Rock n' Surf. Fora de palco os Youthless estão bem é na praia

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Rock n' Surf. Fora de palco os Youthless estão bem é na praia

Um é norte-americano, o outro é inglês. A banda - pelo menos geograficamente - é portuguesa. Fomos à Ericeira para apanhar umas ondas com o Alex e com o Sebastiano. Estava flat, mas a conversa rendeu.

As bandeiras pretas no porão de cada barco, em sinal de luta, o mar da Ericeira não suficientemente encapelado, mas na hipnose constante de um chamamento de partida. Um mundo em que se vive mais preocupado em pensar no futuro que aproveitar o presente, dois amigos que o acaso ajudou a juntar nos Youthless, mas que se complementam como o velho e o mar, surfando cada um a sua onda num equilíbrio perfeito.

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São o Seb e o Alex, os dois elementos que nos acolheram e em que o mais recente trabalho da banda - This Glorious No Age - foi apenas pretexto para mais e mais conversa. Não é assim entre amigos?

DO UNIVERSO HIGH ART AO PUNK-ROCK

Alex Klimovitsky cresceu envolvido numa espécie de "atmosfera hippie-arty".

A palavra a Alex. "O meu pai é director artístico num teatro, também é escritor, já fez alguns papéis para filmes, mas trabalha sobretudo no teatro. Nos anos 60, ele e a mulher viajaram pelos Estados Unidos, primeiro em São Francisco com uns grupos seminais de forma a procurar inspiração noutros grupos… também viajaram pela Europa, juntamente com o Philip Glass e a JoAnne Akalaitis, a sua mulher à época, para encenar Brecht em França.

Mais tarde andaram pela Índia, Turquia, Marrocos, mudaram-se para o Canadá por dois anos e depois Nova Iorque, onde começaram com companhias de teatro _avant-gardeem que_ o Philip Glass compunha a música, com os meus pais e a JoAnne Akalaitis na direcção de actores. Foi neste ambiente que cresci, com os filhos do Philip, também com os meus cinco meio irmãos… todos eles participaram no grupo de teatro. Uma espécie de atmosfera hippie-arty.

Na infância sentia-me um pouco afastado deste meio, mas gradualmente fui-me aproximando. Naquele tempo preferia muito mais a cena rock. Uma espécie de Fuck High Art, Long Live to Rock n' Roll. Quando era miúdo, não sei se por influência desse meio, mas escrevia muito e na música era exatamente o oposto do meio em que cresci. Era mais punk, hardcore, rock. A influência da minha mãe foi muito vincada. Ela é descendente de russos e, talvez por isso, pôs-me logo a tocar violino aos três anos.

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Com ela ouvia só os clássicos, ou os neoclássicos, uma vez que crescemos a ouvir o Philip Glass a tocar, o Steve Reich e depois clássicos, clássicos, clássicos, clássicos. Através do meu pai, que vem dos anos 60/70, aprendi a gostar de jazz, soul, motown e o meu irmão levou-me para o funk, hip-hop, o que se ouvia muito nos anos 80 em Nova Iorque; um universo que ia desde De La Soul, Public Enemy, A Tribe Called Quest, até às bandas punk que passavam pelo CBGB. Com o passar dos anos vi que essas influências entravam cada vez mais no meu trabalho, razão pela qual o primeiro EP dos Youthless, se tornou tão conceptual".

A PROCURA DO PAI

O vocalista dos Youthless vive entre os Estados Unidos e a Europa.

Alex continua. "Nesse primeiro trabalho, as letras eram o reflexo da procura do meu pai. Dentro do movimento artístico em que se inseria, meio hippie meio nómada, ele teve a oportunidade de viver em países como a Índia, a ilha de Bali, China, Brasil. Em certa medida isso também aconteceu e acontece comigo, metade do tempo nos Estados Unidos, outra metade na Europa.

Foi uma coisa muito baseada na Odisseia de Homero, ou seja, enquanto há esta procura do meu pai tem início um processo de descoberta. Identifiquei-me muito com isto e durante a preparação desse primeiro disco reli o livro. Senti-o, em parte, como uma metáfora - a minha entrada na música, a procura do meu pai, conversar com o meu pai através da arte. É a história de um miúdo, da respectiva viagem, da busca e de como este se converte no mesmo animal".

