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Rettsound - Reality 86’d

Reality 86'd é o lendário e até recentemente inédito filme da carreira de Dave com que fez muitos nerds do punk ficassem jorrando de entusiasmo.

Você provavelmente conhece o Dave Markey, um cineasta loucão do sul da Califórnia, pelos filmes porrada de pura trasheira adolescente como Desperate Teenage Lovedolls e Lovedolls Superstar, ou talvez pelo seu documentário não aprovado pela Courtney, 1991, The Year Punk Broke. Ele também fez clipes para o Mudhoney, Sonic Youth, Meat Puppets e muitos outros. O Reality 86’d é o lendário e até recentemente inédito filme da carreira de Dave com que fez muitos nerds do punk ficassem jorrando de entusiasmo.

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Na época, o Markey estava tocando no Painted Willie, a banda que abriu a última turnê do Black Flag. Feito nos primeiros seis meses de 1986, muitos pensaram que o documentário seria algo tipo um Cálice Sagrado, o espectro carregado de LSD e maconha dos últimos dias da mais pioneira banda norte-americana de punk de todos os tempos. Infelizmente, o lançamento do filme no começo dos anos 90 foi massacrado pelo guitarrista do Black Flag, Greg Ginn, por razões desconhecidas. Talvez ele tenha ficado chateado com o fato de o filme mostrar que ele usava calça de moletom em público e também nos shows. Talvez ele tenha ficado envergonhado com a cena na qual ele divide uma ponta com o roadie do Flag, Davo Classen, e consegue segurar a sua brisa como se fosse um garotinho de 15 anos de idade. Seja lá a razão, além de uns clipes que vazaram no YouTube, o filme foi arquivado por mais de duas décadas.

Então, há umas semanas, o Markey simplesmente jogou o Reality 86’d na internet para todos os nerds se deleitarem. Fiquei um pouco confuso com o motivo de ele simplesmente decidir jogar o filme ali depois de tanto tempo, então decidi entrar em contato com o cara e finalmente descobrir.

Vice: Por que você decidiu lançar o filme agora, depois de tantos anos?
Dave: Literalmente ficou guardado no meu armário por 20 anos. Fiquei segurando, mas todo tinha uma cópia também. Já recebi pelo menos mil e-mails nas últimas décadas de pessoas de todo o mundo me implorando por uma cópia. Recentemente fui inspirado por um artigo sobre baixar arquivos na internet, escrito pelo Henry Rollins no LA Weekly, quando ele pede uma solução do Greg Ginn pela falta de pagamento de royalties, e o fato de que tudo está na internet hoje em dia de graça.

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Alguém além do Greg Ginn tem problemas com o fato de o filme agora estar disponível?
Liguei para todo mundo que ainda tinha contato desde que filmei a turnê e os informei que planejava subí-lo na internet, e ninguém teve problemas. O Chuck Dukowski foi até especialmente encorajador. O Henry sempre falou que era triste que as pessoas nunca terem visto isso. Em certo momento o Rollins queria lançá-lo. Não sei quais são os problemas do Greg Ginn com isso. Talvez sejam os mesmos problemas que ele tinha na banda, que começaram no seu primeiro dia com eles. Você teria que entrevistar o Greg Ginn, mas boa sorte em tentar conseguir alguma coisa dele. Tenho minhas teorias, e todas têm a ver com o lado negro da indústria fonográfica e o ego.

Então o Greg Ginn viu o filme?
A primeira coisa que fiz quando finalizei o filme, no começo de 1991, foi oferecer a distribuição para o Ginn, sabendo muito bem que eu não seria pago pela SST Records. Apenas queria lançá-lo. Fui até seu escritório em Long Beach, sentei com ele e assistimos ao filme inteiro juntos. E depois fizemos um som por umas horas! Essa foi a última vez que falei com ele. Ele disse que precisava de uns dias pra pensar. Depois ele me ligou e disse: “Não rola você lançar esse filme. Se você o fizer, vou ter que te impedir”. Igual a um Tony Soprano de merda! Foi dito, o que é errado, que ele saiu do filme no meio de sua primeira exibição em 1991 no Cinema Café em Hollywood. Isso não é verdade, ele não estava naquela sessão.

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Havia alguém na turnê que não concordava em ser filmado?
Bem, já que eu fazia parte da turnê, ninguém rejeitava muito a ideia. Ficou meio estranho às vezes, porque ter uma câmera me permitiu cortar as partes de trabalho mais intensas dessa turnê. Sabe, as bandas também são a equipe de apoio, e tínhamos que carregar e descarregar, além de montar, todo aquele equipamento todas as noites, noite após noite, por seis meses. Mas acabamos nos divertindo sempre que podíamos e viramos camaradas. O Henry pegou pesado comigo e com a minha banda – assim como ele fez com a maioria das bandas que abriam pra eles – mas mesmo assim ele usou a camiseta da minha banda por meses a fio. Foi uma viagem estranha.

Você deixou algo de fora do filme por respeito aos outros?
Faz tanto tempo desde quando editei isso e vi o material bruto que honestamente não me lembro. Não acho que filmei algo que pudesse entrar em questão, além de umas pessoas fumando maconha. A cena com o Joe Cole na cova ainda me atormenta por causa de sua morte cinco anos depois dessa turnê. O Joe era um grande amigo.

