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Μodă

Vestindo o Papel

Uma conversa com Bonnie Monte, diretor artístico da companhia Shakespeare Theater de Nova Jersey.

Uma conversa com Bonnie Monte, diretor artístico da companhia Shakespeare Theater de Nova Jersey, sobre as roupas que Michael Kenneth Williams vestiu para o ensaio de Terry Richardson.

Vice: Olá Bonnie. Você pode contar um pouco sobre aShakespeare Theater?
Bonnie Monte: É uma companhia antiga. Tem 48 anos, dos quais 20 eu dirijo. Somos, atualmente, a sexta ou sétima maior companhia de Shakespeare nos Estados Unidos, e fazemos cerca de seis a oito grandes produções por ano, balanceando entre clássicos de Shakespeare e outros. Temos também doze programas educacionais que funcionam durante todo o ano.

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Existe um espaço interior e outro exterior, certo?
Sim, temos um anfiteatro ao estilo grego que usamos durante o verão.

Legal. Você se lembra do que o levou a virar um soldado combatendo em nome de Shakespeare?
Eu adorava Shakespeare quando criança, mas na escola não tive bons professores sobre ele, por isso, não ia seguir esse caminho. Estava mais interessado no teatro clássico americano, nos gregos, no Chekhov… Mas de uma forma estranha, o Shakespeare me chamou. Tive que lidar com ele porque, de repente, estava dirigindo um teatro de Shakespeare.

Que fortuito.
Fui convertido rapidamente. Hoje já não consigo imaginar minha vida sem as peças dele. Depois de 20 anos trabalhando aqui, sinto como se o conhecesse.

Obrigado, Bonnie. Agora, vamos ouvir o que você tem a dizer sobre os looks shakesperianos de Michael Kenneth Williams…

CALIBAN
“Adoro o Caliban. Grande personagem. Acho que ele tem uma das falas mais bonitas já escritas, aquela ‘não tenhas medo; a ilha está cheia de ruídos’. É ótima, porque temos aqui um monstro grotesco, mas, mesmo assim, as palavras mais bonitas de toda a peça saem da sua boca, quando ele fala sobre sonhar e querer continuar no seu sonho. Considero Caliban uma personagem muito mais difícil de interpretar do que as pessoas acham.”

HAMLET
“Este figurino funciona muito bem com Hamlet, porque é na Dinamarca, está frio e eles tem que usar peles! Acabei de fazer uma produção de Hamlet, e as peles tiveram uma grande importância, mas por uma razão completamente diferente. Trabalhei numa ideia para Hamlet durante cerca de 30 anos, e finalmente tive a oportunidade de colocá-la em prática. A peça é povoada por um imaginário de roedores, ratos e ratazanas. Na verdade, a peça de teatro em Hamlet até se chama A Ratoeira. Toda a minha produção é uma espécie de grande ratoeira abstrata que durante a peça vai se fechando. O guarda-roupa tinha pedaços de pelo por todo o lado, mas era bastante sutil. Não se olhava e dizia, ‘Uau, tá todo mundo vestido de rato.’ O que se vê aqui é um figurino muito bom para Hamlet.”

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JÚLIO CÉSAR
“Este é um look muito bom para Júlio César, mas só até antes de ele virar um fantasma. Quando se está dirigindo algo que inclui espectros, acho que tem que se fazer alguma coisa para que a audiência perceba que alguém está voltando do mundo dos mortos. Por exemplo, acabei de encenar o Hamlet, e nessa peça o pai aparece como um fantasma. Optamos por deixá-lo vestido exatamente como tinha morrido, mas mantendo a viseira do seu capacete bem baixa. Além disso, também o equipamos com um microfone que produzia um eco. Sempre que falava, havia um pequeno eco e percebia-se imediatamente que era um fantasma.”

REI LEAR
“A roupa de baixo que o Michael está usando como Rei Lear foi criada para uma produção que fiz há dois anos, mas o resto é de uma produção muito, muito mais antiga. Encenei esta peça novamente há não muito tempo e me diverti muito. Não acho que a personagem do Rei Lear seja louca, nem por um segundo. Acho que ele desce propositadamente para um lugar muito negro, quase como a loucura, sendo essa a única forma de conseguir ultrapassar aquilo que está vivendo. Então ele vai a um lugar que emula a loucura para evitar realmente enlouquecer com o sofrimento causado pela traição da qual foi alvo. Ele vagueia pelo caos enquanto sua mente tenta encontrar sentido no que aconteceu.”

MACBETH
“Há algo de muito primitivo em Macbeth. É certo que cada um pode contextualizá-la onde quiser, mas é uma espécie de sociedade pré-civilizada, completamente habitada por uma classe guerreira. Quanto melhor guerreiro se for, mais poder se tem nesta peça. E isto é uma coisa boa ou má? Bom, em Macbeth é uma coisa muito ruim. Encenei uma produção de Macbeth que foi considerada bastante revolucionária e tive críticos me dizendo que nunca tinham visto nada igual. Estudei esta peça durante muito tempo, é a minha favorita de Shakespeare. As bruxas em Macbeth são, para mim, os demônios internos que nos dominam -- a nós e aos nossos desejos --, medos, inseguranças e ansiedades, por isso muitas das bruxas foram encenadas de uma forma diferente da normal. São a prova palpável do nosso lado negro.”

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OBERON
“Esta é uma indumentária perfeita para Oberon. Ele é o rei das fadas em o Sonho de Uma Noite de Verão. As fadas nesta peça não são aquelas fadas queridas em que normalmente pensamos. Nesta peça, Shakespeare transforma Oberon numa espécie de marido raivoso, tirano e zangado, mas também é muito sexual -- é um conquistador, adora mulheres. Além da sua fabulosa esposa rainha das fadas, tem também um caso com uma mulher mortal, a esposa do duque. E depois vemos ele se apaixonar por Helena, uma garota pobre e abandonada na floresta. Ele se apaixona por garotas a torto e a direito. É ótimo que esta roupa tenha sido deixada aberta para que possamos ver o seu peito à mostra. O ouro também funciona muito bem aqui.”

RICARDO III
“Encenamos Ricardo III há apenas dois anos. Foi um grande sucesso, mas também deixou as pessoas extremamente atordoadas por causa da sua enorme presença maléfica. Mas não é verdade que a maior parte das pessoas más existem por causa de grandes traumas que sofreram? É por causa disso que ficam assim. Ricardo é um homem muito torturado. A sociedade masculina no seu tempo era muito mais brutal do que é hoje, e alguém corcunda e aleijado como ele tinha que fazer tudo o que estava ao seu alcance para sobreviver”.

ROMEU

“Esta não seria a minha interpretação de Romeu. É fru-fru a mais para ele. Ele é, de fato, um dos rapazes mais ricos da cidade, mas ao olhar para estes babados eu penso em algo mais poético, mais ao estilo de Lord Byron. Para mim, este é um visual ao estilo de Como Gostais. Gosto deste visual, e claro que pode ser usado no Romeu, mas se fosse eu o responsável pelo guarda-roupa, tinha-lhe calçado umas botas altas. As botas são sensuais e levam a um lugar que transcende todas as barreiras de tempo, um lugar que poderia facilmente pertencer ao período elisabetano ou ao moderno. As botas funcionam, mas eu também colocaria umas calças escuras ou castanhas e uns veludos fabulosos, algo que fosse mais do tipo, ‘Apesar de ser um garoto rico, ando pelas ruas enfiando espadas no pessoal.”