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MEXICALIA

Nova Jerusalém

A Nova Jerusalém é uma cidade milenária e messiânica localizada no oeste do estado Michoacán, México. Seus residentes são fiéis à Virgem Maria do Rosário e acreditam que o fim do mundo está próximo, e só eles que serão salvos.

A CIDADE DE 40 ANOS NO FIM DO MUNDO

Fotos por Eunice Adorno.

Em julho do ano passado, Nova Jerusalém, um cidadezinha com cerca de três mil habitantes no estado mexicano de Michoacán, virou notícia em toda parte. Um grupo do que a mídia chamou de “fanáticos religiosos” tinha destruído uma escola primária pública a marretadas, aparentemente sob ordens da Virgem do Rosário (uma aparição da Virgem Maria). Fotos do feito circularam pela internet, mostrando homens furiosos, mulheres com lenços coloridos na cabeça e vestidos longos rezando e uma cidade que mais parecia um parque temático medieval. De acordo com os artigos que saíram, os habitantes de Nova Jerusalém acreditavam que o apocalipse estava próximo e que eles seriam os únicos sobreviventes; e, em função disso, tinham adotado algumas leis bem estranhas para viver. Por exemplo, o sexo tinha sido banido, já que deveria servir apenas para a procriação – e com o apocalipse batendo na porta, por que se preocupar em ter bebês? Além disso, esses católicos que aparentemente odiavam escolas públicas também tinham muito visões com a Virgem Maria.

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Quanto mais líamos sobre o lugar, mais perguntas surgiam na nossa cabeça, e inevitavelmente acabamos decidindo colocar nosso equipamento no carro e ir pra lá filmar um documentário para a VICE. Planejamos nossa visita para coincidir com o dia sete de outubro – quando Nova Jerusalém celebraria o 39º aniversário da visão da Virgem do Rosário que resultou na fundação da cidade – e viajamos por sete horas da Cidade do México até um portão vermelho trancado no final de uma pequena estrada cercada por campos de cana-de-açúcar. Oito ônibus enormes esperavam do lado de fora, cheios de peregrinos do país inteiro que tinham ido para a celebração. No portão havia um aviso: “Atenção: é proibida a entrada de mulheres de minissaia, roupas decotadas e camisas sem mangas. Mulheres usando calça, maquiagem, esmalte de unha ou sem lenço na cabeça também são proibidas de entrar. Homens de cabelo comprido ou vestidos de maneira desonesta não serão permitidos.” Nunca entendemos exatamente o que queria dizer “vestir-se desonestamente”, mas sabíamos dessas regras antes e fizemos o melhor possível para segui-las; Eunice e Laura levaram saias longas floridas e lenços que deixaram as duas parecendo uma mistura de hippies e menonitas, e o Bernardo usou uma camisa de manga comprida, mesmo com o clima insuportavelmente quente.

Próximo ao portão, cinco policiais federais montavam guarda no topo de uma picape com metralhadoras, uma lembrança da tensão entre os dois grupos que dominam a cidade. Enquanto Nova Jerusalém é o lar de uma seita ultrareligiosa que não tolera ser contrariada, dissidentes que não seguem as regras vivem nos limites da cidade – foi esse segundo grupo que pediu para que houvesse uma escola pública na cidade. Depois da destruição desta escola, no dia 6 de julho, a polícia foi enviada por Fausto Vallejo, o governador de Michoacán, para prevenir mais violência. Apesar da imposição do portão trancado, foi possível dirigir por mais dois quarteirões e desviar da entrada principal para entrar direto no coração da cidade. Estacionamos na Avenida do Rosário, a principal via de Nova Jerusalém, e saímos andando, nos misturando à multidão de peregrinos de fora da cidade que havias chegado para o festival. A cidade é pequena, mas cheia de monumentos religiosos – vimos uma gigantesca torre branca, uma igreja com grandes vitrais azuis, uma enorme estátua do arcanjo Gabriel segurando uma espada que guarda o portão.

