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Música

"Minha Música é uma Anunciação": Uma Entrevista com Todd Terry

"Eu sempre escolho o tipo de sample que faz as pessoas falarem."

Sempre que você tiver a chance de ver uma lenda da house music como Todd Terry em ação, você não deve deixar passar. Em uma noite recente no espaço Princes Charles em Berlim, eu vi ele incendiar uma pista com seu estilo de mixagem jogo-rápido, sem emendas: deep house sensual de Chicago misturado com petardos das paradas dos anos 90 como 'Push the Feeling On', tudo combinado com um toque sincero e divertido com o qual é um raro prazer dançar. A solenidade também era evidente na pista. A galera local rebolou e dançou como se cada groove fosse mais fenomenal que o anterior.

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É um sentimento que Todd Terry inseriu no meio cultural com sua faixa 'House Is a Feeling', lá em 1991, e promoveu ao longo dos seus 30 anos de carreira. Como um dos legítimos pioneiros do house, Terry emergiu do hip hop no fim dos anos 80 e foi buscar sua técnica reel-to-reel nos break beats underground para criar o som que veio a definir uma cultura, uma técnica – e um feeling.

Com o lançamento de seu novo single, habilmente entitulado "Real House", e uma curta temporada de DJ sets em Ibiza neste verão, Todd Terry continua em forma. O THUMP conversou com ele sobre as técnicas que geraram antigas preciosidades e sobre futuros lançamentos dos famosos selos Freeze Records e Strictly Rhythm.

Me lembro de uma frase sua que achei bem interessante: que nos primórdios, enquanto trabalhava em reel-to-reel, você fazia questão de fazer algo diferente a cada minuto e meio. Poderia explicar melhor esta técnica e este modo de pensar?
Todd Terry: Eu estava tentando fazer uma música empolgante com break beats, então a cada 16 ou 32 compassos eu queria que a música mudasse para manter-se interessante. É o que eles chamam de "mash ups" hoje em dia, mas naquela época costumava-se chamar essas mixagens de "bits 'n' pieces". Eu tinha uma seção onde, digamos, tinha um sample de voz, uma linha de baixo e um beat. Eu mantinha o mesmo beat tocando, o mesmo groove, mas mudava talvez a linha de baixo ou o sample de voz, e adicionava um pouco de teclado.

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O que eu estava fazendo de fato era construindo uma grande, uma gigantesca remixagem. Eu fui criado em meio à técnica de edição, então eu queria fazer house music dessa forma: um grandioso break beat clássico cheio de energia. Quanto mais eu praticava mais eu conseguia abstrair o groove, o que me permitia adicionar mais detalhes ao groove pelo caminho.

O que quer dizer com "a cada minuto e meio"?
Eu não faço música como um produtor. Faço como uma pessoa na pista de dança. Se eu sinto que posso dançar a música direto, sem ter a sensação de que algo ficou confuso na edição, é assim que ela vai ser. Quando se está dançando, um groove deve ter a mesma potência do groove anterior, de forma que você possa seguir adiante. É só com essa continuidade que eu posso causar aquela liberação de energia na pista.

Você sente que trabalhar em reel-to-reel especialmente possibilita isso? Por ser o processo realmente literal de recorte e colagem?
Eu terei sempre esse estilo em que tudo é baseado em ação; seja na forma de um rufar de tambores ou de um novo sample que entra. Eu sempre acreditei que uma gravação deve ser a mais dramática possível, mas mantendo sempre o mesmo groove.

Trabalhando com reel-to-reel você costuma fazer o groove primeiro, e então volta e adiciona os samples e depois a canção, sabe como é? Eu sempre aprendi a criar minhas gravações de sample como uma canção, de forma que elas são construídas tipo: verso-ponte-refrão, verso-ponte-dobra-refrão, diferentes tipos de ponte, refrão-refrão-refrão.

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Como seria uma gravação que você escuta e pensa: "Isso sim é um sample"?
Às vezes você só ouve aquele groovezinho e eu me pego balançando a cabeça. E penso: "Uôu, isso é jóia, essa parte é demais, por que eles não simplesmente repetem esse pedaço e começam a música daí?" Então eu meio que pego e escolho pequenos grooves para… viajar junto, digamos assim, para construir um drama neles. Outras vezes, pode ser um vocal que eu ouço, mas na minha cabeça eu fico ouvindo uma música com aquele vocal que é totalmente diferente de como ela foi produzida. Então eu parto daí.

