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Música

Os DJs de Electro Chaabi Estão Levando a Novos Públicos as Raves de Festa de Casamento Egípcias

Levamos um papo com os DJs holandeses do Cairo Liberation Front que nos explica as origens desse movimento sonoro revolucionário feito a partir de escalas musicais orientais e influenciada por produções de hip hop ocidentais.
Joep Schmitz e Yannick Verhoeven do CLF.

Há poucas festas tão explosivas quanto uma festa de casamento egípcia, em especial quando se trata do casamento das maiores estrelas da dance music underground do Egito. Se olhar alguns dos vídeos de celular postados no YouTube você pode muito bem confundir com uma gravação perdida dos bons tempos da acid house. Uma multidão de centenas, possivelmente milhares de fãs foram a Salam City, nos arredores do Cairo, para a ocasião. Tem pessoas dançando em cima de autofalantes, demonstrações de pirotecnia amadora (feita com aerosóis e isqueiros), apetrechos típicos de rave (glow sticks, roupas de neon) e, por toda parte, as pessoas dançam como loucas com movimentos que são em parte breakdancing e em parte dança árabe tradicional.

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Os noivos, quase invisíveis em meio à confusão de performers no palco lotado, são Samer e Sadat. Este último é um os principais produtores de uma das músicas mais excitantes sendo feitas em qualquer lugar do mundo no momento, o electro chaabi. É um som difícil de descrever, baseado em escalas musicais orientais e influenciada por produções de hip hop ocidentais, o electro chaabi não pertence inteiramente a nenhum desses precedentes mas possui uma energia impressionante pela qual é impossível não ser tragado. A maioria dos produtores da cena, como Sadat, são dos subúrbios operários de Cairo e Alexandria, onde já existia uma tradição de música chaabi, que significa 'do povo', a qual eles deram sua própria interpretação moderna. Enquanto o pop ocidental é uma inspiração para essa nova geração de chaabi - particularmente artistas como Shaggy, Tiësto e Snoop Dogg - a música que eles criam é ao mesmo tempo avant-garde - uma interpretação absurda do pop maistream - e popular, tanto em letras como em público.

Paralelos foram traçados, um tanto precipitadamente, entre o electro chaabi e as revoluções da Praça Tahir de 2011 e 2013. Há alguma base nisso, mas apenas no sentido de que o relaxamento da censura de internet que catalisou o movimento de protesto também deu aos produtores e DJs acesso a softwares de produção, tutoriais de YouTube sobre criação de beats e meios de distribuição do trabalho deles. Mas o que é certo é que o electro chaabi é uma revolução sonora. Alguns dos seus adeptos mais antigos são Joost Heijthuijsen, Yannick Verhoeven e Joep Schmitz, que juntos formaram coletivo de DJs holandeses Cairo Liberation Front para promover o eletro chaabi ao redor do mundo. Juntos, eles fazem mixtapes e tocam ao vivo a sua própria versão do gênero. Heijthuijsen também comanda o festival de música Incubate em Tilburg e ao lado de Verhoeven cumpriu um papel crucial em ajudar alguns dos produtores da cena a lançar e tocar sua música no ocidente. Eu falei com o trio antes de eles tocarem no Birthdays em Londres como parte de sua turnê mais recente.

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THUMP: Primeiramente, como você explicaria o electro chaabi em uma frase ou algo assim?
Joost Heijthuijsen: O electro chaabi permite uma compreensão da vida egípcia, ele oferece algum contraste à perspectiva da juventude egípcia que nós vemos na mídia ocidental.

Yannick Verhoeven: O electro chaabi é mais do que apenas uma cena musical, é a cultura de uma juventude rebelde, assim como foi o punk no Reino Unido e o início da house music nos Estados Unidos.

Como vocês formaram um live act baseado em electro chaabi?
Y: Pensamos que via internet podíamos nos conectar com a cena, normalmente não seria possível sequer ouvir electro chaabi sem a internet. Então nós começamos a fazer mixtapes como uma forma de nos conectar com eles. Nós sempre fomos pesquisadores de novas músicas.

J: Nós não entendíamos nada do que eles diziam mas entendíamos o sentimento, a energia pura. Nós dois somos fãs de shows de hip hop e de punk e a energia soava familiar. Então nós começamos a tocar isso ao vivo, embora não como um típico DJ set, é realmente algo diferente - mais parecido com uma festa do que qualquer outra coisa.

Interessante que vocês mencionam o punk e o hip hop como comparações, em relação à energia se não em som. É difícil definir, mas pra mim também há paralelos com o hardcore dance music e o grime.
J: Acho que nós quisemos dizer que o chaabi não existe em uma bolha. Em sua energia e também em seu som você pode enxergar comparações com a produção de hip hop, ele tem beats bem similares ao trap e ao drill por exemplo. Mas nós também o mixamos com música psicodélica porque ele soa muito psicodélico e experimental de certa forma, mas ao mesmo tempo é uma música de rua.

