O fotógrafo de Barack Obama fala sobre a vida na Casa Branca
Presidente Obama voltando para casa depois da festa de posse na Casa Branca em 2009. Todas as fotos cortesia de Pete Souza.

 

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Viagem

O fotógrafo de Barack Obama fala sobre a vida na Casa Branca

Falamos com Pete Souza sobre seu novo livro e sua relação pessoal e profissional com o ex-presidente norte-americano.
Dipo Faloyin
London, GB
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Entrevista originalmente publicada na VICE UK.

Jacob Philadelphia não sabia que seu presidente era negro até tocar no cabelo de Barack Obama. O garoto de quatro anos sabia, mas não sabia realmente. Seus amigos diziam que ele parecia com Obama — especialmente o cabelo, a textura, a cor e o corte — mas ele queria ter certeza.

Então, quando se viu no Salão Oval, a alguns passos do homem — com seus pais o incentivando a fazer a pergunta que ele tinha ensaiado tantas vezes — ele aproveitou a chance. “Quero saber se meu cabelo é igual ao seu”, disse Jacob. O homem mais poderoso do mundo sorriu antes de se curvar para que Jacob conseguísse tocar sua cabeça. “Por que você não toca e vê por si mesmo?”, Obama pediu ao garoto. Segundos depois, Jacob teve sua resposta — o único presidente que ele conheceu era como ele.

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O poder de Barack Obama sempre esteve na simples realidade de ele ser quem era. Só a visão do ex-presidente — tão inteligente, tão poderoso, tão negro — significava muito para muita gente. E por mais de uma década, Pete Souza foi o responsável por espalhar essa realidade para o resto do mundo.

Fotógrafo-chefe da Casa Branca de Obama, Souza ia onde o presidente fosse. Ele cobriu as incontáveis reuniões com seus conselheiros, e também estava ao lado do ex-presidente que treinava o time de basquete da filha. Ele fotografou a reação de Obama ao tiro do SEAL Team Six contra Osama bin Laden, e documentou incessantemente quando o cachorro da primeira-família viu neve pela primeira vez. Ele também estava lá para capturar o momento de Jacob Philadelphia — a única foto pendurada na Casa Branca de Obama pelos oito nos de sua presidência.

Em seu novo livro, Obama: An Intimate Portrait , Souza apresenta cerca de 3 mil de suas fotos favoritas das quase 2 milhões que tirou durante seu tempo na Casa Branca, onde foi de só outro membro da equipe para um amigo próximo da família. “Ter o Pete por perto mudou minha vida para melhor”, escreveu Obama no prefácio do livro. “Pete se tornou mais que um fotógrafo — se tornou um amigo, um confidente e um irmão.”

Falei com Souza sobre o livro, sua amizade com o ex-presidente, as alegrias de ser invisível na Casa Branca e ser famoso no Instagram.

Jacob Philadelphia toca o cabelo do presidente Obama.

VICE: Você é um dos responsáveis por contar a história visual do primeiro presidente negro dos EUA. Você sentia essa pressão?
Pete Souza: Acho que não. Eu sentia que isso era uma vantagem porque sempre soube que o que eu estava fazendo era importante. E eu me sentia confortável naquela posição. Para mim, pressão é ter balas voando pra todo lado numa zona de guerra enquanto você tenta capturar imagens. Acho que sinto mais daquela pressão agora do que quando estava na Casa Branca. As pessoas estão reagindo de maneira muito emotiva às fotos que posto no Instagram. E me sinto honrado por isso.

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Na verdade você é um famoso do Instagram agora.
É estranho. Fiz uma noite de autógrafos do livro na National Portrait Gallery em Londres e muita gente veio me dizer que adorava meu perfil. Nunca esperei tanta atenção quando o comecei. Meu único plano era comparar a atual administração com como meu antigo chefe comandava as coisas. Era só para a minha diversão mesmo. Mas tenho que admitir que gosto das legendas que crio — elas são divertidas, sutis e não estou desrespeitando ninguém.

“O presidente Obama, em 2010, sendo atualizado sobre a última ameaça terrorista. Essa foto foi tirada à noite na Sala de Ameaça — seu escritório em sua residência particular. A TV estava desligada e ele não estava tuitando nada nonsense.”

Obama senador em seu escritório em Capitol Hill, 2005.

Em 2005, a Chicago Tribune te pediu para cobrir o novo senador do Illinois. Você disse que levou só 24 horas para perceber que Obama poderia chegar lá. O que tinha de tão especial nele?
Como ele era confiante e estava confortável na própria pele, e era natural sob os holofotes. Pular para a cena nacional em Washington não parecia perturbá-lo nem um pouco. Para alguém que, até aquele ponto, não tinha recebido tanta atenção assim da mídia, era realmente incomum como ele estava relaxado comigo ali tirando fotos o dia todo. Nos meus 30 anos fotografando congressistas, senadores e presidentes, acho que nunca vi alguém com tão pouca experiência tão tranquilo com essa atenção.