Ademais, não precisa ser uma gravação. Pode ser até só alguém dizendo a mesma coisa várias e várias vezes. Por exemplo, dessa nossa conversa agora, a palavra "drama". Eu poderia fazer agora uma música chamada 'Drama', sobre a forma com que estamos falando sobre o groove.

Ha, caramba, se eu conseguisse inspirar uma música sua de alguma forma eu acho que dormiria feliz essa noite. Se você diz que mesmo produções originais são (devido à natureza do reel-to-reel) "edições", como você diferencia entre essa técnica e a remixagem para os outros?
Remixagens são ótimas por levarem a minha música até as pessoas, porque elas são lançadas por selos grandes e têm ampla divulgação, mas você também fica restrito porque está fazendo aquela gravação para se encaixar no estilo do selo ou do artista. Tem algo do seu estilo nesse tipo de gravação, mas você está domesticado. Isso diminui a sua criatividade.

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Nas minhas próprias produções eu trabalho a todo vapor. Posso usar um rufar de tambor, não tenho que retirar um bumbo pesado pra que funcione no rádio. Ao mesmo tempo, minha paixão é quando a remixagem contém o melhor dos dois mundos, com ambos os estilos complementando-se um ao outro – tipo, digamos, uma canção legal, flutuante, com o meu beat pesado. Isso funcionou bem na remixagem que eu fiz do Everything But The Girl por exemplo, mas inicialmente eles queriam recusar.

Sério?
A banda e algum dos caras do selo acharam que não se encaixava na imagem deles.

O que os fez mudar de ideia?
Bem, nós lutamos para que a música fosse lançada. Eu acreditava nela, e acreditava que aquilo era o que a banda precisava naquele momento. Na verdade, as pessoas à minha volta achavam que eles eram uma banda tosca e que eu havia dado vida à faixa, rá!

Isso parece loucura, considerando o sucesso da música: mais de 3 milhões de cópias vendidas, nada mal para uma remixagem de house naquela época.
Olha só, grandes gravadoras não sabem nada. Tudo que eles fazem é trabalhar com, e para, as paradas. Se eles soubessem que o Kanye [West] seria grande, então como eles renegaram ele inicialmente? O nome disso é music business. Nesse exato momento, em qualquer dia, você vai ver sete músicas ruins tocando na rádio quando deveria ter, tipo, 42 ótimas.

Falando de ótimas músicas, eu gostaria de te perguntar sobre algumas das suas gravações mais antigas, mais clássicas, e saber sobre suas ideias, sua técnica e sua mentalidade no momento de cada uma delas.

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Sua "Hear the Music (Def Dub Mix)" como Gypsymen sempre ficou na minha cabeça por causa do uso de samples: os acordes de piano de "There But for the Grace of God Go I" do Machine, e os vocais de "I Hear Music in the Street" do Unlimited Touch, certo?
Isso, bom ouvido, garota! Bem, novamente, é sobre pegar um sample e escrever uma canção com ele. Você tem a linha de baixo como gancho; a parte do "I've got the music" é o verso. O 'hay-bop-a-doo', que viaja por toda a faixa, é o elemento hipnótico, e as outras partes fornecem o caráter que transforma a faixa em uma canção. Tudo que fiz foi viajar entre as partes de forma que, de repente, no final da faixa, elas se relacionam entre si.

Por que escolher esses dois samples em particular?
Eu tinha a palavra "music" na cabeça, mas não sabia onde eu iria para encontrá-la. Testei algumas músicas, mas foi a forma como o vocal do Unlimited Touch funcionou tão bem tonalmente: a forma como ele esticou o tom soou muito certo. Assim como o sample de "There but for the Grace of God", eu reduzi a velocidade de forma a deixá-lo de um jeito que a molecada dos clubes de hoje em dia possa entender. É como um daqueles samples de anunciação – como "Jump" do Van Halen. Eu sempre uso samples de anunciação; o tipo de sample que faz as pessoas falarem sobre, que são instantaneamente reconhecíveis, que anunciam a si mesmos.

Eu adoro a ideia do sample de house como uma anunciação; um chamado para a pista de dança, até. E "Dreams of Santa Anna"? Ela tem um sentimento de anunciação brilhante, com o sample de Ennio Morriconne tirado de "Por uns dólares a mais".
Eu queria algo como "The Mexican" do Babe Ruth, que foi lançado na época. Eu sabia que não poderia ter o cantor da versão original, então para me certificar de que havia na faixa uma outra referência sólida à original, eu criei – ou melhor, recriei – a parte de guitarra "anunciação" de improviso, usando sintetizadores.