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J: É uma música que está sendo tocada em cenas de underground dance music e tem certa audiência burguesa, mas nós não queríamos que ela tivesse esse destino sufocante. Nós queríamos, ao contrário, mixar ela com Nicki Minaj - que é uma grande artista - porque isso é muito mais vital e excitante. Nós queremos a máxima energia e o êxtase total de ouvir e festejar.

Vocês conscientemente evitaram que o electro chaabi fosse categorizado como world music?
J: Muitos dos estilos de música não ocidentais são categorizados como world music - nós odiamos isso. Não faz sentido definir uma música como "world music" só porque ela é de um país ou cultura diferente. Nós gostamos de música empolgante seja de onde ela for, seja ela feita com guitarras, equipamentos eletrônicos ou como o chaabi - com versões crackeadas do FruityLoops - não importa. Nós achamos que o chaabi não deveria ficar confinado a festivais de world music, queríamos ouvir ele nos festivais de dance music, nos festivais de rock, de forma que os jovens possam curti-lo e não apenas os coçadores de barba de 40 anos.

Y: Tem também o fato de que na world music há muita ênfase na autenticidade, e isso normalmente resulta na música sendo encarada como peça de museu. Nós não queríamos sentar na cabine de DJ apertando botões e simplesmente tocar a música, queríamos o caos total.

J: E na verdade isso é fiel à experiência do electro chaabi no Egito. Os DJs transgridem gêneros, estão pouco se lixando se isso é cabível ou não. Eles pegam um beat de Eurohouse e mixam com Sean Paul e ritmos tradicionais de música árabe. Nós não mixamos exatamente as mesmas coisas, mas temos a mesma abordagem que eles: eu mixo Moderat, Nicki Minaj e Islam Chipsy, por exemplo.

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Quando foi que vocês tentaram entrar em contato com os produtores e DJs da cena pela primeira vez?
J: Quando começamos a fazer mixtapes nós tínhamos uma abordagem política. Queríamos oferecer uma outra perspectiva do mundo árabe. Eles também gostam de festejar, também usam drogas, bebem, dançam. Eventualmente nós começamos a receber e-mails de alguns caras da cena. Quando os adicionamos no Facebook, eles nos convidaram para o casamento do Sadat, um dos maiores astros do chaabi. Foi a oportunidade de uma vida.

Como foi a festa de casamento?
J: A festa de casamento foi a melhor rave que eu já fui. Foi em Salem City, a duas horas do centro da cidade, em um bairro de classe operária. Quando nós chegamos havia caras exibindo suas lambretas, suas roupas, ouvindo música e dando um rolê na rua. A festa era entre dois flats sem janelas e eles construíram um palco improvisado entre eles. O lugar todo estava tomado e todo mundo era muito convidativo, todos eles nos cumprimentavam com high fives. Foi uma loucura completa, caras fazendo crowdsurfing e seus próprios lança-chamas com aerosóis e isqueiros. O palco quase veio abaixo e o som era muito alto - foi incrível. Todos os astros do electro chaabi estavam no palco. Os caras estavam de um lado e as garotas do outro, e ambos estavam mandando muito.

Y: Mas eu acho importante reconhecer que o electro chaabi não é apenas uma música, é uma cultura, uma cultura rebelde de rua, bem parecida com o hip hop.

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Então ele é um reflexo da cultura operária nesse sentido?
J: Bem, a geração anterior não conseguia se expressar por completo sob a ditadura. Mas quando as restrições de internet foram afrouxadas, mais ou menos na época da revolução, toda uma subcultura com sua própria música, moda, etc emergiu online. Isso permitiu que eles distribuíssem a música e driblassem as leis de censura, com o YouTube e o Mediafire ninguém pôde te segurar. Por exemplo, através do YouTube os movimentos de dança puderam se espalhar rapidamente entre os bairros. Eles pegaram a dança árabe tradicional e misturaram com breakdancing para criar os movimentos mais loucos.

Y: Ele se tornou um canal criativo. Assim como no grime, os MCs de chaabi cantam sobre sua vida cotidiana e seus problemas cotidianos como dinheiro, relacionamentos e enfrentar as dificuldades da vida.

J: É realmente um gênero, não um nicho musical. Todos os gêneros têm aspectos de moda, música e atitudes sociais combinados, e o eletro chaabi é assim.

Como vocês veem a relação entre a política e o electro chaabi? Me parece que há muito equívoco sobre as relações da cena com a política.
Y: Eu acho que as pessoas tentam politizar demais isso. Se você for ver o hip hop do início não começou como um protesto direto contra o Reagan ou o Bush, ele veio de um senso mais amplo de desilusão. O electro chaabi parece ter emergido do mesmo sentimento, de estar à margem da pop music mainstream do Egito e não se ver identificado com os seus popstars; esse mainstream não refletia a realidade de suas vidas cotidianas, então eles decidiram criar sua própria música. Logo o electro chaabi é uma política de rua mesmo que não seja uma política de estado.