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O lugar mais sagrado de Nova Jerusalém é La Ermita (“o retiro”), um complexo contendo um agrupamento de igrejas e capelas construídas pela metade, uma série de estátuas e um seminário. Quando chegamos, um padre fez questão de nos mostrar tudo, mas não nos deixou tirar nenhuma foto (nosso pedido de levar câmeras para dentro do retiro foi negada antes mesmo da gente chegar lá – nos disseram que a Virgem não queria que filmássemos os terrenos de La Ermita). Passamos por dezenas de mulheres entoando cânticos para a Virgem e entramos na pequena capela onde o padre nos mostrou uma estátua de mármore de um homem de óculos. “O corpo do Padre Nabor está enterrado aqui”, ele disse, se referindo ao falecido líder espiritual da cidade. Depois apontou para um pequena pintura na parede e disse que era a imagem original da Virgem, aquela que havia levado à criação da cidade. Ele explicou, empolgado, como 39 anos antes a Virgem tinha aparecido para uma mulher humilde chamada Gavina Romero – agora conhecida pelos residentes como Madre Salomé – numa colina perto de onde a cidade fica. A Virgem pedira a Gavina para retornar depois e trazer um pedaço de tecido branco; assim ela fez e, de acordo com o padre, “[a Virgem] imprimiu a imagem dela própria no tecido como numa fotografia instantânea.” A imagem nos pareceu um retrato pintado à mão feito por um artista não muito talentoso, e a história era suspeitosamente parecida com a da Virgem de Guadalupe, cuja imagem apareceu milagrosamente no tecido da roupa de um camponês chamado Juan Diego depois que ele a viu numa colina da Cidade do México em 1531. Verdade ou não, a história resultou na criação de uma comunidade que tem sobrevivido há décadas.

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Um dos muitos monumentos religiosos da cidade, um mural que retrata Deus guardando Nueva Jerusalén.

Margarita Warnholtz é uma etnóloga que passou longos períodos em Nova Jerusalém entre 1983 e 1988 escrevendo uma tese sobre a história da cidade. Quando falamos com ela logo antes da nossa viagem, ela nos contou que, quando foi até lá a primeira vez, um dos membros da seita disse que a Virgem a tinha acusado de ser uma espiã, o que a levou a ser expulsa. Alguns meses depois, quando fez amizade com os padres, ela retornou à cidade e a Virgem mudou de ideia,  escolhendo ela mesma para contar ao mundo a história de Nova Jerusalém. Ela voltou pra lá várias vezes depois e nunca mais teve problema com a seita.

Margarita nos explicou que, em 1973, depois de se manifestar no tecido da Madre Salomé, a Virgem pediu que se construísse um santuário naquele ponto onde os escolhidos pudessem se reunir e ser salvos do fim do mundo. A Virgem teria dito a Salomé para procurar por Nabor Cárdenas, que na época era padre numa vila próxima de onde ela vivia, e dizer que ele havia sido escolhido para liderar as pessoas escolhidas para a salvação. A história sobre a aparição da Virgem se espalhou rapidamente, e devotos mexicanos de todas as partes do país se mudaram para a área. Assim nascia Nova Jerusalém.

Uma foto de arquivo da Madre Salomé com sua famosa imagem da Virgem Maria.

Carismático e de temperamento forte, Padre Nabor era o líder absoluto da comunidade, comandando tudo através de uma sucessão de procurações supostamente comunicadas pela Virgem do Rosário. Primeiro ela aparecia para Madre Salomé e se comunicava com Nabor através dela, e muitas das mensagens da Virgem eram impressas e distribuídas pela cidade – algumas eram regras sobre moralidade e conduta pessoal, mas a virgem também controlava assuntos que normalmente seriam da alçada do prefeito e da prefeitura, como construção de estradas e abertura de poços.

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Em 1981, quando Madre Salomé faleceu, duas novas profetas foram escolhidas para transmitir as mensagens da Virgem: Madre Margarita e Madre María de Jesús. Madre Margarita tinha o apoio de muitos comerciantes, que enriqueciam e se tornavam influentes na comunidade; já Padre Nabor favorecia María de Jesús. A comunidade se dividiu pela primeira vez e eventualmente Madre Margarita e aqueles que a apoiavam foram expulsos da cidade. María era um tipo de conduíte diferente de Salomé – ao invés de passar as mensagens da Virgem em segunda mão, ela aparentemente era possuída e falava em audiências como se fosse a própria Virgem, frequentemente entortando o corpo e mudando de voz. De vez em quando ela também era possuída por outros personagens, como a Virgem de Guadalupe, a Virgem de San Juan de Los Lagos, sua predecessora Madre Salomé e uma boneca chamada Yoli, que falava com crianças com uma voz aguda.

