Julgando meus discos: Paul Banks ranqueia os cinco discos do Interpol

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Julgando meus discos: Paul Banks ranqueia os cinco discos do Interpol

O cantor, letrista, guitarrista e baixista reflete sobre o processo de criação ao longo de dezesseis anos de banda.

Na série Julgando meus discos, conversamos com artistas que lançaram discografias substanciais e pedimos que elenquem cada lançamento por ordem de preferência.

Desde que o Interpol lançou seu Turn On The Bright Lights em 2002, os caras são tidos como ícones do indie rock deprê, o que é fato até certo ponto. Suas canções atmosféricas de clima carregado podem mesmo serem repletas de trevas e niilismo existencial – o que logo de cara lhes rendeu comparações ao Joy Division. Mas 16 anos depois do disco, o Interpol – hoje composto pelo vocalista/guitarrista/baixista Paul Banks, guitarrista Daniel Kessler e baterista Sam Fogarino – mostra evolução e aprimoramento constantes de sua sonoridade.

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De acordo com Banks, o novo álbum do Interpol, Marauder, mostra uma banda mais empolgada e enérgica do que nunca. Trata-se de seu sexto disco de estúdio e o segundo após a saída de seu antigo baixista Carlos Dengler, que deixou a banda após o lançamento de seu quarto disco, este autointitulado, lançado em 2010. Nas palavras de Banks, foi o disco mais fácil que a banda fez em toda a sua carreira, critério adotado por ele nesta lista, que afirmou ser incapaz de “conceitualizar isto em termos de melhores e piores”.

“Acredito que você queira sofrer pela sua arte, mas ao mesmo tempo há um sofrimento produtivo e também um desperdício de energia desnecessário; foi aí que conseguimos retirar os excessos", diz. "Há uma menor tensão criativa entre nós, há uma comunicação melhor e um clima generalizado de boa vontade. Nenhum de nós está enfiado de cabeça nas drogas, pirando nisso ou naquilo. Estamos nos mantendo saudáveis e felizes ao máximo, o que nos permite pegar tudo que aprendemos até então para criar um bom disco.”

Noisey: A primeira coisa que me chamou atenção neste disco foi a capa porque, seja lá qual for o motivo, ela simplesmente não parece uma capa do Interpol.

Paul Banks: E é disso que eu gosto. Lembro de ter ficado especialmente satisfeito com a arte deste disco, coisa que se mantém até hoje. Digo, são uns leões derrubando uma gazela, o que está longe de ser uma retratação feliz da natureza; como artista, gosto mesmo de brincar com expectativas, é como se estas fossem um suéter que me deixa com coceira, sabe? A partir do momento que a pessoa acha que sacou nossa estética, sou o cara que chega e diz: “Não, você está errado. Não pode nos enquadrar nisso aí não.” Logo, sinto esta ideia de vida selvagem e a natureza na capa – por mais que estejamos falando de taxidermia, o que adiciona ainda mais uma camada a tudo isso – como algo com o qual me sinto bastante à vontade. Não houve dúvidas de que deveríamos nos afastar daquilo pelo que éramos conhecidos, esteticamente falando. Foi algo que certamente rompeu com o modelo pelo qual éramos conhecidos visualmente.

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Foi também o primeiro e único disco da banda lançado por uma grande gravadora. De alguma forma isso afetou a composição do disco e botou ainda uma pressão maior em cima da banda?

Com certeza. E acredito que essas sejam razões pelas quais é o disco na pior posição. Não tem nada a ver com a música criada aqui, mas sim com o processo de criação dele, que foi estressante. Foi desagradável pra mim, mas o problema nem era tanto a pressão de uma grande gravadora. Acredito que a pressão maior sempre rola no segundo disco – mas vamos chegar lá ainda. O porém é que tínhamos uma boa maneira de driblar esse estresse. Com Our Love To Admire eu tinha acabado de largar a bebida, então foi o primeiro disco que compus sem estar enlouquecido e acho que isso serviu como aprendizado pra mim – aprender a compor e encontrar inspiração em uma nova paisagem mental. E o motivo pelo qual foi complicado pra mim – e faz parte de estar em uma grande gravadora – é que passamos meses em estúdio. Teve um determinado ponto em que passei 88 de 90 dias em estúdio trabalhando neste disco, o que é algo completamente imbecil, ainda mais considerando que foram só os vocais. O que me tomou 88 dias naquela época poderia ser feito em cinco hoje, acredito. Por essas e outras o disco fica nesta posição; sinto muito orgulho da música criada aqui, mas foi trabalho demais e imagino que a culpa disso seja minha mesmo, criando obstáculos e dificultando tudo, e mesmo assim é uma experiência que considero indispensável para o meu aprendizado como compositor. Quando noto que o estresse vem ficando grande, sei como agir. Digamos que eu ia com tudo pra essa estrada que levava ao estresse profundo e hoje sei reconhecer os sinais e evito me afundar nessa.

