FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Tacocat, Feminismo de Tumblr e a Cultura do Livre Sangrar

É muito melhor do que o soft guetto.

Há uns dias o palindrômico TacocaT soltou um novo single do seu próximo disco. No passado o quarteto de Seattle abordou temas tão diversos quantos gatos videntes e vaporizadores Volcano, mas dessa vez a coisa foi além: o som fala sobre menstruação. “Crimson Wave”, o título da música, que quer dizer algo como “onda carmesim”, trata de algo que pelo menos metade da população vivencia em primeira mão, mas que é uma seara que poucos músicos já tiveram coragem de entrar. É um surf rock pegajoso que fala sobre o lamento de se acordar e descobrir que já chegou aquela época do mês, e ao invés de choramingar as pitangas e tomar Ponstans, o lance é ir pra praia “surfar essa onda carmesim” sonhando com “vinho branco e Tylex” enquanto se ouve The Cramps (literalmente, “As Cólicas”) no seu som.

Publicidade

Mas essa animação quase agressiva da música vem como uma surpresa -- TacocaT é uma banda normalmente bastante divertida, cujas canções te fazem querer pular numa cama de hotel com a sua melhor amiga. Eles estão mais pra Le Tigre que Bikini Kill, e espalham seu feminismo pelo mundo através de músicas que pegam leve no viés político. Já cantaram sobre usar um collant pra evitar dar uns amassos muito intensos, um assunto que claramente fala sobre a ética do consentimento e as pressões que as mulheres enfrentam em situações sexuais, mas a música fala disso com tanta leveza que talvez faça sentido pras pessoas que preferem virar as costas pra assuntos ideologicamente muito explícitos.

E o lance com a música do TacocaT é que ela é divertida mas, ainda assim, séria. É algo que eu teria curtido muito na minha época de adolescente que amava Ghost World mas não estava pronta pra Judith Butler. “Na minha experiência, fazer piadas sobre coisas meio estúpidas fez com que pessoas se questionassem mais do que se eu tivesse gritado tudo na cara delas”, diz Emily Nokes, a vocalista da banda, ao Rookie. E no mundo ultra-sério do feminismo de internet, esse tipo de comportamento é um alívio muito bem vindo.

Se esse estilo animado de feminismo soa familiar, é porque deveria mesmo. É algo que você já viu reblogado um milhão de vezes: é Lisa Frank, é a fan art de Grimes, são print screens de As Patricinhas de Beverly Hills. Elas têm a estética adolescente do Tumblr na palma da mão -- ou numa camiseta -- sem que isso pareça forçado. Se você vir o show delas, é difícil não achar que elas mesmas são adolescentes, a forma como eles se apresentam é genuinamente exuberante e sincera. Vale lembrar que o Tumblr é um território livre tanto para feministas e promotores de justiça social quanto para adolescentes com cabelos em tons pastel, e é normal que essas comunidades acabem por se sobrepor. Como o novo disco do TacocaT tem um nome sorrateiramente alusivo ao Nirvana -- NVM poderia ser uma abreviação de Nervermind -- suas influências e intenções parecem entrelaçadas. E se elas fossem o Nirvana da nova geração de soft grunge?

Publicidade

A música me lembrou de um outro fenômeno que pingou no meu dashboard do Tumblr outro dia. Eu não acreditei no começo, mas tem um lance chamado “freebleeding” (livre sangrar), que anda pipocando nos círculos feministas adolescentes. É basicamente o que parece: imagina que quando a sua menstruação chega você… não faz nada. Corta pra foto de uma menina com cabelo cor de rosa e um piercing no septo vestindo uma camiseta com um smiley amarelo, segurando um skate, e fios de sangue escorrendo do meio das pernas. Nojento? Claro. Subversivo? Talvez. Engraçado? Eu achei que sim.

Parecem existir muitas discordâncias nas internets sobre o freebleeding ser legal, nojento ou até mesmo real, mas o efeito viral disso e outras questões da cultura recente da menstruação talvez indiquem uma mudança, fazendo com que garotas adotem os aspectos da sua feminilidade como significantes rebeldes que outrora eram tidos como tabus. Você pode dar uma olhada na Molly Soda, que regularmente mostra suas axilas peludas (assim como seus peitos) pra milhares de pessoas reblogarem, ou então Petra Collins, que causou um pequeno furor há uns meses com a camiseta da sua vagina menstruada pra American Apparel. “Ficamos tão chocados e ultrajados [com] algo que é um estado tão natural -- e é engraçado que de todas as imagens que circulam por aí, de todas as imagens sexualmente violentas, ou repugnantemente depreciativas, isso é algo tão, tão chocantemente aparente”, disse Collins à VICE. Esse é o tipo de coisa que você pensa que deveríamos ter percebido nos idos da década de 1970, mas parece que papeis de gênero gestados ao longo de séculos não são tão facilmente abolidos. As pessoas ainda ficam muito ofendidas com mulheres falando sobre as coisas que ocorrem naturalmente com nossos corpos. Ainda somos ensinadas desde o princípio que, pra sermos aceitas, precisamos nos contorcer a um estado não natural que é ao mesmo tempo doloroso e caro. E as pessoas ainda ficam enojadas com menstruações. No nosso mundo pós-Jackass e pós-4chan, alguma coisa que ainda suscite uma raiva tão intensa é algo muito impressionante, principalmente se for um acontecimento biológico básico pra maioria dos humanos. Faz com que uma música pop sobre cólicas menstruais pareça até meio radical.

Numa entrevista ao Hyperallergic, a artista e escritora Kate Durbin disse acreditar que usar a internet “pode nos ensinar maneiras melhores de nos integrar ao nosso eu da vida real”. Estamos profundamente inseridos nesse momento cultural pra dizer que uma “garota adolescente” não é motivo de risada. Mas há garotas (e pessoas marginalizadas de todos os gêneros) o suficiente no mundo que sabem que uma menstruação dolorida ou qualquer outra função corporal passível de “vergonha”, e ruim o suficiente e que por isso mesmo podemos falar sobre isso, rir sobre isso, cantar sobre isso. E, como feministas, não deveríamos sacrificar nossa diversão pra sermos levadas a sério. Então, pelo menos por agora, vamos parar de nos estressar, colocar TacocaT no repeat e continuar surfando essa onda.

Sophie Weiner acabou de perceber que passa muito tempo no Tumblr. Siga ela no Twitter -- @sophcw