A skater brasileira de 16 anos que está a conquistar o Mundo

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A skater brasileira de 16 anos que está a conquistar o Mundo

Pamela Rosa venceu, no dia 25 de Fevereiro, o Campeonato que tanto lhe tirou o sono. Conquistou o ouro no street skate feminino dos X Games.

Fotografia de Guilherme Santana/ VICE

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Brasil.

Quando me encontrei com a skater Pamela Rosa, há pouco mais de um mês, ela estava inquieta. Uma certa sonolência pendia sobre os seus olhos. Há dias que a adolescente de 16 anos não dormia bem a pensar na grande meta da sua vida: sacar a medalha de ouro nos X Games em Oslo, na Noruega. "Embarco para o Campeonato Mundial na próxima semana e estou aqui ainda lesionada", diz-me, apontando para o pé. "Há já um mês que não subo no skate". Mesmo debilitada, não fugiu da sessão de fotos. Então bicampeã mundial de skate feminino, a jovem moradora de São José dos Campos, no Interior de São Paulo, exibiu para as lentes da VICE um nível de skate que muitos com a integridade física intacta levarão a vida inteira para alcançarem.

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Fotografia de Guilherme Santana/ VICE

Boardlisdes, fifties, kickflips, smith grinds, nas suas mais diversas variações, sem aquecer e sem errar. Ela só perguntava: "Posso ir?". "Podes!", respondia o fotógrafo. E a miúda saía na mecha e a acertar tudo à primeira. Parecia ter nascido com o skate colado aos pés. Era como se a tábua fosse uma extensão natural do seu corpo. A analogia não é absurda. Ela anda todos os dias desde os oito anos de idade e, mesmo nos primeiros movimentos, demonstrava habilidades natas. Quem o afirma é a mãe, Evânia da Silva Lima Rosa, 51 – a.k.a. Tia Evânia para a rapaziada do skate. "Mesmo sem perceber de skate na época, percebi que ela tinha um talento fora de série", observa. "Na família decidimos dar-lhe todo o apoio que pudéssemos, para ela chegar o mais longe possível".

Fotografia de Guilherme Santana/ VICE

A disciplina, controlada de perto pela mãe e pelo pai, Paulo César Leite Rosa, 48, surtiu efeito. Pamela Rosa venceu, no dia 25 de Fevereiro, o Campeonato que tanto lhe tirou o sono. Pamela conquistou o ouro no street skate feminino dos X Games, ultrapassando a mediática Leticia Bufoni, que nem sequer subiu ao pódio, e duas miúdas que são verdadeiras feras do skate feminino mundial, as norte-americanas Lacey Baker e Vanessa Torres. Nada mal para quem começou a andar com skates emprestados dos rapazes do Jardim Cerejeiras até que os seus pais, de situação económica humilde, pudessem comprar-lhe um. "Havia uma pista aqui próxima da minha casa e eu tinha tanta vontade de andar que ia até lá com a maior cara de pau e pedia para me deixarem dar umas voltas", recorda.

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Única rapariga da crew de skaters de que faz parte, Pamela firmou os seus créditos pelos vários pontos de skate da cidade. "As pistas dos campeonatos estrangeiros anão têm nada a ver com os lugares que uso para treinar", avalia. "Aqui, não há sítios mesmo bons. O melhorzinho é um skate park público, que fica longe de casa e é muito pequeno, chamado Aquarius. Por isso, nem sequer lá vou muitas vezes". O ponto que mais frequenta - e onde aprendeu manobras básicas como o ollie - é o Centro Polidesportivo Vila Tesouro, que é mais acessível. Quando não está lesionada, ou não está a chover, treina por lá, ou no Centro da Juventude, popularmente conhecido como "pavilhão", onde o piso é amplo, coberto e lisinho.

Fotografia de Guilherme Santana/ VICE

A rotina é sempre a mesma. Espera que o pai regresse do trabalho e sai com ele para treinar. "Nós acompanhamo-la a todos os treinos e eventos. No meio do skate há muita gente boa, mas também há muito sacana e pessoal a fumar erva", diz a Tia Evânia. "A Pamela é novinha, não quero que hábitos menos saudáveis e as más companhias lhe atrapalhem o foco, que é ser a melhor skater do mundo". Os olhos da mãe brilham e até fala mais alto quando diz tais palavras. Por causa da filha, Evânia sabe tudo sobre skate, dos nomes das manobras, às histórias dos campeonatos e principais marcas. Às vezes, até mais do que a própria Pamela.

