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Música

Tocando Em Lugares Com Nomes Bizarros E Avistando Cadáveres: O Diário De Turnê De Buzz Osborne, Parte Quatro

"Já vi o meu quinhão de gente morta nessa vida, mas a verdade é que você nunca se acostuma. Espero que eu nunca me acostume."

Grand Rapids, Michigan

Chegamos a Grand Rapids um dia antes do show, então tivemos uma noite inteira de tempo livre para matar.

Fui deitar cedo, vi uma boa parte de Lawrence da Arábia e depois me desliguei. Desligar quando se está em turnê é fácil, e você tem que aprender a fazer isso, ou com certeza enlouquece. Brian e Dave estavam "com fogo no rabo" para "fazer alguma coisa" e acabaram indo àquele que era supostamente o "melhor" bar de rhythm and blues de Grand Rapids. Depois contaram que, assim que pisaram lá dentro, foram cercados por traficantes de drogas, todos tentando vender pó. Finalmente, depois do que Brian afirmou ser, de longe, a melhor banda de blues do Michigan que ele viu na vida, partiram para o hotel, mas não antes que Dave dissesse a um dos traficantes pentelhos: "me deixa em paz, seu polícia". Pelo visto, o traficante deu um escândalo e gritou "polícia? não sou polícia porra nenhuma. Sorte a tua eu não estar com meu cano, que eu ia te abrir tanto buraco que tu ia ficar igual uma peneira".

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Acordei bem cedo no dia seguinte e lavei as roupas, e li parte de um livro de John Fante, e pensei num morto que a gente tinha visto na estrada, entre Seattle e Spokane. Eu estava no volante, dirigindo pela passagem no lado leste, quando de repente o tráfego ficou lerdo e quase parou. A coisa continuou por uns 400 metros, até que fizemos uma curva e vimos um cara de capacete estirado na beira da estrada, as pernas quase que viradas para trás. Era óbvio que ele fora atirado por cima da divisória de concreto, desde o outro lado da pista. Meu deus, ele estava claramente morto. Eu só conseguia pensar no fato de que eu soube da morte dele antes de sua própria família.

Já vi o meu quinhão de gente morta nessa vida, mas a verdade é que você nunca se acostuma. Espero que eu nunca me acostume.

Um cara que conheci que era íntimo demais da morte foi o fotógrafo do IML de Wayne County, que contava umas histórias de trabalho simplesmente inacreditáveis. Ele morava no centro de Detroit, numa loja de rua reformada muito maneira, e toda a parte de dentro tinha o clima do apartamento de Kevin Spacey no filme Seven. Dava para ver que ele era paranoico, mas porra, ele morava em Detroit, então motivo para isso não faltava, e além do mais imaginem a vastidão das merdas que ele tinha visto no trabalho! Quem não seria paranoico depois de anos de experiência vendo em primeira mão as profundezas mais feias da natureza humana? Fiquei totalmente impressionado com o esquema todo dele. Era um sujeito muito interessante, e adoro gente assim. Montes de câmeras de segurança espalhadas por todo canto, e ele tinha até mesmo instalado microfones do lado de fora, para que pudesse OUVIR o que estava acontecendo por lá. Perguntei qual era a parte mais difícil do trabalho, e ele respondeu que era quando pegava um homicídio e o cadáver era de alguém conhecido. Bizarro é isso aí. Esse cara tinha que escrever um livro.

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Nos bastidores, em Detroit

Tocamos numa casa noturna em Grand Rapids chamada The Pyramid Scheme. Então vejamos: até aqui nessa viagem toquei numa casa chamada The Shake Down [A extorsão], noutra chamada Shank Hall [Salão da Facada], e agora estou tocando no The Pyramid Scheme [O Esquema em Pirâmide]. Perfeito. Talvez eu devesse abrir uma casa em Los Angeles chamada The Stick Em Up [O Mãos ao Alto], ou simplesmente Club Rip Off [Clube Falcatrua], e ver quantas bandas consigo agendar. Provavelmente não faria nenhuma diferença – eu agendei um show numa casa chamada Shank Hall, não agendei?