Há alguma chance do filme ter um lançamento comercial?
Até onde sei, o filme já foi lançado, apesar de ser apenas para a exibição no momento. Imagino que seria necessário alguém ter uma iluminação e decidir lançar isso comercialmente. Mas não vejo isso acontecendo.

Uma coisa que me marcou no filme foi como ele é primitivamente psicodélico.
Tem realmente um visual estranho, não é? Talvez tenha sido uma extensão da energia psíquica das 13 pessoas nessa turnê. Ou talvez tenha sido a telecinagem barata feita da película super 8. Me lembro de tomar ácido regularmente só para ficar acordado e dirigir até a próxima cidade. De certa forma você poderia dizer que essa é uma versão niilista da turnê Further do Ken Kesey.

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As cenas das montanhas no filme parecem especialmente fodidas. Onde era aquilo? No Colorado?
Era no topo das Rochosas. A maioria de nós tentava usar os dias de folga da turnê saindo e aproveitando a natureza. Mesmo que isso significasse cantar músicas do John Denver no processo. Tem uma cena com o Davo pulando de pico em pico. Se ele caísse errado, ele teria morrido em uma queda terrível.

Onde está o Davo hoje em dia?
Aparentemente em Tempe, no Arizona, gerenciando uma empresa de serviço de limpeza de piscinas. Não falo com ele há uma década depois do seu auto-exílio. Sinto saudades dele.

Vi essa turnê quanto tinha 13 anos. Morava em Trenton, Nova Jersey, e vi shows no City Gardens. Sempre pensei que aquele pico era uma merda, e então eu assisti ao filme ontem a noite e pensei: “Aquele lugar era uma palácio comparado a essas outras merdas! Eles provavelmente curtiam pra caralho tocar lá!” Sei que o Black Flag já era veterano nesse tipo de coisa, mas como você se sentiu na época em tocar em lugares onde a marquise estava sob propaganda de costelas e shows de nudez?
Foi surreal participar dessa turnê e da SST, por isso o título do filme. Foi uma honra e um prazer estar ali todos os dias, não importando a merda de lugar onde estávamos tocando. Pra mim, que cresci em LA e idolatrava o Black Flag desde 1980, foi mais que um sonho sendo realizado. Quer dizer, se me dissessem em 1981 que eventualmente eu cairia na estrada com o Black Flag por seis meses, não teria acreditado. Se não tivesse esse documentário, talvez ficaria me perguntando se tudo realmente aconteceu.

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Uma coisa que me lembro do show do Black Flag/Gone/Painted Willie é de muitos caras de moicano não curtindo o Gone andando com camisetas do Grateful Dead. Isso causou problemas em alguns shows na turnê?
Acho que em 86 a maioria dos fãs estavam acostumados ao processo de eliminação do Black Flag. Foi um pouco mais intenso nos anos antes dessa turnê. A resposta da cena hardcore começou no mesmo segundo em que o Henry decidiu deixar crescer o cabelo em, o quê, 1982? Grande parte do meio período e os últimos trabalhos do Black Flag foram uma resposta a isso, tipo o lado B do My War. Mesmo assim, não acho que grande parte daquilo tenha envelhecido bem, e pra mim o material do começo é o melhor do Black Flag. Então talvez os punks tinham razão! Para mim, o “punk” nunca foi uma série de regras ou um lance de moda, como foi para muitos. Claro que o próprio Black Flag aprendia com outras bandas também, seja o Flipper ou o Redd Kross, ou o The Dead. A verdadeira anarquia estava na música.

Onde acha que esse filme se encaixa na história da música underground e/ou punk rock? Que tipo de afirmação acha que faz sobre a música naquele momento em particular na história?
Não sei, isso é para ser descoberto pelas outras pessoas. Eu mesmo tive momentos difíceis em fazê-lo. Certas partes são embaraçosas, mas tenho que continuar e perceber que isso é história. Ninguém pode negar isso. Dá pra ver como essa música influenciou Seattle e a tal da cena “grunge” uns anos depois. Foi o farol para toda aquela cena. Não acho que ninguém discorde disso.

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Estilisticamente, onde esse filme se encaixa em sua carreira como cineasta?
Bem, isso representa uma certa mudança pra mim. Novamente, não sei exatamente o quê. Mas me mudou, pelo menos naqueles seis meses em 1986. Não acho que esse filme se compara a qualquer outra coisa que fiz.

Tem uma cena no filme na qual alguém está saindo de uma casa com um case. Todos parecem estar felizes em ver o cara e o cumprimentam antes de entrar na van. Quem é ele e o que tinha naquele case?
É o Mitch Bury, que era o produtor de estrada, e aquela era a casa de seus pais em Adams, Massachusetts. O case normalmente continha o itinerário e o dinheiro da turnê.

A razão pela qual perguntei é que li em algum lugar que o Ginn sempre fazia turnê com um case lotado de maconha. Estava apenas imaginando se esse era o case em questão. Vai, você pode contar pra gente!
Bom, não me lembro do Mitch curtir puxar um fumo, e nunca vi maconha ser guardada ali. Talvez o Ginn realmente tivesse um case assim, mas não me lembro de vê-lo. Era pra isso que as vans de equipamento serviam.

"Reality 86'd" A film by David Markey from David Markey on Vimeo.

TEXTO POR TONY RETTMAN VICE US
TRADUÇÃO POR EQUIPE VICE BR