Todos os movimentos que a jovem skater faz nos campeonatos são definidos com a consultoria dos pais dela, de um amigo da família que dá apoio financeiro, o médico Hamilton Freitas Filho, e do skater profissional Kelvin Hoefler, de 22 anos, que ela considera um misto de irmão e mentor. "Já chego ao campeonato com as minhas linhas definidas", explica Pamela. "Assim que recebo a planta do local, começamos a pensar juntos numa linha. Quando chego ao treino que nos permitem fazer na pista do evento uns dias antes, vemos quais dessas manobras estou a conseguir sacar sem errar com mais frequência, e definimos as opções".

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Fotografia de Guilherme Santana/ VICE

Ainda assim, Pamela garante que tem sempre cartas na manga. "Às vezes, dependendo de como as outras competidoras se apresentam, preciso de inserir alguma manobra do além para me destacar. De qualquer maneira, nunca tento fazer coisas que não tenha a certeza de que conseguirei acertar. Senão, está tudo tramado!".

Fotografia de Guilherme Santana/ VICE

No nosso encontro, Pamela emociona-se ao relembrar a altura em que recebeu o primeiro convite para participar num X Games, em Foz do Iguaçu, em 2013. Acedeu ao e-mail e deparou-se com uma nova mensagem escrita em inglês. Mesmo sem entenderem nada da língua, ela e a mãe perceberam que se tratava de algo que mudaria a vida da família para sempre. "Congratulations, Pamela Rosa, you are invited to compete on the X Games", dizia a missiva.

Ela confessa que ainda não superou aquela sensação de que tudo parece um sonho. "O skate melhorou muito a minha qualidade de vida, deu-me um melhor acesso aos estudos e também estou a conseguir ajudar a minha família. É disto que eu quero viver para sempre", garante. "Só me incomoda um pouco a cena de não ter muitos patrocinadores e de ter demorado para conseguir alguns apoios".

Fotografia de Guilherme Santana/ VICE

Naquele campeonato em Foz do Iguaçu, Pamela ficou em sétimo lugar. Depois disso, evoluiu muito rapidamente. No ano seguinte, foi vice-campeã dos X Games em Austin, no Texas, e acumulou mais quatro títulos brasileiros, dois sul-americanos e dois paulistas. "Não é porque ela é minha amiga, mas a Pamela é a melhor skater da actualidade. Não entendo porque é que não tem tanta exposição ou patrocínio como tem a Bufoni, a quem ela já ganhou várias vezes", diz Kelvin, que hoje mora em Los Angeles, nos Estados Unidos. "Acredito que o tempo acabará por acertar as coisas, porque a Pamela só ficou conhecida nos media internacional há cerca de três anos".

Kelvin fala com convicção. Afinal, foi diante dos seus olhos que ela realizou um glorioso feito: descer de backside boardslide o corrimão com 12 degraus de extensão de um dos pontos de skate mais famosos do mundo, a Hollywood High School, em Los Angeles, no final do ano passado. Na quinta tentativa, Pamela conseguiu e entrou para a história como a primeira mulher a desbravar a assustadora escadaria. O clique desse momento foi captado pela Ana Paula Negrão e deu direito a uma página inteira da edição de Janeiro último da revista Tribo Skate.

É incrível como a Pamela encara todas estas conquistas com naturalidade. Talvez por causa da sua origem simples não queira ostentar vitórias nem armar-se em estrela. Às vezes é até difícil arrancar-lhe declarações comemorativas. Ela não faz o género egocêntrica, nem muito menos festiva. Curte a companhia da família, dos amigos mais próximos, e adora ouvir música. Passa as tardes a ouvir rap (durante a entrevista disse que gostava de meter "Da Ponte Pra Cá", do Racionais, como banda sonora da sua exibição nos X Games), Alcione e Turma do Pagode. O samba, aliás, é o tipo de som que mais curte. Tanto, que desfila todos os anos na Tom Maior, na bateria.

2016 começou a sair melhor do que a encomenda para a Pamela Rosa, que, ao longo da nossa conversa, não parava de falar sobre a vontade de ganhar os X Games na Noruega, visivelmente aflita com o período curto que teria para treinar depois de um mês de molho. Agora que partiu a loiça toda com uma performance veloz, fluída e agressiva, a ambição de chegar ainda mais longe só aumenta. "Vou dos X Games para a Street League, em Chicago, e depois, a Kimberley Diamond Cup, na África do Sul. A jornada está só ca começar".

Vai com o power todo, Pamela.