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Por que o HAL Laboratory só faz jogos para a Nintendo?

O estúdio por trás de Kirby e Smash Bros. era uma desenvolvedora independente. E aí o cult 'Metal Slader Glory' aconteceu.
Imagem capturada pelo autor.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

Apesar de hoje ser conhecido principalmente como um grande sócio da Nintendo, é fácil esquecer que o HAL Laboratory começou como uma desenvolvedora e publicadora independente de videogames no final dos anos 1980 e começo dos 90. Era um estúdio pequeno nos primórdios, mas mesmo então a equipe alcançou um número decente de sucessos. A Nintendo confiou a eles o desenvolvimento de vários jogos de NES, como Golf e Balloon Fight. Eles começaram a publicar jogos de outros estúdios no começo de 1987 (a versão pro NES de Stargate) e mais tarde, em 1991 (Kabuki: Quantum Fighter). Para o observador normal na época, não parecia haver razão para o HAL entrar numa sociedade como a que o estúdio tem atualmente com a Nintendo.

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Mas nos bastidores, o sucesso crescente da empresa trouxe novas pressões que eram difíceis de superar. Os desenvolvedores da HAL não sentiam que tinham o tempo que precisavam para fazer os jogos da melhor maneira possível. As vendas muitas vezes mostravam isso: seus jogos não estavam vendendo o suficiente para cobrir os custos de desenvolvimento. Isso acabou atingindo um pico no começo dos anos 90, quando a empresa quase declarou falência — com só uma sociedade com a Nintendo para salvá-los no final.

No meio de tudo isso está Metal Slader Glory. O jogo faz a ponte entre o crescimento do HAL em 1987 e os últimos dias da empresa como publicadora em 1991. Inclusive foi o último título que a empresa publicou independentemente. Por causa disso, o jogo frequentemente é apontado como uma das maiores causas da transição do HAL de empresa independente para sócio exclusivo da Nintendo.

Bom, pelo menos esse é o papo entre desenvolvedores japoneses. Metal Slader Glory e o papel que o jogo teve na HAL não são tão conhecidos fora do Japão. Felizmente, uma entrevista que conduzi por Skype com Yoshimiru Hoshi — o diretor criativo do jogo — explicou um pouco sobre o desenvolvimento do game e a relação do HAL com ele.

Acima:

Cenas do remake para o Super Famicom.

Apesar de ter trabalhado com o HAL em jogos educativos menores como Gall Force e Fire Bam, Yoshimiru era mais conhecido por seu trabalho com mangá. Na verdade, Metal Slader Glory originalmente se baseava numa história que ele escreveu para um mangá chamado Fixallia. O mangá em si foi cancelado antes que ele pudesse concluir a história, e ele sempre quis contar uma versão mais completa disso.

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O HAL deu a ele essa oportunidade em 1987. Como explicou na entrevista, ele tinha controle criativo total do projeto. “O HAL era uma organização de marketing, eu era o diretor e a origem da ideia”, disse Yoshimiru. “O HAL me forneceu uma equipe de desenvolvimento com programadores, e eu entrei para 'dirigir' a equipe. Fiz os cenários e tomei as decisões de gráfico e criativas, mas não estava envolvido na programação nem na música.”

Ele elaborou ainda que a equipe se separou depois de terminar Metal Slader Glory, e que a Nintendo montou uma equipe nova para fazer o remake do jogo para o SNES. Um e-mail separado que mandei para o HAL corrobora isso, já que eles não conseguiram me colocar em contato com ninguém que tinha trabalhado no jogo. Em contraste, Yoshimiru continuou trabalhando nos temas de Metal Slader Glory em muitos de seus trabalhos, até ignorando o mangá de 1995 ou o remake Director's Cut para o Super Nintendo. Ele descreve o jogo como “o trabalho de sua vida”.

Vendo o projeto concluído, é fácil entender por que ele revisita o jogo tanto assim. Por um lado, o título tem uma escala grande e ambiciosa. O enredo vai escalando até uma (literal) resistência subterrânea, uma espécie alienígena ameaçando o cosmos, uma batalha climática contra forças extraterrestres.

Ainda assim, por mais bombástico que o enredo seja, ele ainda oferece uma história muito humana. Conversas comuns e pessoais avançam a ação em vez de grandes revelações, e a premissa principal mostra uma família de três pessoas tentando encontrar o pai e descobrir o significado da mensagem que ele deixou: “A TERRA ESTÁ EM PERIGO… PROCUREM O CRIADOR”.

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No meio da jornada, quando as pistas começam a esfriar, os adultos do grupo imaginam se vale mesmo a pena procurá-lo. No final nas contas, Azusa é muito jovem para lembrar o tempo em que o pai estava com ela, como a própria confirma quando eles perguntam. Mas ela mantém a equipe motivada mesmo assim, dizendo que o pai deve estar em algum lugar entre as estrelas. Enquanto videogames com um foco pessoal desse tipo são comuns em jogos para PC, eles eram bem menos comuns em console, onde as histórias tendiam a depender de apostas mais altas.

