Emmanuel Macron herda uma França dividida

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análise

Emmanuel Macron herda uma França dividida

Com uma abstenção histórica, a eleição do mais jovem presidente francês mostra como o país está dividido.

Foto do topo: AP

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE News.

Depois da campanha eleitoral mais extraordinária e feia que a França já viu, um homem jovem, inexperiente mas audacioso se tornou o novo presidente francês — e sem nunca ter participado de uma eleição antes.

No domingo (7), Emmanuel Macron derrotou Marine Le Pen, a líder de extrema-direita de uma dinastia política que achou que ela conseguiria derrotar facilmente seu inimigo. Foi uma vitória clara, mas com um retrogosto amargo, expondo um país dividido e apresentando grandes desafios ao novo presidente.

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Quando os noticiários começaram a anunciar no dia 23 de abril que Marine Le Pen enfrentaria Emmanuel Macron no segundo turno das eleições no dia 7 de maio, a líder da extrema-direita não poderia querer um rival melhor. Ela enfrentaria o produto de um sistema de elite, um ex-banqueiro, consultor financeiro e depois ministro da economia do impopular François Hollande.

Ela se referiu a essa batalha como "patriotas versus globalistas", uma escolha clara entre os valores nacionais franceses e a globalização burocrática visando o lucro da Europa.

Desde os cinco anos de idade, Le Pen foi criada pelo pai para ser uma combatente — filha de Jean-Marie um negacionista do holocausto, que começou a Frente Nacional quarenta anos atrás. Com essa origem, ela achou que superaria facilmente o ex-banqueiro de 39 anos (quase um insulto na França), que não tinha experiência política, nenhum partido estabelecido por atrás dele, e muito intelectual e urbano para seduzir os eleitores de um país "real".

Ela estava errada, apesar de um impulso nos primeiros dias da campanha do segundo turno que preocupou os partidários de Macron.

Um crescimento súbito

Quando Macron anunciou que visitaria trabalhadores em greve no leste da França, que estavam lutando contra o fechamento de sua fábrica e sua transferência para a Polônia, Marine Le Pen correu para chegar lá primeiro, prometendo aos trabalhadores que eles manteriam seu trabalho na França, tirando selfies com os grevistas e indo embora ao som de aplausos. Quando Macron chegou lá, ele foi vaiado e teve dificuldades para estabelecer um diálogo com os trabalhadores.

Dois dias depois, Le Pen conseguiu outra vitória: um acordo com Nicolas Dupont-Aignan, um candidato menor da direita que terminou o primeiro turno com 5% dos votos e pediu que seus eleitores votassem agora em Le Pen. Essa foi a primeira vez que algo assim aconteceu na política francesa, um sinal do fim do chamado "pacto republicano", onde todas as forças políticas se juntavam contra o fascismo.

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Outro sucesso de Le Pen veio na atitude ambígua do carismático líder da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon, que se recusou a dizer aos 20% de eleitores que votaram nele o que fazer no segundo turno, levando muitos deles a rejeitar tanto a extrema-direita quanto os finalistas liberais.

Se uma vitória de Le Pen nunca foi prevista pelas pesquisas de opinião na França, seus partidários e estrategistas não excluíam uma vitória surpresa "à la Trump", ou pelo menos um resultado acima dos 40% — o que permitiria a ela reclamar o manto de líder da oposição.

Para atingir esse objetivo, ela teria que vencer o único debate televisionado entre os dois candidatos — uma luta de gladiadores moderna diante de milhões de eleitores indecisos. Mas Marine fracassou miseravelmente, parecendo agressiva e despreparada na discussão. O impulso de Le Pen acabou por aí.

Emmanuel Macron se tornou presidente naquela noite. Muitos eleitores indecisos escolheram apoiá-lo depois de ver como ele continuou calmo e controlado, apesar da enxurrada de sarcasmo e ataques da oponente.

Uma França dividida

Nos últimos dias da campanha, Emmanuel Macron teve que encarar um bombardeio de desinformação e notícias falsas, incluindo documentos forjados o acusando de ter uma conta bancária ilegal nas Bahamas, e o vazamento de milhares de e-mails do seu partido duas horas antes do final oficial da campanha no sábado.

Essas tentativas desesperadas de desestabilização acabaram produzindo o efeito contrário. Elas enojaram ainda mais os eleitores indecisos, que acharam essas tentativas de mudar os rumos da eleição extremamente descaradas.

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Apesar da alegria e alívio que muitos sentiram na França quando os resultados saíram na noite de domingo, a imagem não mostra um país totalmente cor de rosa. Os resultados mostraram um país profundamente dividido, com um terço dos eleitores escolhendo uma demagoga de extrema-direita, e um número sem precedentes de votos brancos, nulos e abstenções que mostram uma rejeição dos dois candidatos.

Em seu primeiro discurso como presidente na noite de domingo, Emmanuel Macron disse que tinha ouvido a "raiva" e os "medos" de seus compatriotas, e prometeu que trabalharia para ser um presidente inclusivo. Ele sabe que esses eleitores marginalizados o consideram o candidato da globalização, e agora tem que provar que pode ser o presidente deles também.

Por enquanto, mesmo quem não votou nele admite que ter um presidente de 39 anos deu ao país um ar de otimismo que há muito não se via. Será que Macron pode liderar a França para fora de seu pessimismo paralisante? Para esse novo líder prometendo um caminho diferente, o trabalho pesado está apenas começando.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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