FYI.

This story is over 5 years old.

Games

A E3 2017 teve um monte de homem chorando e isso é ótimo

A maior feira de games do mundo é sempre um momento emocionante pros desenvolvedores.

Esta matéria foi originalmente publicada no Waypoint.

A E3 é um momento feito para gerar hype pros jogos e tudo mais que é promovido na feira, e por conta disso, é um momento emocionante. Os jogadores investem uma enorme carga emocional nos games que estavam esperando e também naqueles que serão lançados no futuro. Os desenvolvedores passaram semanas e meses preparando demonstrações, vídeos e partes jogáveis dos seus projetos para mostrar para jornalistas, críticos, influenciadores e o público em geral com a esperança de que um pouco daquele hype seja direcionado ao seu trabalho. Mesmo no conforto de casa, onde passei a semana cobrindo a E3 de várias maneiras, tudo parece intenso e extasiante.

Publicidade

Leia mais: Ubisoft chega cheia de surpresas na E3 2017

Então, não me surpreende que o desenvolvedor Davide Soliani tenha chorado quando a câmera o mostrou na plateia da conferência da Ubisoft. Afinal de contas, Shigeru Miyamoto, o pai de incontáveis séries da Nintendo e um dos desenvolvedores mais importantes e influentes de todos os tempos, estava elogiando o seu trabalho. Foi um momento que deixaria qualquer um de nós com a guarda baixa: uma lenda vida estava falando sobre o trabalho incrível que Soliani fez e, em resposta, os olhos do desenvolvedor imediatamente ficaram marejados. Ele se levantou, acenou timidamente, e tentou não desabar completamente na frente de uma plateia lotada.

Foi um momento emocionante. As pessoas com quem eu estava falando durante a conferência ficaram tocadas com a situação, porque tudo isso fala sobre algo maior e mais profundo do que o próprio jogo. As publishers, os desenvolvedores de hardware e os apresentadores constantemente dizem que a E3 tem tudo a ver com jogos e com jogadores. São poucos os momentos quando você percebe que tudo isso tem a ver com humanos, com a criatividade humana e o gigantesco sacrifício físico e emocional que essa indústria exige dos humanos que a mantêm. E diante dessa situação, dentro dessa estrutura esmagadora, as pessoas choram.

Quando Martin Sahlin subiu aos palcos da E3 em 2015 para mostrar o então-desconhecido Unraveled, tanto eu quanto outros jornalistas o elogiaram nas redes. Esse cara não era o Phil Spencer. Não era um desses caras cheio de autoconfiança que conseguem mostrar o que querem e a sua mensagem através um mar de dúvidas de outros membros da indústria. Esse era um cara vulnerável e tímido, que subiu ao palco e comemorou com muito nervosismo. Ele até mesmo mostrou o boneco de pano que levava no bolso.

Publicidade

O fofíssimo 'Unraveled'. Imagem: Sony/Reprodução

O Homem do Boneco, como o chamamos depois, era infinitamente cativante.

Os vídeos institucionais e industriais, como aquele que foi mostrado no começo da apresentação da Bethesda nesse ano, não tem pessoas como o Homem do Boneco. Não tem ninguém tremendo de nervoso enquanto mostra para um público de milhões de pessoas em todo o mundo a recriação esquisita e fofinha do personagem do seu jogo. Não tem ninguém chorando por conta do peso psicológico esmagador daquele momento da sua vida. São pessoas controladas, e inspiradoras, e engraçadas. Elas abrem as portas de uma indústria e mostram como é trabalhar nela, com ela, e como continuar acreditando nela. Eles abrem as portas do desenvolvimento dentro de uma lógica pessoal e muito particular.

Mais um homem chorando nessa E3: Michel Ancel no fim da apresentação da Ubisoft. O trailer de Beyond Good and Evil 2 tinha acabado de ser revelado. Os rumores finalmente se tornaram realidade, a linda imaginação e estética dessa franquia finalmente estava de volta na praça. Eu imagino que essa tenha sido um momento profundamente catártico para ele. Depois de todo esse tempo, todo esse investimento, todos os elogios dos críticos sem o apoio de desenvolvimento, e lá estava ele sob muitos aplausos que diziam que as suas ideias e as do seu time eram boas. O mundo estava feliz com isso. E a sensação é esmagadora, e ele chorou.

É notável que eles estavam chorando e é notável que eles são homens. Por um breve instante, eu pensei em procurar sobre outros artigos sobre o que aconteceu. Vi uma foto desses homens chorando enquanto procurava os vídeos do evento. Eu não queria lidar com o campo-minado de pessoas dizendo como homens devem se portar, e tenho até medo de tentar lidar com esse discurso bruto. Mas é justamente por conta desse policiamento das fronteiras da emoção que o choro todo se tornou algo notável.

Publicidade

Leia mais: Sonic, o porco-espinho, quase foi um coelho

Homens a beira de um momento emotivo na presença de videogames. Se eu um dia escrever um livro de poesias, esse vai ser o título. Eles me lembram do policial Andy, no primeiro episódio de Twin Peaks, de David Lynch e Mark Frost. Ele está lá tentando fazer o seu trabalho, mas não consegue segurar as emoções. O peso emocional de simplesmente tentar fazer aquele trabalho está corroendo ele por dentro. O personagem chora, e chora, e chora.

Steven Spielberg uma vez disse que "o verdadeiro indicador [de que games são arte] será quando alguém disser que chorou na fase 17". Eu penso nisso quando vejo esses homens emotivos nas conferências da E3. As marcas da arte, ou o impacto dela, sempre parecem estar naqueles que a recebem. Quando as pessoas reconhecerem o Cidadão Kane dos games, finalmente chegamos lá. Quando as pessoas reconhecerem o Bob Dylan dos games, então a Bioware vai finalmente reinar em tudo.

Eu acredito que é muito mais comum as pessoas chorarem na mesa do trampo na fase 17, de noite, quando todo mundo só quer voltar para casa. As pessoas provavelmente choram sem ter ninguém olhando porque a sua grande ideia pra fase 17 nunca foi tirada do papel por conta de cortes no orçamento do seu game. A fase 17 foi feita por um estúdio contratado e depois todo mundo vai sumir do projeto. E eu pergunto se esses homens, essas pessoas em lugares importantes na indústria que é nutrida por uma enchente de emoções que os desenvolvedores passam a carreira toda tentando entender, acabam protegendo o resto dessas pessoas.

Eles são, por um momento, o fio-terra de todas as emoções, esperanças e sonhos na criação de um jogo. Eles são as realizações e também as falhas. Eles são o Investimento Emocional de Schrodinger, segurando emoções tóxicas e reverenciadas e odiadas e amadas e esmiuçadas em análises técnicas em vídeos na internet tudo de uma vez, sem diferenciação alguma. E eles tremem de nervoso, e embolam as emoções, e choram. E o público aplaude ainda mais.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.