Coisas que não posso perguntar para minha mãe
Ilustração com fotos por Lia Kantrowitz de fotos de família cortesia da autora. 

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Identidade

Coisas que não posso perguntar para minha mãe

Uma história de amor, vício, casamento gay e perdão.
Lia Kantrowitz
ilustração por Lia Kantrowitz
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Meus irmãos mais velhos nunca me contaram que minha mãe tinha pedido a namorada dela em casamento quando eu tinha dez anos e acho que também nunca perguntei. Num dia de Ação de Graças alguns anos atrás, minha mãe disse “Espera, você nunca ouviu essa história? Vou te contar”.

Ela disse que foi mais tipo uma briga, o jeito como ela pediu a namorada em casamento.

“E AÍ? Vai casar comigo ou não!”

Admirei a confiança dela. Então elas se “casaram”. Do jeito que um casal lésbico podia morando em Chicago nos anos 1990.

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“Dois papéis para assinar. Dois selos dourados. Não significava muita coisa”, ela disse e deu de ombros.

No começa o casamento foi todo planejado, visões de grandeza, mas sairia muito caro e nenhuma delas tinha dinheiro. Então elas fizeram a coisa sem pensar muito.

“Era a semana do orgulho gay em Chicago. Fizemos uma pequena cerimônia com outros oito casais gays.” Enquanto minha mãe falava, imaginei um bolo de supermercado e flores, abraços, risos. Elas não tinham champanhe ou bebidas. Claro que não, elas estavam em reabilitação.

Ou elas se conheceram na casa de passagem onde minha mãe foi parar depois da rehab? Essa era outra coisa que eu não sabia direito: como elas se conheceram.

Ninguém foi convidado para a cerimônia fora minha irmã que usava coturno, a única dos cinco irmãos que cresceu com elas. Meu pai a expulsou de casa por raspar a cabeça e levar outra garota para o baile de formatura. Foi uma decisão tão ousada na nossa cidadezinha em Indiana que ainda ouvi merda sobre isso uma década depois quando entrei naquela escola.

“Bom”, eu disse para minha mãe, “vocês deviam fazer de novo. Renovar os votos? Um aniversário de casamento? Fazer uma festa com todos os seus amigos e a família para comemorar.”

Me imaginei dando a festa. Nunca fiz nada para minha mãe, então talvez pudesse fazer isso. Afinal de contas, eu mal a conhecia. Bom… mal a conheço. Estamos todas vivas.

Mas ela levantou as mãos, olhou para a parceira e disse “Ah, ela nunca toparia”.

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A namorada de mais de 25 anos dela não a contrariou.

Pela maior parte da minha infância, eu não fazia ideia que minha mãe era lésbica. Mesmo dividindo um quarto com sua “colega” num apartamento de dois quartos. Mesmo com uma enorme bandeira de arco-íris pendurada no quarto delas com triângulos rosas de decoração. Mesmo com elas dividindo uma picape roxa. Mesmo com ela nos levando esporadicamente para uma igreja sem denominação onde a gente assistia duas drag queens maravilhosas apresentarem Monólogos da Vagina no jantar anual de espaguete.

E tinha essa foto delas quase se beijando na estante da sala que muitas vezes eu ficava estudando, imaginando o que significava. Ninguém que disse e como era criança, eu só aceitava o que estava ao meu redor.

Em algum momento do ensino médio, caiu a ficha: minha mãe era lésbica. Aquela era a namorada dela, sua parceira. Era sua esposa, mas não legalmente. Eu nunca disse isso em voz alta pra ninguém e ninguém disse em voz alta pra mim.

Os anos 90 era uma época estranha para crescer com uma mãe lésbica. Eu nunca tinha conhecido ninguém como eu e não era algo que você via na TV como hoje, onde as famílias são diversificadas deliberadamente. Foi por volta de quando a Ellen DeGeneres simultaneamente fez história na cultura pop e acabou sabotando sua carreira ao sair do armário na própria série. Laura Dern, que interpretava seu interesse romântico, não conseguiu outro trabalho por um ano depois de beijá-la no ar. Até a Oprah recebeu reação negativa, só por convidar a Ellen para seu programa para explicar aos espectadores enraivecidos que era OK ser gay.

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Quando percebi que minha mãe era lésbica não senti vergonha, mas tive uma sensação forte de que precisava guardar segredo.

