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O Lixo à Porta do Luxo

Portugal está mesmo a chegar a um ponto indescritível quanto ao lixo. É algo com que tenho de lidar quase todos os dias ao sair de casa. Este país, para mim, sempre foi um refúgio da agitação de Londres.

Texto original da VICE Portugal

Lixo no Parque das Nações, Lisboa

Portugal está mesmo a chegar a um ponto indescritível quanto ao lixo. É algo com que tenho de lidar quase todos os dias ao sair de casa. Este país, para mim, sempre foi um refúgio da agitação de Londres. Mas atenção que eu sou português. É claro que não há falta de lixo em Inglaterra mas, durante a noite, enquanto estamos a beber copos ou a dormir, o lixo desaparece. Não são duendes mágicos, mas sim lixeiros.

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Estou a ver que aqui o problema do lixo nas cidades não é uma coisa que possa descrever numa frase. O problema aqui já aumentou de tal forma que se transformou num bicho de três cabeças.

PREGUIÇA

Já passaste ao lado de um contentor vazio e tiveste que atravessar a rua porque havia um monte de lixo espalhado pelo chão? Não entendo como é que alguém pode falhar o alvo. É só erguer uma tampa e deixar cair um saco de lixo. Sei que pode parecer complicado sair do carro, abrir o contentor e atirar o saco, mas não é… E, ao mesmo tempo que se faz isso, pode-se sempre fazer exercício físico — isso nunca fez mal a ninguém.

CONTENTORES

Outra coisa que também se pode ver, é um contentor a transbordar, praticamente a vomitar o lixo. O chão já está cheio de lixo, não precisa de mais. Isto é a pior coisa que já vi. Afinal de contas, Portugal é um país desenvolvido. É impressionante que não haja sítios suficientes para colocar os restos do jantar nem a colecção de jornais do quarto de banho. Isto acontece mais nas grandes cidades, pelo que faz muito mais sentido haver um número maior de contentores nas cidades do que nas aldeias… Mas, na aldeiazinha da minha avó, onde vivem, sem exagero, vinte pessoas, há dois contentores—um desperdício, portanto. Um está sempre vazio como é óbvio, mas acho que a Junta de Freguesia ainda não entendeu a estupidez.

RECOLHA O LIXO

Às vezes, as pessoas lá se apercebem que devem ajudar o ambiente e até conseguem abrir os contentores e meter o lixo lá dentro, mas chega-se a um ponto onde os contentores estão tão cheios que o chão já parece um aterro sanitário na Índia. O que é que se deve fazer nessas situações? Tentar contactar a Câmara Municipal ou a Junta de Freguesia? Que riso! Espero estar vivo quando uma câmara municipal em Portugal não for burocrática. O lixo fica ao sol, suando durante dias—algumas pessoas falam em semanas—lançando um cheiro que nem nos deixa respirar. As Câmaras fazem o quê? Nada. Além disso, vêm os cães, as gaivotas e os pombos e rasgam os sacos para comer o resto dos nossos Danoninhos, no melhor dos casos.

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Como já deves ter percebido, problemas em Portugal não faltam. Então, decidi fazer algo para perceber qual é o núcleo do problema, e também para ter finalmente uma resposta à pergunta: “Os lixeiros têm ido trabalhar?”

Contactei uma mulher que também é inglesa porque queria perceber o seu ponto de vista antes de falar com um português. Ela criou um blogue chamado: “Lixo-Lixo” que fala sobre o lixo despejado pelo chão em Portugal. Disse-me que uma das causas é a complacência do povo. Depois do tempo de Salazar, as pessoas parecem que estão a confundir a liberdade com a libertinagem e a corrupção. 37 anos não é muito tempo, mas bastam dois segundos para percebermos que deitar merdas ao chão não é boa ideia.

Ouvi a mesma cena do homem por detrás da AMO Portugal, uma organização que quer proteger o ambiente e que, uma vez por ano, limpa o país. Há dois anos recolheram 70 mil toneladas de lixo. Disse-me que depois da revolução, Portugal transformou-se numa sociedade consumista, comprando e deitando fora sem sequer pensar sobre o assunto. É uma verdade amarga de engolir, pois temos que reconhecer que a culpa é nossa.

Depois de tentar entrar mil vezes em contacto por email com a Câmara Municipal do Porto, dei conta de que eles nunca iriam falar comigo. Tentar entrar no mundo das câmaras municipais deve ser mais difícil que conversar com o Einstein sobre física.

Com estes problemas todos, como é que Portugal atingiu a décima melhor taxa de reciclagem na UE? A Júlia Pinheiro fez, talvez, mais pelo país do que qualquer político:

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Os programas da tarde têm um poder extremo sobre a população mais idosa. Se a Júlia disser que temos que reciclar, todos reciclarão. Se o programa estalinista mandar os idosos terem cuidado com o seu lixo, eles de certeza que vão reciclar. Também, depois da investigação, vi que a educação sobre a reciclagem é quase como a doutrinação nazista.

Então, se a educação é ridiculamente imposta nos putos e a arrepiante Júlia manda os idosos reciclarem, quais são os problemas e de onde vem este lixo que vemos pelas nossas ruas?

Esta complacência é que nos lixa. Os portugueses são famosos no mundo inteiro por terem casas muito limpas, com pratos pendurados nas paredes, por serem bem-educados e bons a jogar futebol, mas o problema parece ser o nosso egoísmo. Queremos que as nossas casas estejam limpas, que os nossos carros sejam os mais potentes, mas preservar o nosso ambiente é tarefa demasiada. Com a crise—ninguém fala em mais nada—devemos ter em conta que trabalhar em equipa ajudará o país. Se a nossa casa estiver limpa, teremos um ambiente melhor para nos confrontarmos com os nossos problemas, portanto, porque não também as nossas ruas?

Está feita a boa acção do dia.