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Este foi o último disco que Carlos gravou conosco. Por vezes eu penso no que Louis C.K. já falou sobre divórcio, que tinha gente que chegava nele e lamentava por sua separação e ele respondia: “cara, você devia ficar feliz pelo divórcio e triste pelos dois anos antes dele – aquilo sim foi uma merda.” E Carlos não saiu da banda sem mais nem menos. Um longo e tortuoso caminho foi percorrido até chegar nesse ponto; fomos uma banda bem torta ao fazer esse disco, tinha um clima ruim rolando. E por um lado, creio que parte do motivo de sermos uma excelente banda com Carlos era justamente essa tensão e desacordos que pode levar a resultados mágicos. O problema mesmo é o sofrimento desnecessário que rola quando as pessoas não estão lá muito felizes com o que está rolando e creio que tenhamos sofrido bastante com isso nesse disco. Eu estava um pouco confuso com o tipo de música que estávamos fazendo, por mais que acredite que o que rolou nesse disco acabou rendendo alguns de nossos melhores momentos. O mesmo vale pra Our Love To Admire - algumas das minhas canções favoritas entre as compostas por mim estão nestes dois discos, então não é como se a situação e os discos tenham sido ruins. Adoro esse álbum. Tem uma faixa chamada “The Undoing” e outra chamada “Lights” que acredito serem algumas das nossas melhores composições e certamente são frutos do estresse, tensão e desacordos da época. Foi bastante complicado e desagradável gravar Interpol, mas há excelentes músicas ali.

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Discos homônimos, quando não são a estreia de uma banda, geralmente sinalizam uma reinvenção. Você sentiu a necessidade de fazer isso por conta da saída de Carlos e a necessidade de uma nova mentalidade?

Acho que optamos pelo nome antes mesmo dele sair, por mais que ele tenha saído em meio à gravação. Ele chegou a gravar algumas partes e caiu fora. Gosto da ideia de que há algo exposto ali, tipo: “Estes somos nós, quem nós somos”. Nunca parei pra pensar no precedente de que discos de estreia deveriam ser autointitulados. Só pensei “soa bem ter este disco como autointitulado” e gosto da arte que saiu ali, gosto muito mesmo da capa.

No ano anterior você lançou o disco Julian Plenti, seu primeiro álbum-solo. Qual a relação com este disco do Interpol, se é que ela existe?

Não creio que haja qualquer impacto neste disco em especial, e sim em El Pintor. Sinto que tudo que fiz fora do Interpol me ajudou a afiar minhas lâminas ou chegar naquele ponto em que meu processo foi mais facilitado, então talvez isso tudo tenha ajudado em termos líricos. Ter mais um disco e suas letras compostas por mim me deu mais força, então isso me afetou positivamente na hora de compor o material de Interpol, mas acho que meu trabalho solo começou a afetar mesmo a banda quando comecei a colocar o baixo em maior destaque do que neste álbum em especial.

Como foi tocar baixo aqui?

A essa altura, já tinha gravado dois discos solo, ou seja, tinha tocado baixo em dois álbuns inteiros. E, sabe como é, um baixo é só uma guitarra com quatro cordas. Carlos era guitarrista e não baixista; ele só passou a tocar baixo quando entrou no Interpol, então acho que acabei mantendo essa tradição, porque há maneiras específicas que guitarristas tocam baixo e que baixistas tocam baixo. Não toco como Carlos, mas toco baixo como um guitarrista, então rola meio que uma continuidade aí.

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Com a saída de Carlos, foi menos tenso fazer este disco?