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YOUTHLESS - DEMASIADO VELHOS, DEMASIADO CEDO

Portugal juntou-os.

"Eu e o Seb [Sebastiano Ferranti] começámos a tocar aos 14 anos. Encontrámo-nos em Portugal e nessa altura ouvíamos Pixies, Sonic Youth. Foi o Seb que realmente me empurrou para este universo. Quando nos juntámos para formar os Youthless já era uma nova fase. Representa uma negação não assumida do nosso tempo de juventude, tipo já sou demasiado velho para o punk, demasiado velho para o stage diving, demasiado velho para ouvir um determinado tipo de música.

Mesmo que não corresponda exactamente à verdade, pois quando recentemente dei cabo das costas foi por estar a fazer stage diving. Estávamos sempre a passar esta imagem de "demasiado velhos para", até que os nossos amigos viraram-se e disseram: "Vocês deviam chamar-se Youthless, ou qualquer coisa do género". Aquele que perdeu a condição de ser jovem.

UM ESPANHOL, UM AMERICANO, UM INGLÊS E OUTROS TANTOS PORTUGUESES

"A primeira tentativa mais a sério passava por tocar temas dos Black Sabath e cenas mais pesadas"

"Por essa altura, conhecemos um espanhol, o Guillermo, e tocámos em bandas mais pequenas. Começou por ser uma espécie de Operation Ivy,skaepunk, tudo misturado, depois passou para territórios mais ligados ao Lee Perry. Estas aventuras, chamemos assim, foram interrompidas por um tempo. O Seb teve de voltar a Inglaterra e eu para os Estados Unidos. Os Three and a Quarter já andavam meio parados e como estávamos sempre a ensaiar num estúdio em Alfama as coisas acabaram por acontecer de uma forma muito espontânea. Nunca me deixavam tocar bateria, até porque eu não sabia, mas via-os sempre a divertirem-se.

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A primeira tentativa mais a sério passava por tocar temas dos Black Sabath e cenas mais pesadas. Por acaso começou a soar bem e pensámos que poderíamos fazer com a bateria alguma coisa parecida com Lightning Bolt, mais improvisada, mais noise, mais 'arrgggghhha'. A partir daqui foi um passo bastante rápido, imediatamente começámos a escrever as músicas e o Seb começou cada vez mais a introduzir novas combinações entre os instrumentos. Fizemos uma demo com cinco temas que apresentei a um amigo e ele misturou. Entretanto, participei num taster da Red Bull Academy em Lisboa, em que estava o Henrique Amaro.

Aproveitei, falei com ele, ele curtiu bué e convidou-nos imediatamente para fazer um disco para a NOS Discos. Ao mesmo tempo, o baterista dos Primitive Reason ligou-nos e perguntou-nos o que andávamos a fazer, mais o Freddy Locks e o Pedro dos Batida, que se prontificou a mandar para a Enchufada. Foi tudo uma sucessão de acasos quase em simultâneo. Ou seja, de uma espécie de brincadeira em estúdio até estas propostas todas a surgirem tipo cascata".

ESCREVER NO MAR

"Na música é também um pouco como no surf, o Seb com uma linha de baixo e ambos a tentar surfar a espécie de onda que ele criou".

"As letras surgem sempre num contexto muito específico, como por exemplo a Good Hunters. A letra é sobre deixar uma namorada. Já tínhamos tudo gravado na altura, mas eu fui atrasando um pouco. Simplesmente parava, depois tentava, mas nada saía. No fundo, patinei ali um pouco. No dia da gravação fui ter com ela. Foi uma cena que me marcou. Foi uma despedida intensa – ela ficava em Nova Iorque eu de regresso a Portugal. Pelo caminho, no metro, tive sorte. O metro ficou entalado 15 minutos e aí saiu tudo. Esta música também é muito conceptual, como esse disco todo aliás, é sobre o grupo de neandertais que vão à caça. Chega um momento, o da separação, em que depois de termos percorrido um caminho juntos, cada um segue em diferentes direcções.

