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Música

Underworld e a Construção da Geração EDM

Batemos um papo com Karl Hyde e Rick Smith, a dupla responsável por levar a música eletrônica dos clubes até o grande público.
Underworld, Londres, 1994.

Para o Underworld, a ideia da sua própria relevância soa irreal. Tendo passado mais de 30 anos subvertendo o conceito que temos de "banda", Karl Hyde e Rick Smith, com seus contínuos experimentos na dance music, criaram músicas dentro de praticamente todos os gêneros que rolam nas pistas.

O inovador disco de 1994, Dubnobasswithmyheadman, foi lançado depois de a dupla passar uma década fazendo experimentos com o electro-pop sob o nome The Screen Gemz. O disco é um coquetel inebriante de músicas que não são exatamente mú-si-cas. Funcionam na pista, mas também possuem estrutura, melodia e, às vezes, um lirismo aparentemente aleatório, que está entremeado em todo o álbum. Com o peso do seu passado musical, reforçado pela parceria com Darren Emerson, um dos DJs mais populares da época, o Underworld, para muitos, era a epítome da dance music de meados dos anos 90.  Elementos de techno, house, jungle e trance, além de uma fascinação infinita pelo Kraftwerk, filtrados em sua música, trouxeram como resultado o inevitável single "Born Slippy.NUXX" (incluído na trilha sonora de Trainspotting, de Danny Boyle) que desaguou no segundo disco, Beaucoup Fish, de 1998.

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Com a edição de luxo com cinco CDs de Dubnobasswithmyheadman pronta para ser lançada, parece que, passadas duas décadas, o Underworld é uma autoridade no que diz respeito a levar a música eletrônica dos clubes até o grande público. Nos encontramos com Hyde e Smith para conversar sobre a sensação de revisitar antigos trabalhos, a relação entre drogas e a cena musical e como foi ser vanguarda no que diz respeito a eventos de dance music em estádios.

THUMP: Duas décadas após sua concepção, qual é a sensação de revisitar Dubnobasswithmyheadman?
Karl Hyde: O disco mudou de endereço. Fomos lá e não o encontramos, tem outro negócio lá agora [risos]. É uma lanchonete.

Então vocês veem essas músicas de um jeito diferente, agora que elas e vocês mesmos estão mais maduros?
Rick Smith: Sim, claro. Não é uma boa ideia tentar permanecer naquela época, 20 anos atrás. Rola uma mistura de emoções, sabe? Às vezes é um pouco desagradável, porque mudar, seguir em frente e criar algo novo faz parte da nossa natureza, mas ao mesmo tempo é um disco que amamos e é estranho voltar a ele depois de tanto tempo. Não esperávamos por isso de jeito nenhum…

Karl Hyde: Nunca fizemos parte de uma banda como esta antes. Parece algo bobo de dizer, mas é verdade. Nunca estivemos em uma banda por tanto tempo, nem tivemos esse tipo de apoio e fãs por tanto tempo como acontece com o Underworld. É um mar pelo qual nunca navegamos, sabe?

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Acho que, na época, a música eletrônica ainda estava se familiarizando com uma escala comercial mais ampla e com a estrutura de uma "banda"…
KH: É, estava. De certa forma, foi a era pré-explosão do "DJ Superstar". Tinha raves ilegais imensas para milhares de pessoas, era demais. Tinham várias casas noturnas incríveis e grupos como o Junior Boys Own, que estava organizando festas realmente bacanas. A dance music tocava no rádio, como acontecia desde os anos 50 – uma versão de dance music -  mas o estilo ainda não tinha se transformado nessa coisa sólida que é hoje. Todo mundo nos dizia "vai acabar logo", mas as coisas continuaram acontecendo!

É interessante que agora, 20 anos depois, parece ter surgido uma segunda ou mesmo terceira onda da cultura rave, com uma pegada americana…
KH: Eles finalmente entenderam, né? Sim. Muitos de nós tentamos, e eles decidiram que o fariam no tempo deles e agora o movimento é enorme por lá.