Minha irmã de coturno sempre se referiu à minha mãe e sua parceira como suas “mães”. Cresci com o meu pai, então era diferente para mim. Em vez de ter duas mães, eu sentia que tinha zero. Eu pensava na parceira da minha mãe como uma tia distante. Mesmo minha mãe parecia uma tia distante. Duas mulheres que víamos às vezes para comer cheesecake. Duas mulheres que ocasionalmente nos levavam ao zoológico ou a um jogo do Cubs.

Quando tinha sorte, outras mulheres preenchiam esse papel para mim: minha vó, minhas irmãs mais velhas, uma esteira rolante de empregadas, mães bem-intencionadas de amigos.

Nunca vou esquecer como meus amigos não davam bola para essas mães bem-intencionadas e como tinham sorte de tê-las.

Já tentei escrever essa história um milhão de vezes, mas é complicado. Eu tinha cinco anos quando minha mãe foi embora. Ela empilhou sua infância numa van e foi para o outro lado da cidade. Mas isso eu lembro perfeitamente: ela estacionou na frente de um prédio marrom e disse “Essa é minha casa nova”.

Contei essa história para umas seis pessoas e agora estou contanto pra você.

“Essa é minha casa nova.”

Não consigo imaginar como foi essa viagem para ela: seus filhos no carro, os mais novos sem a menor noção do que estava acontecendo. Será que aquela viagem de carro levou mil anos? No que ela estava pensando? Ela chorou? Ela ligou o rádio para se distrair?

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Eu era muito nova para saber que minha mãe lutou com o vício a vida inteira, muito nova para saber que ela estava lentamente se mudando para aquele apartamento há meses, pensando em como dar a notícia para o meu pai numa sessão de terapia dela. No final, eles brigaram e ela saiu batendo a porta do consultório, falando para minha irmã mais velha avisar que ela estava indo embora de vez.

“Que coisa horrível para fazer com uma garota de 17 anos”, ela disse uma vez pra mim numa carta.

A razão para estarmos naquela van na frente da casa nova dela era porque minha mãe tinha finalmente escolhido ficar sóbria e colocar sua vida nos trilhos. Nesse processo, a terapeuta dela sugeriu que ela podia ser lésbica, mas minha mãe lutou com essa ideia por muito tempo.

Ela disse que era um conceito impossível de aceitar; não havia uma coisa assim no mundo dela.

Não lembro de entrar no prédio marrom naquele dia, mas lembro da volta para casa, para a nossa rua sem saída num bairro de Indiana. Meu irmão e eu choramos por horas. Ele comeu um pacote inteiro de Oreo e vomitou na cama dele. Eu fiquei na sala, olhando a rua pela janela da frente, esperando ela voltar.

Às vezes sinto como se ainda estivesse esperando.

"Não preciso de ninguém e ninguém precisa de mim." Essa foi a lição tácita que aprendi com a minha mãe quando era criança.


Minha mãe me surpreendeu com um álbum de fotos no dia em que me contou a história do pedido de casamento.

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“São da nossa cerimônia.”

As fotos eram muito, muito anos 90. Fiquei chocada vendo que a namorada dela tinha escolhido uma legging rosa e um casaco preto como seu “vestido de noiva”. Ela estava radiante: Seu cabelo loiro brilhante ia até a cintura. Ainda um tanto tradicional, minha mãe era mais como o noivo: calça cáqui, uma camisa branca e uma faixa de smoking na cintura. O sorriso no rosto da minha mãe, o olhar dela, era algo que nunca via antes.

Estudei as fotos por um longo tempo. Pensei no que 20 anos podiam fazer com um casal. Pensei no sangue dela correndo nas minhas veias e no que isso significava. Às vezes tenho medo de só ter herdado a tristeza dela. Sua insegurança. Seus medos irracionais. Sua dificuldade para realmente se aproximar de alguém.

“Não preciso de ninguém e ninguém precisa de mim.” Essa foi a lição tácita que aprendi com a minha mãe quando era criança.

Fechei o álbum de fotos e olhei para as duas na minha frente, minhas duas “mães” com suéteres combinando (o dela era azul-marinho, o dela era cinza), o tênis branco delas da Payless, os casacos vermelhos que elas ganharam de brinde da Marlboro. Fiquei imaginando o que estar juntas significava para elas agora. Minha mãe tinha resolvido tudo? Elas ainda estavam apaixonadas? Ou só estavam seguindo o fluxo? A subida valia a pena?

