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“Powaqqatsi – A Vida em Transformação” Foi o Filme que me Fez Querer Fazer Trilhas Sonoras

O cara responsável pela trilha sonora do filme Encontros e Desencontros comenta sobre a obra de Philip Glass.

Brian Reitzell é músico, compositor e ex-baterista do Redd Kross e do Air. Ele já compôs trilhas sonoras para alguns filmes, como Encontros e Desencontros. Atualmente, ele é membro da banda TV Eyes e lançou no ano passado seu primeiro álbum solo: Auto Music.

Não lembro o ano exato em que assisti a Powaqqatsi – A Vida em Transformação pela primeira vez, mas diria que foi no final dos anos 90. Lembro-me claramente da cena de abertura: mineiros da América do Sul carregando sacos de terra para cima de um morro, descalços, como se fosse 400 anos atrás. Eles são como uma máquina gigante, lutando, com a música de Philip Glass sendo o único som.

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Não há efeitos nem diálogos no filme – só você, a imagem e a trilha.

O nome Powaqqatsi vem de uma palavra hopi e significa algo como "vida em transição". O filme joga todos esses lugares naturais como Machu Picchu, Grand Canyon e Monument Valley contra o impulso industrial do homem. Isso é sobre como a raça humana está se modernizando, e é interessante ver, enquanto você passa de país em país – da China hiperindustrializada a uma aldeia na África, onde um cara tem alguns paus e um boi –, como o mundo está desequilibrado. Não tem muito mais enredo além disso. É um filme meditativo.

Powaqqatsi é parte de uma trilogia (a "trilogia qatsi"), e eu já tinha visto o primeiro filme, Koyaanisqatsi, de 1983, em VHS. Eles fizeram Powaqqatsi em 1888 e Nagaqqatsi, em 2002. Na minha opinião, Nagaqqatsi não funciona tão bem. Ele foi feito usando principalmente computadores. Acho que prefiro o primeiro filme, com seus órgãos elétricos e tomadas de Los Angeles. E, ainda assim, Powaqqatsi foi especial para mim, porque pude assistir a isso no cinema. Acho que vi o filme dezenas de vezes enquanto ele ficou em cartaz. Essa foi a única vez em que fiz isso. Era como ir ver uma banda tocar quando as bandas não viajavam com projetores e não tinham os efeitos visuais que têm hoje. Adorei a experiência de ver aquelas imagens, enquanto ouvia uma partitura orquestral.

O homem por trás disso, Philip Glass, é um dos maiores compositores modernos de concerto dos EUA. Ao lado de Steve Reich, Glass é parte de um mundo minimalista. Ele fez As Horas, O Show de Truman e Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos, que tem uma trilha sonora incrível. Mas, para mim, esse é seu melhor trabalho em filme. E, para minha sorte, não há diálogo; então, ele consegue tocar a coisa toda como se fosse realmente um concerto. Não é um contínuo de música, mas é algo lindamente composto como um todo. As transições são fantásticas. É uma coisa realmente bela. Como baterista, meu interesse é a percussão – e há um trabalho de tamborim especialmente bom em Powaqqatsi.

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A música de Philip Glass soa como um sequenciador. Há muita repetição e é muito rítmica. Muitas bandas pop têm incorporado esses arpejos em sua música. Meus amigos de Phoenix adoram tocar sequências ao estilo Philip Glass, assim como gente como o Apex Twin. Vi a banda Maxïmo Park tocar alguns anos atrás, e eles abriram com uma música de Koyaanisqatsi. É muito rítmico daquela maneira em que você tem apenas um constante "do do do do do"… mas, em vez de isso ser tocado no teclado, temos uma orquestra. Isso definitivamente teve algum tipo de influência no tipo de música que eu acabei fazendo. Ouvi muito disso quando era criança: Steve Reich, Philip Glass, Terry Riley. Como baterista, essa é uma música muito rítmica e natural para mim. Eu tinha um piano em casa quando era criança e tocava diferentes sequências nele várias e várias vezes. Tocando como um baterista tocaria.

Assisti a Powaqqatsi quando era um jovem músico morando em Berkley, Califórnia; e, um pouco depois, me mudei para LA a fim de tocar com a banda Redd Kross. Passei algo em torno de sete anos em turnê com eles, gravando discos, vivendo o mundo grunge. Era muito divertido, muito orgânico, mas muito louco. Eu tinha amigos que estavam no topo das paradas e nunca trocavam de roupa: Mudhoney, Nirvana, Dinosaur Jr. Estávamos sempre na estrada com esses caras, porque tínhamos o mesmo gerente de turnê. Foi incrível estar em turnê o tempo todo quando eu tinha 20 anos, mas fiquei meio cansado do Redd Kross, porque a banda tinha começado antes de eu entrar. Não era a minha banda, e eu a estava superando nisso; então, me demiti.

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Sempre quis trabalhar com cinema, e, alguns meses depois, minha amiga Sofia Coppola perguntou se eu queria ser o supervisor musical do filme Virgem Suicidas. Eu não sabia muito bem o que estava fazendo, mas queria fazer o melhor possível, porque ela era minha amiga; então, trabalhei pesado nisso. O filme se passa nos anos 70; por isso, escolhi coisas como 10cc e Gilbert O'Sullivan. Aí algo surpreendente aconteceu: Nicola e JD, do Air, iam fazer a trilha do filme. Eu acabei me juntando à banda e fazendo a trilha com eles. Depois disso, saímos em turnê e fizemos um disco juntos.

Meu terceiro filme foi Encontros e Desencontros. Trabalhei nele por bastante tempo – eu diria que três meses disso no fundo do ônibus da turnê com o Air. Foi uma época agitada. Eu ia ao Japão para entregar coisas de karaokê; depois, voltava à Inglaterra para fazer uma trilha com Kevin Shields. Eu sabia que Sofia queria criar um certo clima: a trilha tinha de ser meio melancólica e romântica por causa da história. Estive muitas vezes no Japão nos anos 90 e tinha saído algumas vezes por lá com a Sofia; então, eu conhecia muitas das locações e dos amigos que ela estava usando como atores. Quando você chega em Tóquio, o jetlag e a sensação de estar num universo "Disneylândia Blade Runner" são muito fortes. É como se você tivesse usado drogas. Tentei achar músicas que capturassem isso, que capturassem como você se sente estando no Japão.

Pensando agora, definitivamente me inspirei em Powaqqatsi: eu acho que daria certo se algumas cenas pudessem ser tiradas de Encontros e Desencontros e colocadas em Powaqqatsi. Você pode pegar a cena da Scarlett Johansson sentada na janela do seu quarto de hotel, no 50º andar ou algo assim. A janela é enorme, e você tem uma vista panorâmica incrível de Tóquio. Não há design de som, não há diálogo. É apenas ela sentada lá, e você tem esse sentimento arrebatador de Tóquio. É muito Powaqqatsi.

A música que escolhi para a cena é de um cara chamado Tom Jenkins e de sua banda Squarepusher. O interessante é que essa é uma das poucas músicas do catálogo dele – talvez até a única daquele disco – que é assim. O resto é música estranha e ácida estilo Aphex Twin, o que é incrível, mas essa é como uma coisa única, e realmente gostei disso no filme. Não compus a música, só a escolhi. E não filmei a cena, a Sofia leva o crédito por isso. Mas, para mim, a música e o jeito como ela se assenta na imagem funcionaram perfeitamente.

Tradução: Marina Schnoor