Sonic, o porco-espinho, quase foi um coelho
Todas as imagens: Cook & Becker.

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Sonic, o porco-espinho, quase foi um coelho

Leia um trecho do novo livro da Cook & Becker que documenta todo o processo de criação do mascote icônico da SEGA.

Esta matéria foi originalmente publicada no Waypoint.

Em 1988, a SEGA lançou o Mega Drive no Japão (introduzido no mercado americano como Genesis no ano seguinte e também como Mega Drive na Europa, em 1990). Esse novo console doméstico poderoso deu a SEGA a tecnologia para superar seus competidores – o sucessor do NES, Super Nintendo Entertainment System (SNES), só seria lançado no Japão em 1990, e depois internacionalmente. O Mega Drive foi um dos primeiros consoles a incorporar uma unidade de microprocessamento de 16-bit, levando a uma performance técnica muito melhor comparada à dos consoles da geração anterior de 8-bit, incluindo o NES.

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Além de oferecer técnicas gráficas melhoradas, como o complexo sistema de "parallax", o Mega Drive também suportava sprites de imagens maiores e mais cores. Essas melhorias técnicas fariam maravilhas pelo design do jogo que se tornaria Sonic The Hedgehog. Sentindo que a Nintendo ainda levaria meses para lançar o SNES, o console concorrente de 16-bit, a SEGA tinha uma janela onde poderia converter seus avanços tecnológicos em vendas.

Uma competição interna de design pra criação de um novo mascote rendeu quase 200 novos personagens, em todos os departamentos dentro da SEGA Japão e SEGA EUA. Depois de um extenso processo de eliminação, um deles se destacou: um coelho com gravata borboleta e orelhas longas, desenhado por Naoto Ohshima, um artista de 26 anos que trabalhou em alguns jogos da SEGA no Japão.

Ohshima foi convidado para fazer parceria com um desenvolvedor dentro da empresa e para começar a pensar num jogo que pudesse apoiar o novo personagem. Ele abordou o programador Yuji Naka, de 25 anos na época, para trabalhar com ele. Naka, um amante de jogos de corrida e um dos codificadores mais talentosos de sua geração, propôs um jogo de side-scrolling com movimentos super-rápidos, um game em que o jogador pudesse experimentar algo tipo o que os pilotos de jatos sentiam quando quebravam a barreira do som.

Rascunhos e a arte original em pixel de 'Sonic the Hedgehog'.

Essa ideia surgiu da insatisfação de Naka com muitos dos jogos de plataforma lançados na época. Jogos em 8-bit raramente tinham um sistema para salvar a partida, o que acabava exigindo que os jogadores reiniciassem depois de várias tentativas fracassadas de chegar ao fim de um jogo. Como consequência, muita gente jogava as primeiras fases várias vezes seguidas, rapidamente se entediando com a repetição sem fim. Naka imaginou que se os jogadores mais habilidosos pudessem avançar mais rápido pelas primeiras fases, eles se desafiariam a terminá-las no menor tempo possível. Assim, as primeiras fases seriam divertidas de jogar de novo, mesmo se você já soubesse todos os movimentos exigidos.

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A nova dupla Ohshima e Naka propôs suas ideias pro conselho da SEGA. Eles impressionaram a chefia preparando materiais de marketing para sua apresentação – o personagem coelho até ganhou uma versão em pelúcia. Mas sua principal carta era sua visão para um jogo de velocidade: um jogo supersônico que faria milagres pela publicidade do poder de processamento do Mega Drive. As ideias de Naka eram apoiadas por um protótipo de um personagem que se movia rapidamente, rolando como uma bola por um longo tubo. Isso usava um algoritmo tecnologicamente avançado que permitia que o sprite do personagem acompanhasse suavemente uma trajetória em curva, diferenciando a demo de outros jogos cujos sprites se moviam com bem menos elegância.

Conceito de animação da logo de abertura de 'Sonic the Hedgehog'.

A dedicação de Naka à velocidade se apoiava num trabalho anterior em que ele fez a conversão do jogo de fliperama Daimakaimura, da Capcom – lançado como Ghouls 'n Ghosts no Ocidente – pro Mega Drive, onde sua equipe conseguiu acelerar a velocidade de avanço na tela. Naka sentia que podia melhorar ainda mais isso, fornecendo à SEGA uma tomada mais enérgica dos videogames que a destacaria da competição. A SEGA gostou de sua linha de pensamento, e pediu a Naka e Ohshima para desenvolverem mais o conceito, dando a eles uma quantidade generosa de tempo pro desenvolvimento e colocando Hirokazu Yasuhara para ajudá-los como game designer. A missão da nova equipe era clara: desenvolver um jogo de sucesso pra SEGA, visando aumentar as vendas do Mega Drive, e criar um mascote pra empresa no processo.