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Assim como no grime e no hip hop, não é porque nem sempre há uma mensagem política explícita que não há política envolvida.
J: Exatamente, eu acho também que é uma simplificação politizar isso como parte da revolução, é enxergar as coisas muito estreitamente. Mas é uma música que vem das mesmas estruturas sociais, então é claro que é política em certo sentido.

É revolucionário no som e assim como a maioria das revoluções ele começa na periferia. E Salam City é na periferia. A mídia ocidental só leva em conta as canções de protesto como políticas, eles querem um Bob Dylan, mas o que o chaabi oferece é uma outra forma de política.

É interessante pra mim que o chaabi, assim como grime antigo, é feito com softwares relativamente básicos como o Fruity Loops por exemplo. Você acha que essas ferramentas são importantes para a gênese das cenas de música DIY como o electro chaabi?
Y: Não tenho certeza se as ferramentas são tão importantes, apenas no sentido de que elas permitem que pessoas sem qualquer treinamento musical criem música. Eles só assistem tutoriais no YouTube e fazem.

J: Se você perguntar, eles desejam a mesma qualidade de estúdio do Shaggy ou do Tiësto, mas por conta de uma combinação de softwares baratos e PAs toscos a coisa não soa dessa forma. O chaabi tinha que ser tocado em casamentos porque todos os produtores começaram como DJs de casamento que estavam cansados de tocar música tradicional egípcia e música ocidental - então eles criaram a própria música deles. É uma trajetória bem similar à da cultura dancehall e sound system. Nos casamentos você tinha um anunciante para apresentar os convidados, que naturalmente dublavam como se fossem MCs.

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Eu tenho a impressão de que há também um lado humorístico no electro chaabi que talvez se perca na tradução. Vocês notaram algo assim em suas experiências?
J: Humor nem sempre traduz bem, mas nós tentamos traduzir algumas letras para o holandês. Há alguns aspectos da coisa: primeiramente é um senso de humor nonsense. Estrelas como Sadat e Alaa Fifty [cujo nome é baseado no 50 Cent] são tão grandes que eles podem criar palavras novas. Nós perguntávamos a eles o que eles queriam dizer e eles respondiam 'nada'. Mas é também o humor do cotidiano. O slogan da revolução egípcia é "O Povo Quer" e eles responderam com uma canção chamada "O Povo Quer Crédito Telefônico de Cinco Libras". E tem também a "Caralho! Perdi o Meu Chinelo" que foi uma das primeiras canções egípcias a usar um palavrão no título.

"O Povo Quer Crédito Telefônico de Cinco Libras"

Como você vê a sua relação com a cena?
J: É uma relação difícil por causa da barreira de linguagem.

Y: No festival Incubate do ano passado, nós organizamos uma festa com o Sadat e o Fifty e tocamos com eles na Suíça também. Mas temos que conversar sempre através do empresário deles que sabe traduzir, então é sempre difícil de se comunicar.

J: De certa forma isso é bom porque nós os respeitamos muito, eles são grandes artistas, e nós não queremos copiá-los. Então nós tentamos introduzir algo de nossas próprias vidas e influências nas nossas performances.

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Y: Nós somos caras brancos de classe média da Holanda, não queremos fingir que essa música é nossa. Apenas nos influenciamos com o que é realmente interessante no gênero e introduzimos alguns de nossos próprios interesses musicais na mistura. Eu ouço bastante Perc e Andy Stott por exemplo, e essa é uma influência que eu gosto de trazer para a música.

E o nome que vocês usam, Cairo Liberation Front, é uma demonstração de solidariedade?
J: Nós estávamos pensando em qual seria o melhor nome e que seria idiota nos chamar de "DJs de electro chaabi". Mas tinha que ser algo político então nós pensamos em satirizar a história ocidental de intervencionismo no Oriente Médio, aquela atitude de 'Nós somos soldados da liberdade e viemos para libertá-los da sua cultura primitiva e da sua ditadura'. É um nome irônico.

Y: Você tem que se abrir ao fato de que não pertence àquela cultura e nunca vai entender ela completamente. Nós não somos das ruas do Cairo e não pretendemos ser embaixadores e nem afirmar que sabemos tudo sobre a cultura deles, porque nós não sabemos.

Como vocês comparariam as reações do público ocidental com as do público egípcio?
Y: A energia eu acho que é universal. Onde quer que nós toquemos as pessoas enlouquecem. De início a energia nos remeteu a shows de punk e é estranho que o público ocidental normalmente reage de forma similar em um show de punk: fazendo crowdsurfing, rodas de pogo, dando mosh, etc.

J: Nós também usamos toalhas de chá em nossas performances como uma referência aos performers no Egito, que também as usam como adereço. É ótimo ter um elemento físico envolvido. Mas é o mesmo tipo de energia que há em uma festa de casamento egípcia.

O melhor álbum de compilação dos produtores de electro chaabi Sadat e Alaa Fifty está disponível pelo selo Generation Bass.

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