São perguntas que não posso fazer para ela.


Ano passado, eu estava numa festa chique quando fiquei enamorada por uma elegante mulher mais velha e seu marido bonito. A energia entre eles parecia com vaga-lumes num pote numa noite quente de verão. Como uma flor brotando de uma rachadura na calçada.

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Perguntei bem séria para ela: “Como você continua apaixonada por alguém por tanto tempo?”

Eu tinha acabado de terminar com meu namorado e tinha certeza que nunca ia me apaixonar. Achei que era um milagre alguém me amar para começo de conversa, mesmo se essa pessoa fosse um merda.

A mulher elegante me deixou ali e começou a andar pela festa, trocando gracejos com os outros convidados; e logo quase me esqueci dela.

No final da noite, ela voltou e me disse: “Não tenho uma resposta para a sua pergunta”.

Aí ela sussurrou no meu ouvido: “Faça a escolha certa”.


A linha do tempo é confusa para mim, mas quando eu tinha seis ou sete anos, minha mãe se separou legalmente do meu pai e depois veio uma batalha pela custódia. Ele nunca falou comigo sobre isso, mas imagino que ele se sentia rancoroso; chocado por ter sido trocado por outra mulher.

A lenda é que ele desapareceu numa instituição de saúde mental por uma semana, e voltou com pequenas bolsas de moedas e chaveiros que ele tinha costurado para nós na terapia de arte lá. Pelo menos foi isso que uma das minhas irmãs mais velhas me contou. Ela lembrava vividamente daquelas bolsinhas de moeda. Eu era tão nova que não tenho memória da minha. Isso acontece entre irmãos. Vocês costuram o passado um para o outro.

Quando penso nessas bolsas de moedas sinto vergonha, me sinto desesperadamente triste por ele. Na época achei que ele tinha viajado de férias para o México. Quem me disse que ele tinha viajado para o México?

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Outra história que ouvi foi que o advogado do meu pai estrategicamente mudou a audiência de custódia para um tribunal numa cidade pequena de Indiana, com um juiz superconservador. O advogado da minha mãe disse que era melhor ela nem aparecer. Ela era uma alcoólatra e viciada em drogas em recuperação e agora era homossexual. No papel, meu pai era a escolha certa: um homem branco com educação, um médico. Na verdade, ele era abusivo, ausente, tínhamos medo dele. Ele deixou seu talão de receitas em branco pela casa por anos.

Aqueles talões de receita eram como uma mensagem para minha mãe. Eles diziam “Você não é forte o suficiente para me deixar”.

O advogado dela estava certo. Ela não conseguiu custódia compartilhada. Ela podia fazer “visitas limitadas e supervisionadas” aos filhos. Supervisionadas porque o juiz, extraoficialmente, decidiu que não estávamos seguros com ela por causa de seu abuso de drogas/álcool e sua sexualidade. Não conheço bem minha mãe, mas sei que se ela estivesse presente naquele dia, ela teria mandado o juiz se foder. Ainda quero voltar naquele tribunal e mandar o juiz se foder.

Como a vida teria sido diferente se tivéssemos um juiz menos homofóbico? Um pai menos cruel? Quem eu seria? Quem minha mãe seria?

Em vez de ficar com raiva do juiz, minha mãe se sentiu derrotada. Ela sentia que não merecia seus filhos e agora o tribunal também achava que não.

Não sei como ela não voltou a beber.

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Tem duas coisas conflitantes que sei sobre a minha mãe.

Uma é que ela faria qualquer coisa para proteger seus filhos. Quando bebê, quebrei o braço. O médico se curvou para me examinar e, sem aviso, puxou meu braço forte para o colocar no lugar. Gritei tão alto que minha mãe deu um soco nele.

Uma vez meu irmão estava brincando com a comida no jantar, meu pai ficou furioso e derrubou ele da cadeira com um soco. Meu pai se levantou para ir embora, minha mãe perdeu a cabeça. Ela pulou nas costas dele e apontou uma faca pra ele.

Ele gritou “Você está louca???” enquanto a empurrava.