RS: Imenso.

KH: Eles costumam fazer as coisas em grande escala. Bom para eles.

Quais são as recordações mais marcantes que vocês têm dessa época, da cena eletrônica dos anos 90?
RS: Se fossemos entrar em detalhes, ficaríamos aqui uns seis meses relembrando momentos e coisas. Mas de maneira geral, pareceu um tempo curto. Era questão de poucos anos até que o panorama mudasse, bem como a nossa natureza e a das coisas com as quais estávamos ligados. Assim que começamos a tocar ao vivo, nossa história e nossas vidas começaram a mudar rápido. Claro, somos caras mais velhos, então temos algumas lembranças gloriosas de quando diferentes estilos de dance music não tinham nome. Você ia à uma casa noturna e o DJ tocava house, techno, electro, funk, hip hop e jungle, não era raro ouvir misturas. Acho fascinante que a dance music tenha se tornado tão segmentada tão rapidamente. As pessoas começavam a curtir determinada coisa e todo o resto era banido, a não ser aquele som específico. Agora tem essa revolução na comunicação acontecendo no mundo e a molecada está bem mais aberta a diferentes gêneros. É um pouco estranho porque o jeito que eu amava ouvir música quando frequentava os clubes tem muito mais a ver com os dias de hoje. Funciona assim na cabeça dos meus filhos. Minha filha ama dance music, pode ser qualquer gênero, em qualquer casa noturna – ela só quer que a experiência seja real e empolgante. Isso não mudou.

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Passados 20 anos, você acha que os temas do álbum ainda são atuais? Parece que a dance music moderna dá menos importância às letras…
KH: Acho que, liricamente falando, a coisa anda meio sem graça. Voltamos ao modelo chiclete dos anos 50, palavras que só se encaixam nas batidas. Quando a gente começou tinha muito disso. Soou ótimo por um tempo, e quisemos nos afastar disso. Frases curtas e pouco profundas, geralmente com uma mensagem muito positiva, de afirmação, mas só. As pessoas estavam ali para se divertir e as letras falavam disso. Acho que optamos por não fazer isso porque não queríamos que as palavras fossem a primeira coisa a chamar a atenção. Não estávamos compondo músicas de protesto, a questão era a melodia, a batida e como elas faziam você se sentir. E depois, ao fundo, estavam algumas palavras que poderiam te dizer alguma coisa e ser tão específicas ou não-específicas quanto você quisesse.

Que importância vocês acham que as drogas tiveram para o desenvolvimento da cultura?
KH: Ahhh, nenhuma [risos]. Era óbvio que nos lugares onde tocávamos, os ânimos estavam alterados pelas substâncias que as pessoas estavam ingerindo. Cresci em casas noturnas e, quando eu era criança, as pessoas bebiam muito. Isso criava um certo tipo de humor. Quando entramos para a cena clubber, sabíamos qual era a droga da época pelo humor do público e, por muito tempo, foi uma galera bem feliz. Então é realmente bom se comunicar com pessoas que estão felizes do que com gente violenta.

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RS: É, era isso que eu pensava a maior parte do tempo: a atmosfera era fantástica. Independentemente de onde estivéssemos ou em que clube iríamos tocar - fosse o Milk Bar no seu início, ou no Sound Shaft. Depois começamos a fazer shows e sempre tinha esse clima incrível de celebração e alegria. Nunca testemunhamos atos de violência, e esse não era o mundo em que estávamos acostumados a viver. Nos anos 80 a coisa era muito mais… Bem, não era como a gente estava acostumado, e é engraçado como a mídia mostrava essa época de forma pouco gentil. A gente recebia muitos pedidos para compor para o cinema por volta de 93, 94, e sempre eram coisas do tipo "podemos usar sua música na cena em que o traficante atira no rapaz, ou uma garota morre com uma facada?". A gente só pensava: "O quê? Tipo, que clubes eles andam frequentando?".