Madre María saiu da comunidade em 1990, supostamente seguindo ordens da própria Virgem, e nunca mais foi vista. Agapito Gómez, um associado de longa data de Nabor, se tornou o novo profeta. Agapito falava com a Virgem através de um grupo de intermediários conhecidos como os bienaventurados, que podiam ser tanto pessoas que haviam vivido e morrido em Nova Jerusalém e estavam no pós-vida, quanto figuras históricas como Lazaro Cárdenas, ex-presidente do México (Lazaro contatava Agapito diretamente do céu e dizia em quem as pessoas de Nova Jerusalém deviam votar.)

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De acordo com muitas pessoas da cidade, Agapito era uma figura sombria e controversa – ele foi acusado de fazer sexo com freiras e de beber, e até passou algum tempo atrás das grades sob a acusação de ter estuprado uma menina menor de idade (ele foi libertado depois de pagar uma fiança de 1.300 dólares). Ele também viajava com um esquadrão de homens armados que chamava de “A Guarda de Jesus e Maria”. Quando o Padre Nabor ficou senil por causa da idade, Agapito foi acumulando cada vez mais poder, mas sua legitimidade foi questionada por alguns residentes em 2006, um grupo de sacerdotes que foram excomungados depois de discordarem da decisão dele de construir uma nova igreja nos arredores da cidade. Esses sacerdotes foram seguidos por dezenas de famílias. Esse grupo dissidente ainda acreditava nas aparições da Virgem e na Madre Salomé, mas não considerava que Agapito tivesse a mesma divindade – essas são as pessoas que estão em conflito com a igreja oficial hoje.

Nabor morreu em 2008 aos 101 anos, Agapito morreu alguns meses depois. Hoje o poder da cidade está concentrado nas mãos do sucessor de Nabor, Martin de Tours (um bispo de longa data da igreja) e Cruz Cárdenas, que atua como prefeita da cidade. Apesar de seus líderes espirituais terem partido, os residentes ainda acreditam na premissa original da cidade – de que ela será o único lugar na Terra que sobreviverá ao apocalipse. Isso mesmo com as datas que Nabor anunciou para o final do mundo viverem mudando – primeiro o final estava marcado para 1980, depois para 1988, e finalmente para 2000; depois disso ele desistiu de fornecer um calendário específico. Nabor explicou as falhas nas previsões afirmando que seus seguidores ficavam rezando para que o mundo durasse um pouco mais. Se isso é verdade, Nova Jerusalém é um lugar muito importante mesmo.

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Mulheres rezando.

Caminhando pela La Ermita com o padre, ficou claro que a ideia de ser o povo escolhido está profundamente enraizada na cultura da cidade. Vimos um mural incrível retratando o apocalipse no qual uma grande multidão de condenados, incluindo atletas (a Virgem não gosta de esportes, que são proibidos em Nova Jerusalém) e uma banda de rock (cuja música é igualmente proibida), anda em direção à boca de um enorme demônio. Ao fundo, uma grande cidade que lembra Nova York aparece em chamas, e no canto superior esquerdo, um ponto de luz azul ilumina uma pequena vila no céu – Nova Jerusalém, obviamente.

No muro exterior de La Ermita está pendurado um enorme cartaz com todas as regras que os habitantes de Nova Jerusalém têm que seguir. Por exemplo, todo mundo tem que ir à missa pelo menos uma vez por dia e fazer parte dos turnos dos cânticos à Virgem no retiro (os cantos acontecem 24 horas por dia, 7 dias por semana). Não é permitido namorar, e claro, casais não podem viver juntos antes do casamento. Desobediência é geralmente punida com multas: não ir à missa custa $12; quem for pego tendo um relacionamento amoroso pode ter que desembolsar até $38.

Em teoria, rádio, TV e internet são proibidos, mas muitas mulheres assistem novela nas televisões de suas casas e essa é uma desobediência semiaberta. Uma loja do outro lado de La Ermita vende uma coleção de DVDs gravados do Padre Nabor discursando e comemorando seu aniversário, bem como de seu funeral e até alguma encenações caseiras impressionantes da aparição da Virgem para Madre Salomé. Compramos todos os que pudemos.

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Há poucas lojas na parte religiosa da cidade e a maioria vende as mesmas coisas: comida, lenços, imagens da Virgem e fotos vagamente assustadoras de Nabor. Todas elas mostram a mesma disposição das imagens de Nabor, Salomé e dos outros profetas. No pé do quadro está a promessa de acreditar nos “três estágios” – o primeiro sendo os tempos de Madre Salomé, o segundo sendo os tempos de Madre María de Jesús e o terceiro sendo os anos de Agapito. Essa promessa também é a primeira regra escrita no cartaz do lado de fora de La Ermita; acreditar na divindade dos profetas de Nova Jerusalém é obrigatório para quem quer morar na cidade.

As pessoas nos arredores da cidade, no entanto, não acreditam nos três estágio – pelo menos não no terceiro – e mesmo sendo difícil conseguir que alguns de seus líderes religiosos falem com pessoas de fora, os dissidentes estavam ansiosos para conversar com qualquer um sobre como a seita foi má e como é importante reconstruir a escola pública que ela destruiu. Combinamos de nos encontrar com alguns deles, e ficamos um pouco surpresos quando o cara que ia nos levar para encontrar os dissidentes apareceu fedendo a álcool e quase não conseguindo andar, já que bebidas alcoólicas são proibidas na cidade.

Ele nos levou para um galpão nos limites da cidade onde fomos recebido por Emiliano, um homem grande que nos contou que era ateu (uma raridade em Nova Jerusalém, mesmo entre os dissidentes) e que aquele era um tipo de centro de reabilitação para pessoas viciadas em religião. Dentro, as paredes foram pintadas à mão com o que parecia ser uma paisagem bíblica e algumas colunas de isopor estavam num canto. Seis pessoas estavam sentadas nas cadeiras de plástico assistindo um vídeo projetado num lençol branco pendurado na parede. O vídeo começava com uma animação gráfica apresentando chamas infernais e as palavras “NOVA JERUSALÉM SOB ATAQUE”, e consistia principalmente da apresentadora queimando os três padres da cidade e gritando com eles por terem destruído a escola e por serem fanáticos religiosos. O pequeno público no galpão aplaudiu em silêncio. Na tela, os padres faziam o melhor para justificar suas ações e falavam sobre a Virgem, mas ficava óbvio que o vídeo não estava do lado deles. Mas se isso estava causando alguma impressão nos “viciados” do galpão era algo mais incerto.

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Os dissidentes da cidade se reúnem em frente ao muro da igreja onde estão as regras da cidade.

No dia da celebração da aparição da virgem, chegamos à igreja dos dissidentes enquanto eles se preparavam para as festividades. O lugar de adoração deles era muito mais modesto que La Ermita, algumas partes ainda estavam por terminar, mas tudo estava muito bem decorado com bandeiras e fitas azuis e brancas. Incenso e fumaça subiam pelo prédio de concreto sem pintura, fazendo com que ele parecesse quase misterioso. As mulheres aqui se vestiam da mesma maneira que as mulheres da parte religiosa da cidade, todas de lenço na cabeça e saias longas. Os homens também estava vestidos bem “decentemente”. A igreja estava lotada e a cerimônia começou dramaticamente quando o prefeito Santiago, o líder dos dissidentes, emergiu da fumaça ladeado por dois outros sacerdotes. Eles realizaram o rito em latim, de costas para o público – foi uma missa tridentina, uma forma de cerimônia que data de antes das reformas adotadas pela Igreja Católica nos anos 60 depois do Segundo Conselho do Vaticano. Como alguns católicos ao redor do mundo, tanto os dissidentes quanto as pessoas mais religiosas de Nova Jerusalém acham que a igreja saiu do caminho depois do Segundo Conselho e não reconhecem a autoridade do Papa atual.

A cerimônia durou em torno de duas horas, com muito cânticos, rezas e leituras de passagens da Bíblia e das mensagens da Virgem comunicadas pela Madre Salomé. Depois de tudo, fomos convidados para almoçar com o resto da comunidade num terreno baldio próximo da igreja. O clima era festivo: música tocava, doces eram distribuídos entre as crianças e duas garotas realizaram uma dança típica. Conhecemos Oscar, um cara eloquente e esperto de 20 e poucos anos nascido em Nova Jerusalém e que se apresentou como o líder jovens dos dissidentes. Ele nos levou para um passeio pelo lado dele da cidade e nos contou a história de como seus pais largaram tudo para se mudar para Nova Jerusalém nos anos 80, atraídos pela promessa de sobreviver ao apocalipse. Ele é parte da segunda geração de Nova Jerusalém, aqueles que não escolheram nascer num ramo ultraconservador e apocalíptico da Igreja Católica e que não estão particularmente felizes com os padres controlando tudo que eles fazem, vestem ou bebem.

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Um garota provoca a outra durante a cerimônia de duas horas de comemoração da aparição da Virgem Maria na igreja dos dissidentes.

Andamos com o Oscar pelo centro da cidade até a agora infame escola, as pessoas gritaram com a gente por estarmos andando com os dissidentes. O clima continua tenso, principalmente graças à luta por educação. Por anos, a única escola de Nova Jerusalém foi controlada pelos padres, que naturalmente ensinavam um currículo bem estreito. Então os dissidentes pediram que o governo construísse uma escola pública que qualquer pessoa pudesse frequentar, mas mesmo esse simples pedido enfureceu tanto a comunidade religiosa que eles atacaram a escola nas primeiras horas da manhã, destruído seis salas de aula com marretas e queimando totalmente outro prédio.

Oscar fui o único a documentar esse ato violento – depois de receber um telefonema avisando do ataque às 5h da manhã, ele correu para a escola com uma câmera e filmou a devastação. Seus vídeos e fotos foram publicados por quase todos os meios de comunicação do México.

Apesar de afirmarem que não ordenaram a destruição da escola, os padres depois justificaram a ação em entrevistas para a imprensa. Padre Luis, um dos sacerdotes principais da igreja, disse a CNN que “o que aconteceu é que (os dissidentes) queriam usar a escola como maneira de proteger a si mesmos, e como uma maneira de introduzir na cidade tudo que é proibido aqui, como moda, imoralidade, vícios, drogas e álcool.” E apenas duas semanas depois de negar nosso pedido para filmar La Ermita, Cruz Cárdenas, a maior autoridade civil da cidade e braço direito do líder Martin de Tours, foi presa suspeita de ter feito parte da destruição da escola.

Parece que depois de décadas deixando a cidade se governar sozinha, as autoridades finalmente prestaram atenção em Nova Jerusalém, como a construção da escola e a presença de policiais armados indica. Tradicionalmente, Nova Jerusalém sempre votou em massa no PRI, o partido político do governador Vallejo, mas agora parece que os dissidentes estão se alinhando ao partido de esquerda PRD, complicando a questão. Para satisfazer as demandas dos dissidentes na esteira da destruição da escola, o governo do estado construiu uma escola primária provisória na cidade mais próxima, que, quando visitamos, estava protegida por um esquadrão de policiais federais armados com metralhadoras e usando coletes à prova de balas.

Nas ruínas da escola, Oscar nos contou que acreditava que “o caminho da liberdade é educar as pessoas, e o caminho da escravidão é manter as pessoas na ignorância.” As taxas de alfabetização na região são alarmantemente baixas e o acesso à mídia parece bem restrito. De muitas maneiras, Nova Jerusalém lembra uma cidade transplantada de um tempo antigo, quando as pessoas acreditavam honestamente em milagres e faziam justiça com as próprias mãos.

Margarita, a etnologista, que voltou à cidade algumas vezes depois do incidente na escola, acredita que os problemas da comunidade vão bem além da disputa atual entre os dissidentes e os ultra religiosos. Ela está preocupada com as consequências da profunda divisão que já dura sete anos, com os 40 anos em que a comunidade educou seus próprios filhos e com a falta de uma liderança forte atualmente. Ela teme que se as autoridades agirem sem cuidado suficiente, a seita pode acabar num cenário Jonestown, onde cometam suicídio em massa ou usem de violência contra eles mesmos ou contra os dissidentes porque acreditam que suas crenças estejam sob ataque. As autoridades estaduais reconheceram publicamente que a prisão de Cruz Cárdenas pode resultar em mais conflitos entre os dois lados da cidade, por isso a presença de policiais armados. Os dissidentes também começaram a realizar rondas noturnas para sua própria segurança.

Voltamos com o Oscar para a igreja dos dissidentes e descobrimos que tínhamos um pneu furado. Não pudemos evitar de fazer piada dizendo que talvez a Virgem não estivesse contente com a nossa presença. Antes de partirmos, conversamos com algumas garotas de saias justas e lenços azuis na cabeça sobre suas vidas. Elas pareciam felizes porém frustradas com tudo o que estava acontecendo. Uma delas disse: “As pessoas religiosas querem encher o céu de gente ignorante e mandar as pessoas sábias para o inferno. É por isso que elas não querem que as pessoas estudem. Mas nós queremos estudar.”

Enquanto trocávamos o pneu, uma adolescente chamada Socorro se aproximou e disse: “Eles ficam dizendo que o fim do mundo está próximo e que por causa disso todos temos que rezar. No começo, quando eles convenceram as pessoas a virem morar aqui, eles disseram que nesta cidade o mundo não ia acabar. Que só acabaria fora daqui. Acho que o mundo não vai acabar. A única coisa que vai acabar somos nós.”