“Acho que eu estava mesmo”, ela me escreveu mais tarde, mas acrescentou que sua terapeuta garantiu que ela só estava sendo mãe.

Outra coisa que sei sobre a minha mãe é que ela fugia. Ela escrevia bilhetes vagos e desaparecia, deixando a família em pânico. Ela dirigia o mais longe que conseguia, até algum lugar perto de Indianápolis. Ela nunca teve um plano e nunca levou dinheiro. Toda vez ela percebia que não podia escapar de si mesma. Eventualmente ela ficava sem gasolina, ia até um telefone e ligava pra casa, pedindo o número do cartão de crédito para poder dirigir de volta.

Talvez esse fosse o problema: Ela estava lutando pelos filhos e fugindo deles ao mesmo tempo. Sempre indo e voltando.

A ausência dela era tão forte quanto sua presença.

Sua escolha foi simples e difícil ao mesmo tempo: deixar os filhos morrendo de overdose ou deixar os filhos para ficar sóbria.

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Não tenho muitas fotos de infância, mas tenho três álbuns com fotos do mesmo dia. Nós, as crianças, na varanda da casa que não era mais da minha mãe. Na época, um álbum de fotos era um investimento, era preciso se esforçar para fazer um. Você tinha que comprar o filme, depois levar para revelar e esperar ficar pronto, o que não era barato. Aí você acabava com um monte de fotos borradas, colava elas num livro e dava para alguém. Não sei como, mas acabei com os três livros marrons intitulados genericamente “Álbum de Fotos” numa caligrafia apagada.

Meus irmãos e eu parecemos obrigados e constrangidos. Lembro que minhas irmãs se recusaram a sorrir para a câmera. Estou usando um short com estampa havaiana e uma camiseta da Minnie, minha franja foi cortada torta e estou descalça. Lembro da minha mãe acenando com um cigarro na mão, encostada no carro verde-oliva da minha vó. Lembro do sorriso dela, como ele escondia bem um coração pesado.

Meu irmão mais tarde me disse que aquele foi o primeiro dia que ela pode nos ver depois da batalha pela custódia, sua primeira visita “supervisionada”.

Por isso tantas fotos.


Em algum momento depois disso, o acordo de custódia mudou. Quando pudemos visitar minha mãe regularmente, ela ainda estava abalada. Ela tinha começado sua nova vida como uma mulher lésbica e sóbria. Ela estava tentando descobrir como isso fazia sentido sendo mãe. Ela me disse uma vez que queria ter uma dúzia de filhos, para tratar melhor do que ela foi tratada quando criança pelo próprio pai alcoólatra e a mãe ausente.

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Ela pensava em suas escolhas e se elas tinham valido a pena. Sua escolha foi simples e difícil ao mesmo tempo: deixar os filhos morrendo de overdose ou deixar os filhos para ficar sóbria.

Acho que ela não esperava uma coisa da qual nunca poderia se recuperar: culpa. A culpa dela foi uma parede grossa entre nós minha vida inteira, uma parede que me deixou sozinha, pensando qual era meu valor desde os cinco anos de idade.

Quando a visitávamos naquele apartamento marrom, ela tinha esquecido como agir com os próprios filhos. Ela até comprou um periquito amarelo achando que ele poderia melhorar o clima.

O periquito morreu uma semana depois disso. Minha mãe disse que pensou “Como vou cuidar dessas crianças se nem consigo manter um passarinho vivo?”


Alguns meses depois de sair da casa do meu pai, minha mãe teve uma recaída no mesmo apartamento que deveria salvá-la. Ela parou de ir para o trabalho, onde se orgulhava de ser uma conselheira de drogas que secretamente abusava de drogas. “Pensamento doente”, é como uma das cartas dela descreve isso. Ela aprendeu como beber enquanto tomava antabuse, um remédio que te faz passar mal quando misturado com álcool. Um colega ou amigo a encontrou em casa, bêbada, e a mandou para a reabilitação.

No dia de Ação de Graças, sem ter um lugar para chamar de casa e sem dinheiro, minha mãe foi obrigada a se mudar para uma casa de passagem em Chicago, onde era vigiada 24 horas por dia. Mas ela continuou limpa, e foi quando ela conheceu a namorada, sua parceira, sua esposa hoje. De algum jeito ela saiu do fundo do poço para encontrar o amor, mas para a minha mãe, nada nunca era fácil.