KH: Era uma visão alienígena da cena.

Underworld, Londres, 199

4.

Eu lembro que a BBC usava Prodigy como música de fundo em EastEnders sempre que havia uma cena em uma casa noturna, ou quando algum jovem fazia algo condenável…

RS: É disso que eu falo…

KH: Ah, pobre Prodigy, o que eles têm a ver com esse tipo de coisa? Vi muito mais violência na minha juventude indo a shows de rock do que em eventos dance. E mesmo assim, quando havia algum incidente, era porque a pessoa tinha tomado alguma droga particularmente pesada ou porque estavam bêbadas. Na verdade, 95% das vezes, a pessoa estava bêbada. A outra coisa é que nem todo mundo usava drogas nos clubes onde a gente tocava, mas elas permeavam a atmosfera do lugar. Era uma vibe boa, de boa vontade, todo mundo queria que os outros se divertissem – porque se os outros se divertissem, você se divertia também. Todo mundo estava se divertindo!

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Vocês se mantêm informados sobre a música eletrônica atual?
KH: Não.

RS: Não, não tenho tempo. Passo por fases em que eu tenho tempo, em que o tempo e a vontade se encontram, mas o cenário não parece muito diferentemente daquele [cenário] de quando eu era mais novo tem muita merda hoje, então é preciso tempo para garimpar e achar as pedras preciosas que existem. Tem coisas extraordinárias, bem empolgantes por aí.

KH: Geralmente tenho que confiar em amigos, como sempre foi. Sabe, aquela conversa: "O que você tem ouvido?". Daí te mandam alguma coisa e você pensa 'não gostei muito', e continua tentando até que alguém manda algo que te faz dizer: "Uau! Isso me toca. O que é?".

RS: Mas eu nunca gostei só de dance music, e isso não mudou. Tem um duo de punk chamado Slaves, e eu achei essa demo chamada Debbie Where's Your Car [canta] "Debbie where's your car / where's yer car Debbie!". Daí fui pesquisar sobre eles no Google e achei algumas coisas de que gostei. Eu tenho uma versão disso, na minha cabeça, com um groove que soaria bem nas caixas de som de uma casa noturna, contrastando com o som metálico do rock.

Qual é a opinião de vocês sobre o termo EDM?
KH: Bem, foi o que estourou, não foi? Foi o EDM que chegou aos estádios, coisa para a qual sempre fomos cotados. "Ah, eles vão ser o primeiro grupo de dance music a tocar em estádios", etc. E o que alcançou esse marco acabou sendo esse tal "EDM", que é uma evolução do que a gente fazia. Representa algo, assim como o termo "eletronica". Na verdade, eu realmente não gosto do termo "eletronica", mas não tenho problemas com "EDM", já que é a sigla pra "Electronic Dance Music", o que faz sentido. Mas o que é "eletronica"? Soa como uma coleção de objetos que a sua avó guarda no aparador.

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RS: Mas são só termos, sabe? Termos que historicamente irritam artistas. É isso o que são.  Na verdade, tem uma frase do Orson Welles: "Um artista sempre deve estar em descompasso com seu tempo". Mas óbvio que não é assim que se ganha dinheiro. Mas quando se fala sobre o grande sucesso do EDM, não se fala das emoções ou do espírito do gênero, e sim sobre dinheiro, pessoas, o peso dos números, e há muito desse peso em regiões pouquíssimo saudáveis do mundo. Mas se as multidões estão se divertindo, isso é fantástico.

KH: Sempre fomos conhecidos por mudar. Se começassem a dizer que tocávamos trance, passávamos pro jungle. Se dissessem que fazíamos jungle, mudávamos pro techno. Não porque quiséssemos abandonar o barco, mas por causa da ideia de estar atrelado a um rótulo. Se você começa a acreditar nele, acaba fechando as portas para oportunidades, e a gente tentou não cair nessa.