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A equipe começou os trabalhos, e logo topou com seu primeiro desafio de design quando o personagem de Ohshima foi usado com o código de Naka. "No começo, nosso personagem jogável era um coelho que derrotava os inimigos pegando e jogando objetos com as orelhas", lembra Naka. "Mas logo ficou claro que a velocidade do jogo não podia ser mantida com esse processo." Ter que pegar os objetos com as orelhas, mirar e atirar acabava com a impressão de velocidade, e dificultava uma jogabilidade mais suave. Isso também exigia que o jogador apertasse mais botões do que a equipe achava ideal: para ganhar uma experiência ótima de velocidade, as ações do personagem jogável deveriam ser mapeadas para um uso mínimo de botões.

A arte do adversário do Sonic, Dr. Eggman, conhecido por aqui como Robotnik.

Velocidade e um esquema de controle mais simples eram muito mais importantes que o personagem que a empresa usaria. A equipe sentiu que uma solução era possível, se eles pudessem encontrar um protagonista que pulasse enquanto acelerava, e de algum jeito causasse danos aos inimigos só com pulo. Depois de alguma deliberação, eles chegara a uma nova ideia: e se o personagem rolasse como uma bola depois de pular, destruindo os obstáculos como uma bola de boliche ou de pinball?

Um ataque assim tinha vantagens óbvias: não só mantinha a velocidade do jogo, mas também simplificava a animação do personagem, liberando poder de processamento. Como consequência, o coelho foi tirado da mesa, com bichinho de pelúcia e tudo. Explorando mais a nova direção, a equipe procurou animais que rolavam como uma bola para atacar ou se proteger. Eles chegaram a dois: o tatu e o porco-espinho. O primeiro logo foi descartado: os espinhos eram mais apropriados para o ataque que a proteção de couro do tatu.

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Primeiros conceitos das fases de 'Sonic the Hedgehog'.

Nesse momento, Ohshima procurou seus rascunhos e achou um feito a lápis do qual ele se lembrava. No papel tinha um desenho do "Mr. Harinezumi', ou "Sr. Rato-Espinho", um porco-espinho com pernas longas e sapatos pontudos, com espinhos semicirculares nas costas e cabeça. Até aquele ponto, esse rascunho eraa só uma das muitas ideias descartadas. Mas quando Naka e Yasuhara viram o desenho novamente, eles reconheceram que aquele era o design que eles estavam procurando. O porco-espinho tinha pernas longas, o que dava credibilidade pras corridas, e os espinhos sugeriam que ele podia formar uma bola antes mesmo do personagem rolar para se transformar de fato em uma.

O nome Mr. Harinezumi logo deu lugar a "Supersonic", numa referência à sua velocidade, e para "Sonic" um pouco depois – ainda mais que a palavra "Super" já estava estava sendo muito usada pelo competidor. A equipe começou a trabalhar na animação do novo personagem pro jogo, ajustando o rascunho original conforme o projeto avançava. Agora o porco-espinho tinha luvas brancas, no estilo Mickey Mouse, e sapatos de corrida vermelhos com meias brancas. Orelhas pontudas apareciam entre os espinhos, e as proporções entre cabeça e corpo foram re-imaginadas para se equilibrar nas pernas longas.

Conceito das fases de 'Sonic the Hedgehog 2'.

Esse processo não era um problema para Ohshima, que já estava acostumado a desenhar personagens de games por conta da sua experiência em Phantasy Star, de 1987, e sua continuação. Ainda assim, a transição de um rascunho a lápis, visto de frente, para um personagem totalmente animado e pixelado em 2D, visto de perfil, tinha seus desafios. Como os espinhos se comportariam quando o personagem estivesse correndo? Onde, exatamente, eles ficariam quando Sonic rolasse para virar uma bola? "Depois que Ohshima desenhou o Sonic, pedi [a SEGA] para fazer uma figura em argila baseada naquele design", lembra Naka. "Tendo esse Sonic tridimensional no desenvolvimento do jogo, o design dos espinhos estava fixo, e isso também ajudou quando o desenhamos em 2D no geral."

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Depois de definir a forma do Sonic, a cor entrava em questão. Ohshima trabalhou com um esquema de cores de pelos em azul-claro, sapatos vermelhos, luvas e meias brancas, e um tom de pele rosado na barriga e focinho do porco-espinho. No entanto, como muitas fases do jogo tinham um fundo azul – a primeira, por exemplo, Green Hill Zone, que tem muita água – o personagem estava se camuflando muito ao fundo. Então o porco-espinho ganhou um tom mais escuro, mais parecido com o logo da SEGA, ligando ainda mais o personagem à sua empresa-mãe.

O trecho acima foi tirado de Sonic the Hedgehog 25th Anniversary Art Book , publicado pela Cook & Becker. Mais informações aqui .

Aviso: Mike Diver, do Waypoint, o canal de videogames da VICE, editou algumas partes desse livro, mas não recebeu nenhuma porcentagem das vendas ou qualquer coisa assim. Ele simplesmente gosta muito dos jogos do Sonic.

Tradução: Marina Schnoor

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