Acabou que o The Pyramid Scheme era uma casa muito legal, e fiz lá um dos melhores shows dessa turnê até agora. É, fácil, a melhor casa noturna de Grand Rapids de todos os tempos, e fácil também uma das melhores do país todo. Mal posso esperar a hora de voltar. É muito bom quando você conhece uma casa noturna nova e tem uma experiência fantástica tocando lá.

No dia seguinte fomos para Ohio, e ficamos num hotel bem no meio do que parecia ser o bairro mais fodido de Columbus. O esquisito é que era um hotel relativamente chique. Perguntamos ao gerente se nosso carro não correria risco durante a noite, e ele respondeu: "não se preocupem, temos seguranças armados. Mesmo se o pessoal daqui se comportar como bicho, não se metem com nosso estacionamento". Bom, que alívio.

O show em Columbus foi quente. Suei como um porco escroto desde a primeira música. Fiquei pensando em Frank Booth, de Veludo Azul, durante quase o show inteiro, e não faço ideia do porquê. Talvez eu tenha finalmente enlouquecido. Ainda bem que parei de beber, porque bêbado já fui descrito como uma versão CRUEL de Frank Booth. Dale diz que é melhor para todos quando não bebo, e suponho que isso seja verdade, mas não posso entrar em marcha ré. As pessoas sempre querem que as coisas sejam como eram antigamente. Dureza. Agora não tem como voltar. A internet mudou tudo para sempre. Saudemos todos a internet!

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Passamos de carro por Toledo a caminho de Detroit, e a cidade me fez lembrar do filme Apocalypse Now. O capitão Willard diz ser de Toledo. Adoro essas merdas. Willard vem da porra de Toledo, e lá está ele conversando com Kurtz, no Camboja. É uma referência maneira.

Certa vez, quando fizemos alguns shows na Europa com a banda Flipper, o guitarrista me contou que ele serviu DUAS turnês no Vietnã! Disse que quando entrou no exército, não só não sabia que os EUA estavam em guerra, como também não sabia onde ficava o Vietnã. Fez duas turnês no Vietnã durante aqueles que foram provavelmente os anos mais sangrentos, ou seja, 67 e 68, e DAÍ acabou na Flipper! Bom, essa me parece a escolha mais sensata, considerando a reação de ódio que quase todo mundo tem quando fala, e até mesmo quando pensa, sobre aquela guerra. Certamente jogou uma luz nova sobre o meu amor pela banda. Agora meu amor por eles é ainda maior.

Detroit foi uma belezinha, o que parece bizarro de dizer sobre uma cidade como Detroit, mas aí está. Um público bem comportado de pessoas que realmente pareciam interessadas no que eu fazia. Isso é bom! Este é basicamente um mundo sem Deus e sem verdade, e quando você está no palco, talvez haja ainda menos coisas do que a ausência da verdade, então o mínimo que posso esperar é respeito, mas normalmente ninguém pensa nessas merdas. Isso quer dizer que, quando acontece, fico muito agradecido, e não esquecerei tão cedo a gentileza com que me trataram em Detroit. Acreditem ou não, esse tipo de coisa com certeza faz diferença para mim. Quer dizer, estou andando por aí com um show acústico, tentando colocar no máximo o medidor da bizarrice, e parece estar funcionando. Não posso esperar mais do que isso. Agora, o grande plano é não cagar a coisa toda. Rá!

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No dia seguinte entramos de carro em Ohio para o show em Cleveland, e imediatamente percebemos que tinha policial pra caralho. Contamos 25 policiais entre Toledo e Cleveland, e isso em apenas 160 quilômetros! O que está rolando? Cá estamos nós dirigindo com uma placa de outro estado na interestadual de Ohio, e dezenas de policiais estão parando todo mundo. Excelente.