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"Dreams of Santa Anna" levou bastante tempo. Tipo, uma semana. Eu fiquei lá horas naquele teclado meia-boca – eu não tinha o equipamento que tenho agora – mas no fim das contas eu não toquei nenhuma nota direito simplesmente porque eu não sabia, então a versão final tem um monte de esquisitices. Nessa faixa eu fiz a melodia no final – depois do beat, dos samples, dos efeitos, de tudo – cegamente esperando que a melodia iria juntar tudo no fim das contas.

Está vendo, o fato de você considerar uma semana bastante tempo para fazer uma faixa é incrível. Ainda mais considerando que você estava trabalhando em reel-to-reel.
Você tem que entender que há 28 anos atrás você tinha o que tinha e pronto. Mas seja lá o que for, você tinha que ter algum tipo de dispositivo multi-pista.

Uma das minhas favoritas é "Bango (To The Batmobile)" – em parte porque é uma faixa ótima, mas também porque foi lançada pela Sleepin Bag Records e sampleia o Arthur Russell. Qual a história por trás dessa faixa? Você trabalhou de fato com Arthur Russel nela?
"Bango" foi uma das maiores para mim. Eu consegui colocá-la nas mãos de alguns DJs como Larry Levan e Little Louie e ambos a tocaram. Então, quando me encontrei com Arthur… nunca dava para saber o que o Arthur estava pensando. Ela era bem estranho. Muito talentoso, mas muito, muito seco. Seja como for, ele deve ter gostado da faixa porque ele fez um acordo 50/50 ali mesmo. Foi também a primeira vez que eu liberei um dos meus samples. Depois que finalizei a versão que lançamos, Arthur e eu planejamos trabalhar juntos no estúdio em outra versão da faixa, mas naquele momento ele estava ficando muito doente.

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Eu sempre penso sobre o que ele poderia ter alcançado… Mas seguindo em frente, a última sobre a qual eu queria te perguntar é outra das minhas favoritas, mas uma que também vi Kerri Chandler tocar na Islândia no último fim de semana. Era para um público local que nunca teve um festival de dance music na cidade antes, mas quando essa música começou todo mundo curtiu. Foi muito revigorante. "Sunday Morning" – qual a história dela? Parece mais uma de suas músicas de anunciação.
Eu sempre achei que essa gravação deveria ter estourado no rádio e ter sido uma grande afirmação da house music, mas não foi assim que aconteceu. Porém, às vezes é assim que as coisas são. Estou tranquilo com isso agora porque eu acho que muitas das músicas que escrevi no passado terão seu momento – seja com alguém remixando elas, relançando, ou sei lá. Pode levar anos, mas é inevitável. "Sunday Morning" é uma dessas. Ela é definitivamente uma anunciação.

Falando em relançamentos, eu sei que você retomou a Freeze Records no início do ano passado, em colaboração com o Clone. Você relançou algumas faixas mais antigas suas como "Jazz Anthem", vocês têm planos de lançar algo esse ano?
Temos outros seis lançamentos nos quais estamos trabalhando. Mas serão lançamentos limitados. Serão raridade: só 300-400 cópias de cada, e tudo vinil também. Eu sou eternamente fiel ao formato. Cresci com ele, e ainda é algo realmente especial. São todos para o nosso público. Não quero que nenhum tonto compre. Quero que eles vão para os cabeças, para os fãs de house realmente merecedores que têm buscado isso.

Além disso, em uma nota do selo, eu soube também que a BMG comprou o catálogo e os direitos de publicação da Stricly Rhythm. O que acontecerá com esses discos? Você tem alguma notícia do que acontecerá com eles?
É a velha história da empresa maior vindo e fodendo com tudo. Eu entendo que a Strictly Rhythm precisa recuperar o investimento deles, mas esse acordo não apenas estragou a relação deles com a gente, bastante, como eles também arruinaram o que estávamos tentando fazer com esses discos.

Estou preocupado com o que a BMG está planejando fazer com o material. Não sei se eles devem lançar todos os últimos discos em vinil, não sei se esses discos devem ser remixados e não sei se devem ser lançados em massa. Devem ser lançadas compilações, é claro, para contar ao mundo a história do selo, mas será que o sujeito comum da BMG se importa o suficiente em contar essa história? Eu duvido. Eles estão tendo sua viagenzinha de poder agora, essa que é a verdade. Mas eu sigo em frente.

O novo single do Todd Terry, "Real House", está disponível pela X.

Tradução por Stan Molina.