Metal Slader Glory também era ambicioso em termos de produção. Yoshimiru passou quatro anos trabalhando no jogo para o HAL. Ele passou o primeiro ano planejando os maiores elementos, como história, cenários específicos, desenhando a arte, etc. Os três anos restantes foram devotados a codificação e convertendo os desenhos em algo que o NES pudesse renderizar. Yoshimiry lamenta a quantidade de tempo que passou desenvolvendo o jogo, e todo o sono que perdeu nessa época.

Ele também expressou frustração com as limitações que o Famicom impunha no que ele podia fazer artisticamente. A principal sendo limitação de memória. Mesmo sendo o jogo mais longo da Famicom, Yoshimiru ainda teve que cortar várias cenas para enfiar o jogo no espaço limitado que o sistema proporcionava.

E a arte que conseguiu entrar no jogo foi significantemente comprometida. Supondo que você sabe como os gráficos da Famicom funcionam, você pode achar que estou falando das limitações de paletas de cores do sistema, mas Yoshimiru nunca mencionou isso na entrevista. Afinal de contas, renderizar seu jogo na base de painel para painel permitia que a equipe escolhesse as cores exigidas pela cena.

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O que ele mencionou foi o mapa de pixels. Como ele colocou na entrevista: “não havia espaço para 'desenho livre' [ou seja, ele não conseguia desenhar curvas e linhas retas como fazia com lápis e papel], tínhamos que pensar nesse mapa grosseiro de pixels”. Isso limitou a quantidade de detalhes que ele podia renderizar, e ele diz se arrepender de não poder contar a história de Metal Slader Glory tão detalhadamente quanto queria. Felizmente, a Nintendo ofereceu a ele uma segunda chance em 2000 com uma Versão do Diretor para Super Famicom, que permitiu que ele introduzisse as cenas que foi obrigado a cortar e limpasse o trabalho de arte original.

Metal Slader Glory vendeu mal (as vendas não conseguiram nem cobrir o orçamento de publicidade do jogo) e os dias do HAL como publicadora independente acabaram. Mas o fracasso financeiro do jogo não foi tão direto quanto pareceu inicialmente. Obviamente, a produção do jogo teve um papel nisso. O ciclo de desenvolvimento de quatro anos tornou o jogo caro demais para produzir, e a tecnologia exigida para fazê-los só piorou a questão.

Acima:

O jogo mostrado no Game Center CX.

Apesar do chip MMC-5 ter tornado o intrincado trabalho de arte possível, ele também deixou o jogo mais caro. A Nintendo acabou vendendo um número limitado de placas de computador com desconto de 15.000 ienes por placa para que o HAL pudesse vender Metal Slader Glory a um preço competitivo.

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Se a Nintendo limitou o número de placas porque não podia bancar mais esse preço, ou porque a alta demanda entre desenvolvedores criava uma oferta menor, é difícil dizer. (A Nintendo tinha uma demanda especialmente alta pelo chip MMC-5. Super Mario Bros. 3, outro jogo que usava o chip, foi lançado nos EUA um ano antes de Metal Slader Glory no Japão, e na região PAL um dia antes.) Seja qual tenha sido a causa, o efeito foi o mesmo: o HAL conseguiu vender poucas cópias do jogo.

A produção não foi o único problema enfrentado por Metal Slader Glory. Na verdade, Yoshimiru lembra de opiniões divididas dos críticos na época. Os jogadores geralmente gostavam do game, mas por causa de como ele passava por gêneros convencionalmente aceitos de videogames (“Dependendo da cena, o jogo tinha cenários tipo masmorras, em outras parecia um jogo de tiro”, ele explica), os críticos da época acharam difícil entender onde encaixar o jogo.

As notas nas revistas da época variam; a Famicom Magazine deu 3-4 de 5, enquanto a Famitsu deu uma nota de menos 20. Juntando isso com o lançamento do Super Famicom e também de grandes jogos como Final Fantasy IV no começo daquele ano, era difícil para Metal Slader Glory se destacar e fazer um nome.

“Os críticos da época acharam difícil entender onde encaixar o jogo.”

Mas Metal Slader Glory está longe de ser um jogo subestimado que acabou com os dias de criação independente do HAL. Na história desse jogo há uma mensagem de empoderamento para criadores de videogames do mundo todo. Mesmo sendo um fracasso financeiro, o título deu a um artista de mangá a chance de ver sua visão se realizar com o melhor de suas habilidades.

Além disso, o que aconteceu com o jogo depois de seu lançamento não parece deprimir Yoshimiru. Ele ainda incorpora Metal Slader Glory em muitos de seus trabalhos e faz isso porque o jogo significa muito para ele. Ele terminou a entrevista dizendo: “Acho que Metal Slader Glory é o trabalho da minha vida. Então os fãs podem continuar me seguindo e desfrutando dele. Não só fãs japoneses, mas também os fãs do exterior que jogaram Metal Slader Glory traduzido por alguém”. Quando eu disse, depois da entrevista, que fãs estavam mesmo trabalhando numa tradução do jogo, ele ficou feliz com a notícia, mesmo preferindo que a tradução fosse feita por canais mais legítimos.

Metal Slader Glory, independente de toda sua infâmia e status incompreendido na história dos videogames, é prova de que um jogo não precisa de sucesso financeiro ou aclamação imediata da crítica para ter valor. É suficiente que a pessoa que o criou esteja contente com o trabalho que colocou nele.

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