'Celeste' é o videogame superdifícil que também quer te dar um abraço
Imagens: Matt Makes Games/Divulgação.

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'Celeste' é o videogame superdifícil que também quer te dar um abraço

Poucos jogos sobre a morte são tão convidativos e divertidos.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

“Tenha orgulho do seu número de mortes! Quanto mais você morre, mais aprende. Continue!”

Essa é uma das mensagens que aparecem na tela de loading de Celeste, o novo jogo de plataforma do designer de TowerFall Matt Thorsen. Qualquer jogo que tenha um contador de mortes vai ser um em que você morre bastante, mas não me lembro da última vez em que um jogo foi tão legal e prazeroso nessa questão. Mesmo quando você despenca no nada — ou corre direto para um monte de estacas — pela milionésima vez, Celeste nunca parece estar te julgando. Em vez disso, o jogo quer te dar um abraço. É estranho sentir cada morte como se fosse um carinho, mas é isso que o jogo passa.

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Apesar de a morte vir rápido e fácil em Celeste, o tom do jogo é único. Toda vez que você morre em Super Meat Boy parece um soco no estômago. (Para algumas pessoas, esse soco é uma sensação de desafio. Sou desses, mas entendo que não é pra todo mundo.) Você tem uma morte violenta, e momentos depois, te pedem pra tentar de novo. Muitas vezes parece que o jogo está rindo de você. Em Celeste, toda morte resulta num impulso de energia fofo estilo Mega Man, e você é mandado de volta para a tela do começo. Tudo em Celeste — a música, os gráficos, as telas de loading — mostra um jogo torcendo pelo seu sucesso, se você for paciente o suficiente para juntar todas as peças. Mesmo se precisar de algumas tentativas, o jogo não se importa em esperar.

Seu objetivo em Celeste é ajudar Madeline a escalar a Montanha Celeste, ou, como geralmente é chamada, só a Montanha. O objetivo não é parte de uma metáfora maior: você tem que literalmente escalar uma montanha. O M maiúsculo simplesmente ressalta a importância da tarefa. Por qualquer que seja a razão, Madeline precisa chegar no topo da Montanha. Logo no começo, fica claro que a busca de Madeline é pessoal, e isso coloca a base para um dos pontos mais interessantes do jogo: uma história para contar.

Talvez mais que qualquer outro gênero, jogos de plataforma foram os que mais resistiram ao canto da sereia da narrativa. Com os anos, um ou outro jogo conseguiu investir nisso — Braid, Inside, Conker's Bad Fur Day — mas no geral, o gênero continuou focado nas mecânicas. Celeste segue essa linha, rapidamente deixando claro que Madeline está lidando com muito mais que só uma trilha aleatória na Montanha.

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Ela luta contra ansiedade, ataques de pânico e surtos que não são explicados por mágica ou profecias. Apesar dela se jogar no ar, é fácil se identificar com a personagem. Quando um ataque de pânico surge, Madeline precisa parar, respirar e se recompor. O jogo até tenta mostrar como ela lida com esses momentos através de um minigame. É fascinante.

Não sei se a história de Celeste vai compensar mais pra frente, mas é uma surpresa que eu me importe em querer descobrir o final.

Enquanto alguns gêneros usam uma boa história para maquiar mecânicas toscas, não sei se isso daria certo num jogo de plataforma. Celeste não é esse jogo. TowerFall tinha controles sublimes que faziam com que o simples ato de se movimentar fosse uma diversão, mas era um jogo multiplayer. Celeste é tão bom quanto TowerFall, mas agora o inimigo é a escalada rumo ao topo.

No papel, os truques de Madeline são limitados. Ela pode pular, se abaixar, se pendurar em paredes e se lançar em oito direções. Em segundos, o jogador já sabe o que Madeline consegue fazer.

Isso não quer dizer que Celeste é simples ou não tem variedade de mecânicas — ao contrário. O que muda é o ambiente. No começo, você faz pouco mais que conectar saltos curtos e se agarrar em beiradas. Mas conforme você avança, o jogo vai ficando muito estranho. Em uma fase, pedaços do ambiente se transformam em saltos espaciais, e no momento que você corre para uma direção, o jogo te prende no lugar, te cuspindo para o outro lado. Em outra, você pode pular em bolhas e controlar em que direção elas vão te cuspir. Em outras partes, se lançar no ar faz a plataforma mudar de posição, acrescentando camadas. E o jogo eventualmente combina todas elas.

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Em cada passo do caminho, você ainda está usando o mesmo conjunto de habilidades básicas. O que é confortador.

Celeste me lembrou Super Mario Odyssey em como pula loucamente de uma ideia para outra. A maioria dos jogos usaria um dos blocos de construção de Celeste repetidamente, mas o jogo é sempre uma introdução ótima para uma mecânica inteligente, depois segue em frente muito antes dela se tornar enjoativa. E você ficar querendo mais é exatamente o ponto.

A maioria das telas de Celeste sugerem uma direção óbvia pra seguir, mas se você for curioso, tem outros caminhos. A maioria leva para um dos poucos colecionáveis do jogo: morangos. Por que morangos? Até agora, mais de seis horas no jogo, não faço ideia. Minha teoria é que os desenvolvedores sabiam que morango é minha fruta preferida. (Como assim não é a sua também?!) Décadas jogando videogames me deixaram meio cansado de colecionáveis. Por que eles estão ali? Só para desperdiçar meu tempo? Ou eles destravam algum segredo?

Aí, cruzei com outra tela de loading:

“Morangos vão impressionar seus amigos, mas é só isso. Só colecione se realmente quiser!”

OK! Legal da sua parte me avisar, jogo. Na prática, os morangos funcionam como aumento de dificuldade. Se você quer jogar os trechos mais desafiadores da plataforma, eles estão no caminho para os morangos. É também onde os aspectos mais de quebra-cabeça entram. Às vezes o morango está pendurado num lugar óbvio, mas conseguir chegar até ele exige usar de maneira criativa as opções limitadas disponíveis para Madeline. Talvez você precise usar o impulso de uma plataforma em movimento para conseguir os centímetros extras que o salto exige. Talvez você precise ter cuidado com quanto tempo fica pendurado numa parede, gerenciando o medidor de energia escondido do jogo.

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A maior homenagem que você pode prestar a um colecionável é querer colecioná-lo só para completar tudo do jogo. Celeste compensa com a mecânica esse esforço do jogador.

Mas não pense que morangos são um indicador de que Celeste é fácil. Depois de alguns capítulos, Celeste tira as rodinhas da sua bike, e coloca o jogador pra descer um barranco. Você vai saber do que estou falando quando chegar na fase com as malditas nuvens.

Meu único problema até agora é que muitas vezes o jogo que impede de voltar. Não fica sempre claro quando você vai ficar trancado na próxima tela, o que significa que às vezes você pode estar procurando um segredo e acaba preso na tela seguinte por acidente. Você pode jogar de novo os capítulos, com indicadores na tela de pausa mostrando que há salas com objetos escondidos, mas isso significa jogar a fase inteira de novo.

É um problema pequeno para um jogo que de outra forma é uma obra de arte em plataforma. Você vai morrer pacas jogando Celeste, mas parece que o jogo está torcendo por você. É um game com coração, cheio de um otimismo que precisamos desesperadamente nesse começo de 2018.

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