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Como ele mudou nos últimos 12 anos?
Seu caráter não mudou, mas as exigências sobre ele sim, e você conseguia sentir o fardo do trabalho pesando sobre os ombros dele. Mas quando o vi algumas semanas atrás, ele não tinha mais esse peso — ele estava muito mais relaxado.

Barack e Michelle Obama indo para um dos muitos bailes de posse em 2009.

Você sempre achou fácil trabalhar com ele?
Foi ficando mais fácil com o tempo, enquanto ficávamos mais relaxados um com o outro a cada dia. Mais importante, ele sempre entendeu o valor e a importância de documentar sua presidência para a história, então sempre me respeitou e sempre respeitou o trabalho que eu estava fazendo.

A história original da maioria dos millennials que participaram da era Obama envolvia pouco mais do que se formar na faculdade e ser voluntário na campanha dele. Mas você já tinha trabalhado como fotógrafo da administração Reagan. O que aquela experiência te deu?
Quando comecei na Casa Branca de Obama, eu não me preocupava em estar cercado e trabalhando com homens e mulheres poderosos enquanto eles tomavam decisões importantes. Eles nunca me intimidaram porque eu sabia que pertencia àquele lugar, e sabia que estava fazendo algo importante. Não sei se eu seria tão confiante se não tivesse experiência.

Além disso, eu sabia exatamente como o trabalho precisava ser feito. Eu sabia que para criar o melhor arquivo de fotografias eu precisava ter acesso a tudo, e como já tinha estabelecido uma relação pessoal com o presidente Obama, pude pedir e ter acesso garantido a tudo.

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ASSISTA: O presidente Obama fala com a VICE News


Seu trabalho exigia que você estivesse extremamente presente, mas invisível entre o caos de uma presidência — tomando cuidado para nunca afetar a cena que você estava capturando. Quão difícil era essa parte?
Nem um pouco. Eu sabia qual era meu papel, que não era participar, mas observar com a minha câmera — um lugar em que fico inteiramente confortável. Na verdade, eu gostava de estar no meio do caos. Durante uma crise, eu sentia que estava realmente documentando a história. Sempre senti que minhas melhores fotografias vieram dessas situações, porque mostravam o presidente realmente tentando resolver um problema, e eu tinha que me curvar para ter certeza que estava capturando o que estava acontecendo do jeito certo.

Obama escreveu no livro que você tem a “capacidade de capturar o clima e o significado do momento”. Que conselho você daria para jovens fotógrafos documentais tentando capturar um contexto?
Isso é difícil de articular. Para mim, sempre foi uma boa noção do que realmente estava acontecendo. Eu sentia isso, aí esperava por aquele momento que melhor expressasse o clima e a atmosfera. Por exemplo, o dia em que o Congresso aprovou o Affordable Care Act, eu estava esperando pelo segundo que mostrasse a satisfação real de ele ter conseguido algo grande. É importante ser paciente porque uma foto pode facilmente mostrar a cena de maneira equivocada.

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Obama no Salão Oval brincando com a filha de uma assistente no Halloween, 2005.

Ele também disse que passou mais tempo com você do que qualquer outra pessoa fora de sua família. Então você teve uma boa ideia de como era o trabalho dele. Como você descreveria a rotina de um presidente?
O que vi mais que ninguém foram os diferentes compartimentos da vida dele, e o jeito como ele equilibrava ser o homem mais ocupado do planeta com sua função de marido e pai. Vi essa luta melhor que ninguém. Para mim, essa é a coisa mais especial de ser o fotógrafo da Casa Branca.

E era incrível como ele fazia isso. Muitas vezes, no meio de um dia estressante, ele via a filha Malia nos balanços do jardim, aí saía do escritório e passava dez minutos com ela, esquecendo completamente o que estava na mente dele e se dedicando totalmente a ela. Ele tinha essa capacidade. Ele me disse muitas vezes que não conseguia dormir muito à noite, mas que caía no sono de cara. E não sei como ele fazia isso, porque devia ter muita coisa passando na cabeça dele, mas ele tinha essa habilidade nata de se desligar.

O casal Obama dança ao som de Earth, Wind and Fire no Baile do Governador de 2010.

Há proximidade e honestidade reais nas suas fotos que, presumo, vieram da amizade de vocês. São mais que apenas fotos de Obama em ternos bem cortados, mostrando como ele era emocional no trabalho, e na intimidade com a família.
Meu foco era fazer fotos autênticas. Tradicionalmente, o trabalho envolve apenas mostrar o presidente no trabalho, mas eu queria ser diferente. E acho que é daí que vêm a honestidade e autenticidade. E aprecio muito que o presidente Obama diga que sempre consegui capturar o clima certo.