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Quando a casa de passagem descobriu, elas foram expulsas. Elas só tinham um colchão de ar, algum dinheiro emprestado e uma à outra quando foram jogadas na rua.


Alguns anos atrás, o casamento gay foi legalizado em Indiana, depois no resto do país. Mesmo que meu relacionamento com a minha mãe nunca tenha sido o que nenhuma de nós esperava, chorei e chorei naquela manhã enquanto minhas redes sociais se enchiam de alegria. #oamorvence era a hashtag. Senti orgulho dela. Senti orgulho de todo mundo.

Pensei no meu melhor amigo, que se assumiu para mim na noite do baile da escola. Como ele sofreu no colégio e na faculdade por causa de sua sexualidade. Como ele era perseguido na rua e na classe. Como as pessoas o tratavam como se ele nem fosse gente. Como ele teve uma overdose alguns anos depois. Como o pai dele se matou dez anos depois pela perda. Eu queria que ele estivesse vivo para ver quão longe chegamos.

Uma mulher da minha cidade natal chamada Niki Quasney e sua parceira Amy Sandler são as grandes responsáveis pelo casamento gay ter sido legalizado em Indiana. Niki foi diagnosticada com câncer de ovário e, antes de morrer, queria ter certeza que sua parceira fosse listada em sua certidão de óbito como esposa, com quem ela se casou em Massachusetts. Ela queria saber que sua esposa e filhos seriam reconhecidos como a família dela e receberiam os mesmos benefícios que todo mundo. Ela lutou com unhas e dentes, nunca desistiu, para obrigar Indiana a reconhecer seu casamento. Mike Pence, o governador na época, fez de tudo para impedi-la. Só quando ela estava em estado terminal, um juiz federal garantiu seu pedido de emergência para ter seu casamento legalmente reconhecido. Niki morreu menos de um ano depois como uma heroína para todos nós. O casamento gay tinha sido legalizado no mesmo estado que no passado sugeriu que minha mãe era perigosa para os filhos por ser lésbica.

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Logo depois, minha mãe e a namorada estavam oficialmente casadas. Não consegui dar uma festa para elas. Minha irmã de coturno, hoje uma mulher adulta com um coração lindo, não pode ser testemunha. Na verdade elas nem nos contaram. Não sei se foi só um dia qualquer ou como a conversa começou para elas decidirem oficializar a relação. Descobri por uma mensagem de celular.

É assim que minha mãe dá notícias, boas e ruins. Mortes, feliz aniversário, cirurgias do coração, a vó está no hospital, meu cachorro está morrendo, sempre por mensagem de celular.

Essa mensagem era uma foto da certidão de casamento delas. Mais tarde descobri que elas ficaram surpresas quando o homem mais velho que assinou a certidão pediu desculpas, e disse que era uma vergonha elas terem que esperar tanto tempo. As coisas sempre foram tão difíceis que elas não estavam acostumadas com desculpas, gentileza, aceitação.

Elas não se vestiram especialmente para a ocasião dessa vez, não tiraram fotos, não levaram bolo. A mensagem não dizia mais nada, mas consegui imaginar ela dando de ombros. “Não significa muito coisa. Assinar uns papéis, dois anéis.”

Minha mãe assinou sobre onde a palavra “noivo” tinha sido apagada, como para apagar todas as injustiças do passado. Finalmente, a lei a aceitava como a mulher que ela sempre foi, com a mulher que ela sempre amou e ela podia ser mãe também.

Esses papéis significavam tudo, não só para elas mas para nós, seus filhos, agora adultos, agora capazes de ver a imagem completa. Tínhamos uma prova que apesar de tudo que aconteceu, ficamos bem, perdoamos, e apesar de a batalha ter sido longa e difícil, minha mãe escolheu certo no final das contas.


Apesar de ser chamada de poeta por pessoas que odeiam poesia, Franki Elliot é uma artista de rua e autora aclamada de três livros: Stories for People Who Hate Love (2018), Kiss as Many Women As You Can (2013) e Piano Rats (2011). Seu trabalho já foi reconhecido pela revista Paper, The Paris Review , Smart Girls, Chicago Tribune , LA Weekly , Time Out , etc. Atualmente ela mora em Los Angeles.

Matéria originalmente publicada na VICE US.

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