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Tecnologia

Papers, Please o Melhor Thriller Documental Distópico de 2013

No jogo, sua missão é trabalhar como fiscal de imigração na fronteira da gloriosa nação comunista de Arstotzka.

Parabéns.

• A loteria de trabalho de outubro terminou.

• Seu nome foi escolhido.

• Para colocação imediata, reporte-se para o Ministério de Admissão no posto da fronteira Grestin.

• Um apartamento será oferecido para você e sua família na zona leste de Grestin. Espere por um alojamento classe 8.

• Glória para Arstotzka.

É assim que você, um anônimo cidadão da gloriosa nação comunista de Arstotzka, começa sua missão de trabalhar como fiscal de imigração na fronteira de seu país natal com a nação vizinha de Kolechia, país com o qual Arstotzka esteve em guerra durante seis anos até agora. Imediatamente após ser designado para o posto de fiscal, sua aventura burocrática começa. A cada dia, você atende imigrantes, traficantes, prostitutas, contrabandistas, pessoas de sexo duvidoso, etc. Seu papel é verificar todos os documentos em busca de discrepâncias entre o entrevistado e os dados impressos; o jogo basicamente se resume a isso, mas tem algo a mais por aqui.

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O mapa dessa região paradisíaca, semeada de conflitos e infestada de regimes totalitários e imigrantes feios.

Pelos imigrantes que passam por seu guichê, você é capaz de ter alguma noção da situação política instável dessa gostosa região do planeta. Pessoas atrás de trabalho, famílias despedaçadas pela guerra tentando se reencontrar, terroristas, sabotadores revolucionários… e você atrás do vidro que o separa dos entrevistados pode desempenhar um papel importante ou insignificante na história de seu orgulhoso país, mas, dificilmente, você terminará o dia se sentindo um herói.

Um respeitável cidadão de Kolechia tentando contrabandear algum tipo de bagulho.

De dentro de seu magnífico guichê, o trabalho bem feito será recompensado com um mísero salário. Os erros cometidos ao liberar alguém com a documentação falsa, por exemplo, serão penalizados financeiramente, o que pode levar você a ter que tomar a deliciosa decisão de escolher onde gastar seu pobre dinheirinho. Você pode, por exemplo, deixar de pagar pelo aquecimento ou comida um dia, o que pode fazer seu filho ficar doente, tendo que gastar mais dinheiro no dia seguinte comprando remédios para que o pimpolho não morra de doença e inanição. Nenhuma decisão que você toma no jogo faz você se sentir especial, ou mesmo correto, são apenas tristes e duras decisões de sobrevivência num mundo feio e triste. E é isso que torna o jogo único, dos vinte finais diferentes para o jogo, nenhum deles é necessariamente feliz, isso quando não é abertamente trágico com você mandado para o paredão e a sua família para o xilindró, inclusive se você não conseguir ser um profissional razoável, e se pela falta de grana sua pobre família morrer de fome, você é demitido, amigão, por ser um péssimo exemplo de homem de família da maravilhosa nação de Arstotzka.

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O desenho que seu filho faz de você como um herói nacional e a foto de sua família.

Vale notar que o jogo não é fácil. Para se dar bem nele, você vai ter que prestar atenção a inúmeros detalhes em toda a papelada que os malditos imigrantes te mostram, lembrando que as regras mudam diariamente. Se, por exemplo, ocorrer um atentado terrorista em um dia, os cidadãos da mesma nacionalidade dos terroristas podem ser proibidos de entrar em Arstotzka no dia seguinte. Algum documento pode ser pedido no dia, como visto de de trabalho; podem tentar te subornar; podem explodir seu guichê num atentado; podem estar com o peso diferente do documento de identidade por estarem levando muamba para o seu honrado país e tudo isso deve ser verificado com rapidez e eficiência, pois cada dia de trabalho tem um timer que, ao acabar já era, você precisa voltar para sua família suja, doente e faminta. Ou seja, vai ser exigido de você, jogador, maior atenção e rapidez do que você geralmente dá para seu trabalho de verdade.

Que gostoso é ir para o paredão enquanto sua família é mandada de volta para o lixo de vilarejo fedorento de onde vocês saíram.

Às vezes, como em qualquer outra mídia, aparece um jogo que faz você se perguntar o que caralhos está acontecendo. A grande maioria dos jogos trabalha com incentivos positivos e negativos que educam o jogador, como um treinador borrifando água na cara de um labrador mal-educado ou dando um biscoitinho quando ele faz algo certo. Desde os rudimentares pontos e tabelas de High Score ou os mais atuais incentivos de níveis, dinheiro virtual ou chapéus ridículos para você esfregar na cara dos seus oponentes como você manda bem nesse ambiente virtual hedonista. Papers, Please? Não. Nesse jogo, o único incentivo positivo é que se você fizer tudo direitinho, em vez de te darem uma facada no estômago, você só vai receber um soco no baço e, mesmo assim, você não tem claramente um final bom e um final ruim, tem só maneiras diferentes e duvidosas de sobreviver nesse mundo horroroso. Não que o jogo não tenha seus momentos mais leves e divertidos, como imigrantes tentando dar o golpe do: “HAHAHA oOooOOOopss, esqueci meu passaporte na outra calça, tem como liberar aí na humildade?”, ou, mais para frente, no desenho que seu filhinho faz de um verdadeiro herói Arstotzkiano imaginado por um moleque de seis anos, ou a foto de sua família que você pendura na parede do seu guichê. Mas depois desses toques de leveza e ternura, o jogo pune, porque um fiscal pode demitir você por decorar o ambiente de trabalho com material não autorizado. Ou você se fode ou você toma no cu, simples assim.

Glória para Arstotzka…

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca