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Filme

Dario Argento

Quando as pessoas falam de terror italiano e giallo, só o fazem por causa do trabalho de uma pessoa: o romano Dario Argento.

Quando as pessoas falam de terror italiano e giallo (que significa—além de um sinal que você está falando com um cinéfilo nerd—“amarelo” ou “suspenses italianos”, um termo tirado da cor amarelada das capas de papel dos livros de cordel de bolso de terror, crime e suspense publicados pela Editora Mondadori, que acabaram ficando conhecidos simplesmente como gialli, ou amarelos), ainda que não estejam cientes disso, só o fazem por causa do trabalho de uma pessoa: o romano Dario Argento. Com seus filmes O Pássaro das Plumas de Cristal (1970), O Gato de Nove Caudas (1971), Quatro Moscas no Veludo Cinza (1970) e, principalmente, sua obra-prima, Prelúdio Para Matar (1975), o ex-crítico de cinema basicamente definiu os parâmetros do gênero giallo: sexy, sangrento, esteticamente deslumbrante, com música meio progressiva. Depois disso, com o delirante Suspiria (1977), Argento se debruçou sobre um terror atordoante, sobrenatural e macabro, se tornando assim mestres em dois estilos, que seguiu explorando com os clássicos A Mansão do Inferno (1980), Tenebre (1982), Phenomena (1985), Terror na Ópera (1987) e muitos outros. Ele fez com que fosse possível esses estilos escaparem da terra dos cinéfilos e cruzassem a fronteira para o mainstream. Seria bom você assistir a todos esses filmes. Mas Argento é muito mais do que o cara que epitomizou dois gêneros muito legais de filme. Depois de ter sido considerado por anos, discutivelmente, um diretor comercial de filmes B, ele é o cara cujo reconhecimento tardio pela crítica tornou concebível se referir a filmes de terror B como arte. Ele também é um dos grandes responsáveis (junto, talvez, com Sergio Leone, com quem co-escreveu a obra-prima do cinema faroeste-spaghetti, Era Uma Vez no Oeste, em 1968) pela redescoberta do cinema italiano como algo a mais que um fornecedor de filmes de arte densos, difíceis e filosóficos, mas também como berço de fantásticos filmes populistas que ultrapassam as fronteiras do filme de gênero.  Ah, e Argento co-escreveu e produziu o melhor filme de zumbi de todos os tempos, O Despertar dos Mortos (1978) de George Romero. E foi ele quem descobriu o Goblin, a banda de rock progressivo seminal de Claudio Simonetti. É tudo coisa do Argento. Nada mal prum cara só.  Recentemente, pegamos um trem para Roma e encontramos o lendário diretor italiano em sua loja-museu. Aqui está nossa conversa. Vice: Como foi o seu primeiro contato com o cinema? Sei que você começou como crítico, mas quais foram os seus primeiros passos para se tornar diretor?
Dario Argento: Meu primeiro contato foi criança, virei um apaixo-nado por cinema. Depois, ainda muito jovem, virei crítico exatamente por causa desse meu conhecimento sobre cinema. Eu era melhor que outros por causa disso. Então comecei a escrever roteiros. Escrevi um filme com Sergio Leone, o Era Uma Vez no Oeste, e depois virei diretor. Tudo aconteceu de forma muito natural.  E o primeiro filme que dirigiu foi O Pássaro das Plumas de Cristal
Sim, e também o escrevi. A princípio pensei que ia escrever para outra pessoa dirigir, mas quando terminei o roteiro decidi que eu mesmo tentaria dirigir. Como viram que tive sucesso como roteirista, confiaram em mim, e eu dirigi.  Como foi com o Era Uma Vez no Oeste?
Conheci o Sergio Leone alguns anos antes. Eu era muito jovem, mas conversamos como cineastas—falamos sobre cinema—e ficamos amigos. Tínhamos uma relação muito boa, apesar da grande diferença de idade. Então, quando ele decidiu fazer o único filme da sua carreira com uma protagonista feminina, não quis trabalhar com seus roteiristas antigos, mas sim com gente nova. Então chamou o Bernardo Bertolucci e eu, e escrevemos aquele filme juntos. A primeira vez que ficou atrás da câmera, fez um gialli. Por que esco-lheu esse gênero?
Tudo surgiu acidentalmente. Meu primeiro filme foi O Pássaro das Plumas de Cristal, que era um bom giallo com uma ideia interessante por trás. Depois dele, foi natural fazer outros, porque me chamavam para fazê-los. E eles funcionavam, faziam sucesso, então continuei. E depois de tudo isso você mudou para a fase do terror sobrenatural. 
Mais uma vez, foi um processo muito natural. Sempre fui apaixonado por cinema e literatura de terror. Meu primeiro filme de terror foi o Suspiria. Em seguida veio A Mansão do Inferno, Phenomena e muitos outros. Estou muito feliz com eles. Gosto de seguir dois caminhos: um de suspense mais naturalista e outro de magia bizarra, delirante.  Quais foram as suas influências?
Hitchcock com certeza, mas também Fritz Lang e o cinema expressionista alemão. Você pode ver isso em Suspiria, que é cheio de homenagens a Kokoschka e Escher. Sem dúvida, Edgar Allan Poe foi o primeiro grande escritor do gênero que conheci na minha vida. Eu era bem jovem e o descobri na biblioteca do meu pai. Mas não posso esquecer Dreyer, Ingmar Bergman, nem do cinema noir americano dos anos 40 e 50, que foi muito interessante para mim.  Em Suspiria você dá muita atenção ao figurino feminino.
As roupas são muito importantes, principalmente para personagens femininos. Dizem muito sobre elas. E o filme é muito particular, tem um fundo lésbico muito forte, mesmo que fique subentendido. É óbvio que existe lesbianismo na Academia de Dança. Por que usou o rock progressivo em suas trilhas sonoras?
Fiz meus três primeiros filmes com Ennio Moriconne. Claro, ele é um mestre, um grande músico e trabalhar com ele foi maravilhoso. Mas meu lado rock’n’roll insistiu que eu deveria trabalhar com outros músicos em Prelúdio Para Matar, que foi o primeiro filme em que trabalhei com o Goblin. Eu tinha ido a Londres encontrar alguns músicos, mas ou estavam ocupados ou tocando outros projetos. Voltei para a Itália bem desapontado. Foi quando meu supervisor musical me fez escutar essa banda nova, Goblin, todos os membros tinham estudado música em conservatório. Eles tinham uma base de música clássica, mas tinham vivido um ano na Inglaterra, tentando abrir portas por lá. Isso tinha sido difícil para eles.  E você gostou deles de cara?
Gostei muito, e apostei neles, mesmo contrariando meu pai, que também era o meu produtor. Ele disse, “Por que trabalhar com uma banda desconhecida? Chame alguém que já é famoso”. Mas tive a sensação de que as coisas dariam certo, e deram. Foi uma ótima experiência, uma relação que mantenho até hoje.  Então seu pai também era o seu produtor e você trabalhou por muitos anos com a sua filha, Asia Argento. Foi fácil trabalhar com a sua família?
Eu sempre trabalhei muito bem com meu pai. Foi uma experiência linda—que infelizmente não durou tanto pois ele adoeceu, ficou mal alguns anos e acabou falecendo. Ele me defendia, me ajudava e, se não estivesse lá comigo, não teria conquistado o que tenho hoje. Quanto a Asia, minha filha, ela conheceu diretores desde pequena e sempre foi muito expressiva, por isso começou a figurar em filmes trabalhando em papeis pequenos quando tinha oito ou nove anos. As participações foram ficando maiores até que dei a ela um papel num filme que produzi, A Catedral, quando tinha 14. Ela interpretou alguns papéis muto difíceis, então pedi para ela atuar para mim outra vez, e fizemos Trauma. Continuamos a fazer vários filmes juntos. É muito raro, no cinema, que um pai e uma filha trabalhem em tantos filmes. Muito raro. Para mim, foi tudo maravilhoso e natural.  Geralmente, as mulheres são figuras centrais nos seus filmes. Você pode me falar sobre isso? Muitos críticos definiram isso como uma obsessão.
Setenta por cento dos meus filmes têm protagonistas femininas. Isso acontece porque me interesso pelas mulheres. Gosto da maneira como se expressam, do jeito delas de serem atrizes, que é diferente dos atores. Atores são mais frios, tímidos, têm mais receio em se soltar. Já atrizes se soltam com muito mais entusiasmo. Elas mergulham no projeto com muito mais facilidade, e o entendem de maneira mais natural. É por isso que trabalho tanto com mulheres nos meus filmes —como prota-gonistas, vítimas, assassinas—em todos os papéis possíveis. E a sua relação com os críticos de cinema? Você começou como um, mas sua relação com eles, no que diz respeito a seus próprios filmes, tem sido complicada, cheia de altos e baixos. 
No começo, fui considerado um diretor “comercial”. Depois de muito tempo, críticos franceses começaram a perceber que meus filmes eram diferentes do padrão e começaram a falar sobre eles. Isso foi da França para a Inglaterra e, em seguida, para os Estados Unidos. Os últimos a entrarem no bonde foram os italianos, e muitos deles ainda consideram meus filmes comerciais. Me pergunto por que são tão teimosos.
É difícil voltar atrás no que se diz.  E a crítica ainda é a mesma de sempre?
De maneira geral, a crítica tem muito menos importância hoje. Hoje ela faz um resumo do filme, conta algumas curiosidades sobre os atores, e é isso. Costumava ser diferente.  O que você acha dessa mudança?
Não gosto do fato de a crítica ter perdido seu poder, que tenha perdido espaço nos jornais, revistas e televisão. Acho isso muito triste. Se estivermos falando de uma crítica interessante, isso é algo que poderia ser importante, que poderia ajudar o público a entender mais. Fico sinceramente triste com isso. O crítico foi excluído da indústria cinematográfica. Você mencionou o seu lado “rockn’n’roll”. Você já teve um estilo de vida hedonista?
Não, não, não. Nunca vivi nada assim. Vivo uma vida bem solitária. Moro sozinho, viajo sozinho. A solidão é o aspecto preferido da minha vida. Sempre foi assim, desde que eu era criança. Não que eu seja chato. Eu vou a concertos, vou a todo lugar, viajo… Mas, sempre que possível, sozinho. Adoro viajar sozinho.

Por quê?
Significa que você não precisa falar com outras pessoas o tempo todo. Eu não tenho necessidade de falar. Mantenho um diálogo dentro da minha cabeça e evito desperdiçar tempo em conversas. Fui à Índia quatro vezes sozinho e foi maravilhoso. Escrever é uma atividade solitária. Você deve ficar feliz enquanto está escrevendo. 
Quando escrevo meus filmes, escrevo sozinho, em um hotel, e é magnífico. Entro de verdade na trama do filme.  Você sempre segue o roteiro à risca quando está filmando?
Algumas vezes faço só o storyboard e em outras prefiro trabalhar com uma lista de planos. Mas, ultimamente, estou sentindo a emoção da improvisação. Tenho tudo claro na minha cabeça, mas deixo que os atores me influenciem.  Você gosta de trabalhar com atores?
No começo não gostava. Trabalhava com eles, mas achava que era uma grande perda de tempo. Depois comecei a gostar deles, a gostar do que eles trazem para o filme—as emoções que eles podem trazer para a tela. Me fale sobre a sua parceria com o George Romero.
Somos amigos desde que nos encontramos em Nova York, há muitos anos. Desde o primeiro momento decidimos que faríamos algo juntos. Foi assim que começamos a trabalhar em O Despertar dos Mortos. Fizemos um bom trabalho naquele filme.  Você está sendo modesto.
Ele veio a Roma para escrever o roteiro. Não acreditou muito no tema no começo, mas nos entrosamos bem e acabou dando certo. Depois, trabalhamos juntos em Dois Olhos Satânicos. Fizemos dois episódios diferentes, os dois tirados de Edgar Allan Poe, nosso mestre. Era para ter um terceiro também, dirigido por Stephen King, mas ele resolveu não fazer de última hora. Uma pena, teria ficado ótimo. Ele queria fazer O Coração DenunciadorUau! Teria sido bem interessante.
Ah, e minha a filha, Asia, também fez um filme com o George. Como chamava… Terra dos Mortos? Então sim, éramos praticamente uma família.  O que você acha do ressurgimento recente do gênero zumbi?
Os zumbis de agora não têm o mesmo estilo. Esses filmes são mais comerciais, mais simples e mais negligentes. Acho que só são feitos para vender DVDs. E agora, os zumbis correm. Você prefere os zumbis que correm ou que andam?
Acho o zumbi que anda mais assustador do que o que corre. Ele é lento e imbatível. Isso é assustador.  E no geral, o que você acha dessa fixação recente de Hollywood em refilmar clássicos do terror?
Acho que talvez façam isso por falta de ideias. É o único motivo. Eles viram que os filmes de terror vendem, então decidiram refazer os clássicos. Estão refilmando Suspiria, que deve estrear logo. Vão produzir As Plumas de Cristal no ano que vem. Eu pensei em refazer alguns filmes meus, mas não gosto da ideia, só faria se uma situação muito específica pedisse. Michael Haneke refez o Violência Gratuita igualzinho, quadro a quadro, porque os americanos não assistem a filmes legendados e ele quis que o longa alcançasse uma audiência maior. Você acha isso válido?
Não, isso não me atrai muito. É muito mecânico, muito artificial. Eu vivo no meu mundo e meu mundo é feito de um jeito. Eu não ligo para o resto. Você disse que a realização de Terror na Ópera foi a época mais difícil da sua vida.
Sim, pelos motivos mais estranhos. O filme é baseado em Macbeth, de Verdi e, como todos na indústria do entretenimento sabem, Macbeth é amaldiçoada. Todo mundo disse para eu não fazer aquela ópera, mas para me basear em La Traviata ou em alguma outra. Mas eu queria fazer Macbeth, então fiz Macbeth. Devo dizer que muitas coisas aconteceram naquela filmagem—talvez não devesse ter feito mesmo. Briguei com a atriz o tempo todo, depois meu pai morreu, aí o ator inglês teve um acidente de carro e teve que ficar de fora do set por um mês e meio. Foi tanta coisa acontecendo que alguém da produção mandou fazer um mural no qual poderíamos listar todas as coisas terríveis que aconteceram. Lá pela metade das filmagens já tínhamos preenchido tudo. Então agora você acha que Macbeth é amaldiçoada?
Acho que Macbeth me trouxe muito azar. Quando você revê sua filmografia, Terror na Ópera é o filme que te trás as recordações menos prazerosas?
Não, não. Terror na Ópera é uma boa lembrança agora. Me arruinou, e quando acabou a produção, decidi ir embora. O filme tinha acabado de sair e larguei tudo e fui para a Índia em busca de um pouco de espiritualidade. Esqueci do filme. Antes de voltar para a Itália, passei por Los Angeles e no dia em que cheguei, encontrei um amigo inglês que era crítico de cinema. Ele me abraçou e disse, “Que filme ótimo você fez! É um dos melhores!”. Eu pensei, “Uau, talvez seja verdade”. Então, aos poucos, retomei minha vida. Voltei para a Itália feliz e satisfeito. Hoje, Terror na Ópera é um dos filmes que eu mais gosto. Não sei qual gosto menos. Talvez seja O Gato de Nove Caudas. Suas cenas de morte são famosas por serem extramemente bem coreografadas. Você tem alguma favorita?
Eu fiz tantas. Me dedico muito a elas, são como um ritual. Não conseguiria dizer qual das minhas cenas de morte é a mais interessante. São muitas! Soaria como falta de respeito com as outras. Não posso escolher. O que você quer dizer com “rituais”?
As cenas de morte nos meus filmes não são assustadoras.  Fala sério.
Na verdade, sim, são assustadoras. Mas não são reais, não tão reais como as que aparecem na TV. São invenções. São como rituais pagãos ou astecas, nos quais pessoas eram decapitadas e devoradas vivas, e todo mundo era alegre, todos tinham prazer no sangue. É uma representação, não uma realidade. Você se assusta com seus filmes?
Não, eu não. Tenho medo deles quando os escrevo, mas quando ficam prontos, não me assustam mais.