito isso assim.

Não sabia que ele tinha feito isso. Parece que a musa precisa de um empurrão às vezes.
Sim, ele tem até um escritório. Acho que na verdade algumas vezes aqueles que recebem as graças das musas precisam de um empurrão. O receptáculo precisa de disciplina para ser de valor. Ninguém empurra a musa. Se você tenta fazer isso, ela dá um chute e vai embora.

Você me disse que nesse disco entrou em contato com seu Serge Gainsbourg interior. Foi algo intencional?
Não. Só percebi isso. Sempre amei a música dele. Costumava ter essa discussão com Daniel, que sempre tratou Gainsbourg como piada, músico de um hit só… Eu entendo agora porque tenho uma certa idade, e ele era de certa idade, escrevendo sobre mulheres muito mais novas que ele.

Há tristeza nisso.
Há tristeza no disco. Ele é agridoce. Gosto de ter esta idade por conta da perspectiva. É uma experiência muito mais profunda de vida, a tristeza é mais profunda e a alegria mais elevada. Percebo que quanto mais velho fico, mais extrema a experiência. Descobri isso especialmente porque tenho um filho de 25 anos de idade, e assim que você projeta suas experiências em sua prole, a coisa se intensifica.

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Seu filho já ouviu o álbum?
Ele já o tem, mas ainda não falou nada.

Nenhum comentário sobre seu pai enquanto libertino envelhecendo? Tenho certeza de que tudo isso será uma fonte de risos pra ele, ouvindo e se contorcendo gostoso.
Espero que ele não se contorça. Temos um excelente relacionamento, não há nenhum assunto que não possamos falar sobre. Não lembra em nada a relação com meu pai.

O que seu pai fazia?
Coisas diferentes. Tinha uma loja. Cuidava da loja e dirigia uma van, transportava coisas, era vendedor de porta em porta. Vendia isolamento acústico. Talvez eu fosse uma inspiração pra isso. De qualquer forma, ele era um escritor aspirante. Tinha talento pra isso. Escrevia pequenos versinhos jocosos. Ele era muito engraçado, muito gracejador, muito ácido… Costumávamos implicar um com o outro, tipo, muito. Mas fizemos as pazes antes dele morrer, o que foi fantástico.

Então o relacionamento com seu filho é diferente.
Ô se é. Frequentamos shows juntos, ele me mostra bandas novas. Ele me mostrou esse cara chamadoDirty Beaches. E eu lhe mostrei Suicide, assim temos esta amável relação. Fora da música, ele pode chegar comigo e eu o ajudarei. E às vezes ele me ajuda. Além disso, ele é poeta, então [entre meu pai e filho] há uma linhagem.

Você ainda tem um bom público no Reino Unido?
Bem, minha relação com a imprensa tem melhorado.

Você não acha que isso acontece porque você agora é um respeitável senhor mais velho?
Hm.

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Com todo o respeito.
Não, é difícil ser honesto sobre si mesmo sem parecer que você está puxando o próprio saco.

Vá em frente. Pode puxar.
Bem, há profundidade no que faço. Sei disso. E alguns jornalistas de um certo grupo influente gostam disso. E agora o Bauhaus é laureado pela imprensa. Acho que estávamos mesmo à frente de nosso tempo. Éramos provocadores. Sabíamos que incomodávamos as pessoas e adorávamos isso, na verdade. Mas ainda assim estávamos sendo verdadeiros consigo mesmos e fazendo música que era simplesmente boa. E foi meio que ir na contramão da época.

Como assim?
Após o punk, havia uma atitude toda em ser humilde e despretensioso e classe trabalhadora e carne e batatas, enquanto nós adorávamos agir de forma pretensiosa. Mas com essa pretensão, éramos nós mesmos. Você sabe, é a mentira que conta a verdade. Tipo o quão banal é a mentira que conta a verdade. Estávamos sendo mais verdadeiros com nossos eus reais sendo glam e avant-garde daquela forma do que sendo comuns.

E muitos destes caras humildes na verdade vinham de famílias afortunadas.
Isso sim é pretensioso, mas não de um jeito atraente. Mas musicalmente nós apenas estávamos na frente. E isso é confirmado pelo tanto de bandas influenciadas pelo Bauhaus. Bandas que falaram comigo pessoalmente que foram influenciadas, e isso é muito gratificante. Ouço mesmo essa influência. E também o Love and Rockets. Nos Estados Unidos com certeza. Focamos lá. Recusamos turnês na Europa e Austrália e focamos nos EUA e Canadá.

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Sério? Vocês faziam mais sucesso nos EUA?
Acho que é o apelo do alienígena, do estrangeiro. Na Inglaterra, gostávamos das bandas americanas. Elas nos pareciam exóticas: Television, Talking Heads, o Patti Smith Group. Sucessos enormes na Inglaterra. O apelo era tão exótico. A inglesice do Love and Rockets – e éramos muito ingleses – era atraente aos americanos, acho.

Há quanto tempo você mora nos EUA?
17 anos agora.

As novas músicas não parecem tão inglesas.
Acho que há uma extravagância inglesa que percorre este disco. E ela é necessária para equilibrar a investigação no tema de estudo.

Se você vai falar de sexo e morte, tem que ser extremamente sério e extremamente nada sério ao mesmo tempo.
Absolutamente. Se você conseguir. Muitas das primeiras bandas góticas se levavam à sério demais, mas com o Bauhaus sempre havia algum humor. Apesar das músicas mais sérias e intensas, sempre incluíamos algo não tão assim.

Vocês não eram malucos, mas havia humor.
E muito disso se perdeu. O mesmo com o punk, especialmente o inglês. Havia muito humor. Era algo pra rir, mas também era muito sério.

Zachary Lipez está brincando com a morte agora mesmo. Ele está no Twitter - @ZacharyLipez

Traduzido por: Thiago “Índio” Silva