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Logo após o convite do Henrique Amaro, nós decidimos gravar em Londres com o Rory Attwell [Test Icicles,KASMs]. Na altura ele era muito pouco conhecido. Foi-nos aconselhado pelo baterista dos Primitive. Tivemos uma semana para fazer tudo, em vez de stressar íamos ensaiar, íamos surfar e dentro de água escrevia as letras. Estava a ler Joyce, a ouvir muito o Dark Side of the Moon, então interiorizei esta espécie de metáfora, a de Telemachus à procura do pai. Durante esta busca, todo um lado artístico apareceu. Por um lado, o meu pai e esta herança artística e, por outro lado, a cena bem punk do Seb, a sangrar ao vivo quando tocamos. E, neste aspecto, o Seb foi incrível, em vez de dizer, "não, isto é uma banda punk", teve a capacidade de ver o que representava para mim e encorajou-me".

Não sei se é por ambos gostarmos tanto de surf… o aspeto positivo de deixar vir a onda e aproveitá-la e não tanto a competição. Deixar vir o momento até ti. Na música é também um pouco isto, o Seb com uma linha de baixo e ambos a tentar surfar a espécie de onda que ele criou. Ou quando estávamos a gravar um tema em Inglaterra e os sobrinhos do Seb a importunar-nos com gritos e brincadeiras. Em vez de ver isso como um aborrecimento e mandá-los para o caralho de dois em dois segundos, convidámo-los para entrarem. Não só não tivemos que nos chatear mais, como as vozes deles aparecem na demo. De certa forma eles também influenciaram a história. O personagem que anda à procura do pai, que atravessa todo o Oceano, que salta o limite do horizonte e se encontra perante a ilha cheia de crianças. Acabou por ser muito natural incorporar as vozes delas".

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THIS GLOURIOUS NO AGE, OU COMO O MUNDO ANDA TODO FODIDO

"Há muito a ideia de que as coisas que nós vamos construindo, inevitavelmente nos vão moldando".

"A preocupação do último álbum tem muito mais a ver com as questões gerais. É muito diferente do primeiro, na medida em que aborda temas muito mais gerais. As questões relacionadas com o capitalismo, as razões de estarmos como estamos. Andei a ler o Guy Debord e os situacionistas, o Marshall Mcluhan, as questões da tecnologia e esta como extensão do homem, como nos encaixamos no meio disto. Desde o início sabíamos do que queríamos falar, a estrutura era objectiva.

Mas, ao iniciar este novo trabalho aleijo-me nas costas. A ideia que tinha da transição entre um velho Mundo para um novo Mundo, do analógico, para o digital, das ideias e preocupações e questões que tudo isto colocava, misturou-se com outras coisas muito reais, nomeadamente o problema das costas, uma "interrupção" dos Youthless e a partida para Nova Iorque. Houve um corte, um corte grande. De repente tudo se encaixava, não no bom sentido, mas encaixava. Depois, encontrei novamente o mecanismo. Não me ponho num palco a dizer 'isto aconteceu na minha vida', mas, se tenho a capacidade de transportar isso para um contexto mais vasto, também se torna mais fácil dizer adeus ao que deixo, compreender as incertezas de abraçar o novo sem tantas reticências. Há muito a ideia de que as coisas que nós vamos construindo, inevitavelmente nos vão moldando.

A minha ligação ao teatro talvez tenha ajudado. Quando queres encenar um Genet, Shakespeare, ou outro, tentas procurar o 'mensageiro' ideal que seja capaz de transmitir as tuas ideias. Alguém que, de certa forma, fale por ti. Foi a partir daqui que comecei a escrever de uma maneira muito diferente. Não tão directa e penso que também não tão redutora.

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As músicas encaixam muito na história que tentámos conceber. Por exemplo, quando há uma luta entre os dois mundos – o tradicional e o novo e quando este novo mundo, digamos assim, não se encaixa na estrutura centralizada, dá-se um choque; daí alguns temas serem mais noise. Representa essa fricção. Também o aumento desta tensão a que se assiste globalmente. É uma história que conta as fases e tensões desta transição. É um futuro apocalíptico ou esperançoso? Como o devemos encarar? É uma época importante, mas parece que, ao mesmo tempo, não existe, tal a nossa obsessão pelo futuro. Mas o que é que temos neste momento? A relação entre o caos e uma estrutura que se tornou obsoleta. É isto, misturado com histórias mais pessoais".