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Mas quando duas pessoas passam tanto tempo junto, num ambiente de alta pressão, as coisas podem dar muito errado. Como vocês conseguiram desenvolver esse relacionamento pessoal tão próximo?
Foram as muitas horas que passamos no espaço um do outro que, no final das contas, nos levaram a um ponto onde nos entendíamos melhor. E mesmo ele sendo mais jovem que eu, éramos mais ou menos da mesma geração, então tinha uma coisa única que compartilhávamos por causa disso. Podíamos falar sobre filmes ou programas de TV da nossa infância que a equipe mais jovem da Casa Branca nunca tinha ouvido falar.

Mais importante, acho que compartilhávamos os mesmos valores. As decisões que ele tomava para o país eram o tipo de decisão que eu queria que ele tomasse como cidadão. Acho que, como fotógrafo da Casa Branca, você tem que respeitar a pessoa que é presidente. Eu respeitava Ronald Reagan. Eu não concordava com todas as decisões dele, mas o respeitava. Essa é uma característica que acho que o fotógrafo da Casa Branca tem que ter.

Você trabalharia com Donald Trump?
Não.

Obama como treinador do time de basquete da filha Sasha em 2011.

Você descreveu seu trabalho como sendo difícil física, mental e emocionalmente. O dia em que bin Laden foi morto deve ter sido muito extenuante. Você pode descrever como foi estar naquela sala, e como você conseguiu fazer seu trabalho?
Eu sabia que algo estava acontecendo uma semana antes, mas não conhecia os detalhes. Eu sabia que algo ia acontecer no sábado ou no domingo seguinte, e sabia que era uma missão das forças especiais, porque eles reservam uma data extra em caso de mau tempo. No dia em si, só fiquei sabendo que eles estavam indo atrás de bin Laden quatro ou cinco horas antes.

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Lotamos uma sala de conferência pequena por uns 40 minutos para monitorar a situação. Havia um silêncio estranho o tempo todo porque as pessoas mais poderosas do governo estavam apenas assistindo e não podia influenciar o que estava acontecendo; tudo estava nas mãos dos caras da operação.

Tirei umas 100 fotos naquele momento, o que, pensando agora, não é tanto assim. Eu só estava tentando clicar os momentos certos, sem perturbar o que estava acontecendo. Felizmente, pela minha foto você consegue ver a tensão na sala. Ninguém sabia se bin Laden estava mesmo na casa, quanto mais qual seria o resultado da operação.

Monitorando a missão para capturar ou matar Osama bin Laden na Sala de Situação da Casa Branca, maio de 2011.

Qual sua foto favorita?
Não tenho uma, honestamente.

Então quais são seus momentos favoritos?
Bom, eu diria que fotografá-lo sendo pai. O dia daquela nevasca em Washington. É um dia que nunca vou esquecer. Com a Casa Branca ao fundo, consegui capturar momentos incríveis dele brincando com as filhas na neve, imagens de que tenho muito orgulho. Aquilo foi muito especial.

Como presidente, provavelmente estar na Sala da Situação quando eles pegaram bin Laden, mas também o dia em que o Congresso aprovou o Affordable Care Act. Foi incrível ver a satisfação no rosto dele com o resultado. Acho que ele chamaria aquele dia do melhor de sua presidência, e eu conseguia ver quão satisfeito ele estava por conseguir algo tão importante.

A família Obama brincando na área externa da Casa Branca durante uma nevasca em 2010.

Finalmente, quando alguém diz que a raça de Obama não importava, sempre penso na sua foto de Jacob Philadelphia. O que aquele momento te diz? E quantos momentos assim você testemunhou?
Exato. Acho que aquele momento disse “Aqui está um menino afro-americano de quatro anos, tocando a cabeça do presidente dos EUA que se parece com ele”. Foi isso que impactou tanta gente. Mas também diz algo sobre um presidente que, por uma criança, se curva e deixa esse garoto tocar sua cabeça.

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Quando eu estava trabalhando no livro e tentando decidir que imagem colocar na contracapa, postei quatro opções no Instagram para as pessoas votarem. E alguns dias depois, um menino afro-americano de oito anos veio correndo para mim e disse que ele e a mãe tinham visto as fotos que postei e votado. E quando perguntei em que foto ele tinha votado, ele simplesmente apontou para o próprio cabelo. Ele não disse nada, e nem precisava. E aquilo aqueceu meu coração. Ali eu tinha um menino que se identificava com Jacob, e senti o orgulho que ele tinha por ter um presidente que se parecia com ele. Vi muitos momentos assim, e me sinto muito honrado por capturá-los.

Obama: An Intimate Portrait saiu pela Penguin Books.

Mais fotos abaixo:

Clark Reynolds, de três anos, conhecendo Obama.

Ouvindo Thelma “Maxine” Pippen McNair no Salão Oval em 2013. A filha de Thelma, Denis, foi uma das quatro garotas mortas num ataque racista à Igreja Batista Sixteenth Street no Alabama em 1963.

Conhecendo o Príncipe George no Palácio de Kensington em 2016.

Trabalhando na sua escrivaninha, outubro de 2016.

Obama discursando em Acra, Gana, em 2009.

@DipoFaloyin

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