Nos bastidores, em Cleveland

Fiquei nervoso pra caralho a viagem toda. A última coisa que eu queria era ter que lidar com a porra de um policial com corte de cabelo militar, usando um chapéu do urso Smokey, me parando por motivo nenhum, e perguntando aos berros que diabos eu achava que estava fazendo, ou algo igualmente estúpido. Não gosto disso. Nem. Um. Pouco.

Acabou que, de alguma forma, passamos ilesos. Contei a história no palco aquela noite, e ninguém ligou a mínima. Com certeza acho isso perturbador. Daqui a pouco todo mundo vai aceitar que policiais incomodem inocentes a torto e a direito, e não gosto nem um pouco dessa ideia também. Não quero ter que ouvir um policial que se acha grandes merdas por ser policial latindo na minha cara sobre alguma babaquice insana. Não gosto de aceitar ordens de policiais de patente nenhuma – na verdade, de quem mesmo é que aceito ordens, afinal? É uma boa pergunta. Policiais me fazem ter vontade de matar alguém na facada, ainda mais quando estão vomitando sua própria versão das regras e punições. Fico feliz que existam, mas eu certamente não sou o inimigo.

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Tiramos folga no 4 de julho, e fomos até Syracuse, Nova York, que ficava a uns 450 quilômetros. Chegamos no final da tarde. Mudei as cordas do meu violão e vi O Iluminado. Acabou que O Iluminado foi a trilha sonora do tempo inteiro que passei no nordeste dos Estados Unidos. Acordei cedo e fiquei só deitado na cama, pensando sobre praticamente nada por uma meia hora. Isso me deixa desconfortável. É nos momentos assim que sinto que poderia pirar completamente, e que as coisas poderiam sair de controle. Em vez disso, tomei um banho.

O show em Syracuse foi ótimo. Adorei o espaço. É um teatro antigo, do qual arrancaram todos os assentos. Som excelente e vibe excelente. O Melvins tocou nesse mesmo espaço ano passado, e lembro de um adolescente negro sendo preso no estacionamento que fica atrás do lugar por sair mostrando uma arma por aí. Ele a apontou para um segurança, que imediatamente chamou as autoridades, que mandaram uma porrada de policiais e até mesmo um helicóptero. Tudo isso para prender o que, afinal, era um garoto de 14 anos com uma arma de brinquedo. Que jumento. Esse é o tipo de merda que acaba matando adolescentes. Ele tem sorte que nenhum desses policiais tenha metido uma bala na sua cabeça, e com justiça. Deixem as armas de brinquedo em casa, crianças.

Burlington, Vermont

Burlington é mais um refúgio de hippies, mas, ainda assim, o show foi ótimo e não topei com hippie nenhum. Bom.

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A última vez que estive em Burlington foi durante nossa turnê 51/51, de todos os estados mais DC, e tinha um jam show hippie rolando no espaço maior anexo, que estava lotado e foi absolutamente horrível. Não sei como que esses idiotas anacrônicos clones de hippies podem gostar de uma música mequetrefe de merda como aquela. Sei que eu nunca consegui, e acho que tentar ouvi-la chapado ou viajando só a deixaria muito pior. Suponho que, se eu ouvisse discografia inteira do Grateful Dead, encontraria uma ou outra música boazinha, mas a ideia de aguentar todos aqueles discos horríveis me soa verdadeiramente horrenda. Caso eu tivesse que fazer isso, quase ia preferir nunca mais ouvir música, e ficar só com o talk radio.

Esses hippies modernos eas novas bandas hippies que eles ouvem realmente deveriam se envolver em seu próprio movimento juvenil.

Buzz Osborne é um membro fundador do Melvins, é claro. Leia os episódios anteriores de sua jornada:

Tentando não Morrer num Acidente Flamejante: O Diário de Turnê de Buzz Osbourne do The Melvins

Hippies E Meganhas: O Diário De Turnê De Buzz Osbourne, Parte Dois Caipiras, Burocratas Zumbis E Kiss: O Diário De Turnê De Buzz Osbourne, Parte Três

Tradução: Marcio Stockler.