OS YOUTHLESS E A SUA TRUPE

Na viagem de Alex e Sebastiano cabe muita gente.

"Quando convidámos o Shela [LAmA/Riding Panico], o Francisco Ferreira [Capitão Fausto] procurámos sobretudo a pessoa, não o músico. O Shela sempre tocou connosco, mesmo quando o fato de abelha não lhe serve [risos], procuramos que eles tragam muito deles para o nosso som. Nem sempre o 'ao vivo' e o disco são a mesma coisa. O Duarte Ornelas só colaborou no disco por exemplo.

O Shela e o Francisco, não sendo animais de palco, encaixam perfeitamente. Não é um nós mais eles, é mesmo um nós. Cada um tem o seu som, uma linguagem, uma atitude e nós somos uma espécie de selecionadores – é esta linha do Xico, esta do Shela e aqui um toque do Duarte. Misturamos uma vez somente um, outra vezes os três".

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ON THE ROAD, SEMPRE

"Já chegámos a dormir no tejadilho de uma carrinha no meio do deserto".

Agora é Seb a conduzir a conversa. "Já andamos há um tempo na estrada é verdade. Como Three and a Quarter e como Youthless. Já chegámos a dormir no tejadilho de uma carrinha no meio do deserto nos Estados Unidos porque eu tinha medo de cobras, já dormimos em pátios de casas de strippers, em Manchester. Nessa cidade parece que nos acontece de tudo. Uma vez chegámos a tocar no mesmo festival que os Manic Street Preachers e no backstage o vocalista deles enganou-se na mala e levou uma do Alex.

Passou a noite sem passaporte, sem roupa, sem dinheiro. De outra vez deixámos o carro estacionado por 15 minutos, só que, entretanto, passaram-se duas horas e a polícia levou-o. Nessa mesma noite íamos ter concerto em Leeds, pelo que não havia outra solução se não pagar. Quando voltámos a Londres, não tínhamos mesmo dinheiro nenhum e estávamos com um dia livre. O meu irmão conseguiu-nos um trabalho a carregar pedras, estilo Obelix. Ou seja o único dia livre que tivemos em toda uma digressão, foi passado a trabalhar. Mas, claro, depois quando nos lembramos que já bebemos jolas com pessoal dos Sublime, At the Drive-In…".

A ERICEIRA COMO REFÚGIO

Paixão comum: o mar da Ericeira.

Alex, de novo. "Desde que deixei o meu apartamento em Alfama tornei-me uma espécie de nómada. Senti que era o momento de estar afastado do Mundo e, ao mesmo tempo, mais junto daqueles que me são mais próximos como é o caso do Seb e de outros amigos. Permite-me também ter mais tempo para escrever, andar pela praia, às vezes só ver o mar. O Seb é muito mas enraizado, é muito tranquilo.

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O Jung fala de um tipo de personalidade cujas pessoassão como uma espécie de pássaros, que se escapam. O Seb é precisamente o contrário, é terra, faz as cenas mais lentamente, é mais calmo. Trabalhar com ele também é muito bom, porque damos muito espaço um ao outro, para escrever, para burilar estas merdas. Musicalmente também é muito aberto. Para bandas como Dream Theater, ou para o David Bowie fazer uma cena conceptual não faz diferença, talvez para uns gajos tipo The Oh Sees não seja exactamente assim, mas o Seb está-se simplesmente a cagar para isso. Isso também permite que tenha muito espaço para as experiências dele. Cimentámos uma linguagem, mas cada um também abre para o seu lado".

Seb conclui. "O Alex está mais ligado às artes e vídeo, coisas em que eu não penso tanto. Ele tem a parte intelectual que não me interessa tanto, mas que faz falta quando trabalhamos juntos. O Alex como compositor tem imenso jeito para arranjos, melodias e volumes das coisas e tem uma perspectiva diferente da minha, é muito cuidadoso com certos detalhes. Tem uma visão mais literária, talvez, e eu não tenho tanta paciência, ou jeito. Também é exímio no que faz, pode ser a surfar, ou a voar em macacos. É também um grande guitarrista e é um bom frontman para qualquer banda".

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