Tem alguma experiência especial que vocês viveram como público e sobre a qual poderiam nos contar?
KH: Sim, não me lembro qual! [risos]

RS: O Milk Bar. Teve uma noite em que o Darren (Emerson, ex-parceiro de produção do Underworld) estava tocando e para mim foi muito tocante e forte. Mas isso me tocou como criatura criativa, minha lembrança não é a de um momento de abandono, tipo louco e sem camisa, como eu fiquei anos antes vendo o The Clash tocar. Não foi esse tipo de experiência. Foi muito mais mental, e o que eu vivi naquela noite me acompanhou por muitos anos. Também teve um show. A gente tocou no Reading Festival, nos anos 90, e eu tenho muitas memórias viscerais da emoção e da energia da ocasião.

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Vocês acham que a indústria da dance music está mais ou menos restrita em comparação a quando vocês lançaram Dubnobasswithyourheadman?
RS: O panorama está completamente diferente. É só o que posso dizer com certeza, e que certas coisas nunca mudam: a natureza humana, determinadas atitudes…

KH: Mas naquela época algumas coisas eram bem fechadas. Havia coisas que diziam para não fazermos, mas daí a gente fez e, depois disso, outras pessoas ouviram um conselho, tipo: "Você deve fazer isso se quiser se dar bem". Mas isso faz parte da indústria musical desde antes de fazermos parte dela. Existe essa postura de "é assim que se faz", "é desse jeito que se entra no mercado" e "isso é o que se deve fazer pra ganhar muito dinheiro…" E também existem pessoas que seguem seus corações e essa atitude funciona, enquanto outras fazem o mesmo e não dá certo. A questão do tempo e do lugar também é importante. Na ocasião a gente não sabia que tinha uma galera aberta à ideia do nosso trabalho.

RS: Foi um grande choque. Ouvir seu trabalho no rádio enquanto toma café da manhã -  cara, que é isso? É bem estranho. Mas a gente se acostumou rápido [risos]. Agora temos uma revolução na comunicação comparável à revolução industrial, então independente do que seja, bancos, seguros, moradia, música, dance music – as coisas não são mais as mesmas. É empolgante e um pouco assustador para muita gente, eu acho.

KH: Não quando você é jovem. Quando você é jovem, acha divertido, não leva muito a sério.

Por último, e esse título? Qual é a ideia por trás das palavras que dão nome ao disco?
RS: Sim. "Dub-no-bass-with-my-head-man". Nos anos 90, era legal usar "não-títulos" como título das suas músicas. Mesmo as gravações eram muito coisa do momento, o Karl não gravava um vocal dez vezes, não trabalhávamos dessa forma, de um jeito digamos tradicional. O título das músicas vinha de algum outro lugar. Foi uma corrente de palavras que me veio à mente e que eu provavelmente achei divertida.

KH: Acho que o título original era "Dubmorebasswithmyheadman" ou algo assim, mas eu entendi errado e você falou "Opa, isso é bom…", e foi isso. Uma das coisas que eu realmente me arrependo de ter mudado é o fato de que a gente não publicava as nossas letras. A beleza disso é que cada indivíduo tem a chance de decidir por si o que está sendo dito, e as pessoas ouvem as coisas de formas diferentes. Eu não consigo lembrar de nenhuma letra mal interpretada que não fosse melhor que a original ou, no mínimo, tão interessante quanto. Eu dizia: "Ah, isso é lindo, é seu ponto de vista, obrigado". E as pessoas achavam que eu estava rindo da cara delas, mas era desse jeito que curtíamos uma nova versão das nossas músicas. Não existe uma versão definitiva. Existe a minha, a do Rick, mas você pode ter ouvido outra coisa.

Você pode comprar a edição de luxo do Dubnobasswithyourheadman com 5 CDs aqui.

Siga o Louis no Twitter: @LouisMusikal

Tradução: Fernanda Botta