Ainda havia tensão no ar. Somos uns caras esquisitos com dinâmicas estranhas mesmo após todos esses anos. Tem sempre aqueles problemas de ego no ar, mas acho que o que me assustava mesmo era descobrir se poderíamos ser uma boa banda sem o Carlos, considerando que o cara era uma peça fundamental. Tinha esse desafio aí e de repente uma onda de boas vibrações quando sacamos que dava pra fazer isso, até mesmo antes de Sam chegar pra compor, Daniel apareceu com algumas faixas e eu estava ali com o baixo, então escrevemos “Anywhere” no baixo já no primeiro ensaio. Compus a linha de baixo e a melodia vocal em um ensaio com Daniel, e acho que naquela altura do campeonato ainda não havíamos decidido quem tocaria baixo, se seria eu ou outra pessoa; foi aí que percebemos que deveríamos dar início ao processo de composição da mesma maneira que sempre fizemos, com Daniel na guitarra e Carlos no baixo, aí eu contribuía com guitarra e voz. Mas o baixo era mesmo o primeiro ingrediente a surgir, junto com a bateria. Mantivemos esta tradição para este disco e sacamos logo após um ensaio: “Isso está soando foda, então talvez funcione!”. Ficamos um pouco preocupados na hora de compor El Pintor, não sabíamos se conseguiríamos ou não, mas logo percebemos que sim. Acho que todos estavam com o mesmo pensamento quando fizemos o disco. A gente foi bem longe com Interpol, então acho que dessa vez foi mais um lance do tipo “vamos botar pra quebrar”. Foi um bom recomeço pra nós.

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Não sou de dar muita importância para títulos de discos, mas este é um anagrama de Interpol, que se traduz como O Pintor. Essa ideia já existia antes? De alguma forma ela ajudou a moldar as faixas que compõem o disco?

O nome veio depois, mas acho que funciona de várias formas. Gosto da ideia de sugerir um tipo de reconfiguração com essa ideia do anagrama, que foi algo pelo qual a banda realmente passou. Fora isso, acho que combinou bastante com a arte que tínhamos. Havia uma simetria nas mãos ali e quando nos deparamos com o anagrama, pareceu em sintonia com as mãos. E quem sabe tem uma figura em meio a todas as entrelinhas daquelas canções, como um pintor.

Este foi o primeiro disco da banda e não só os estabeleceu como artistas logo de cara, como também lhes conferiu a pecha de banda deprê. Ainda assim, há lampejos bem-humorados ao longo do disco. Você acha que as pessoas deixam este humor passar batido?

Olha, eu acho que a gente seja mesmo uma banda meio deprê, mas há um quê de humor neste disco sim, com certeza. Há um tom absurdista, há muita coisa. Sempre encarei a coisa da seguinte forma: quem nos acompanha casualmente deve achar que somos muito sérios e deprimidos e então os fãs mais dedicados vão sacar as letras e vai rolar um momento: “Mas ele falou isso mesmo? Que porra é essa?”. Então acredito que quem se importa mesmo com a banda acaba entendendo, fora que há coisas que podem ser piores para uma reputação do que ser reconhecida como uma banda meio deprimidona. Por mim tudo bem. Mas coloquei este disco no alto por conta da facilidade que foi fazê-lo, tivemos anos e anos para criar estas músicas; a banda teve início em 1997, então são cinco, três e meio/quatro fazendo shows e experimentando com o material. Entrar em estúdio foi suave e aí tinha toda aquela empolgação de ser o primeiro disco, né? Foi uma boa época de nossas vidas.

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Vocês saíram em turnê celebrando os 15 anos deste álbum. O que pensa dele agora? Você se vê nestas canções? Você lembra de quem era naquela época?

Certamente me lembro de quem era. Lembro de diversos momentos mencionados nas letras. Consigo me ver na mesa em que sentava em uma cafeteria quando escrevi “ “Stella [was a diver and she was always down]” ou em Tóquio quando escrevi as letras de “Obstacle 1”, enquanto visitava meu pai. Definitivamente consigo me lembrar e me colocar naqueles locais e me identifico com quem era enquanto compositor naqueles tempos. Em termos sonoros, acho que minha voz mudou daqueles tempos e sinto que posso ouvir momentos ali do cantor quer viria a ser e outros tantos que refletem um momento em eu ainda não sabia cantar. Eu não considerava a voz um instrumento naquela época. Eu era o cara com as letras e é isso. Rumo ao terceiro disco [Our Love To Admire], tive que fazer umas aulas de canto porque compus “No I In Threesome” e não conseguia cantá-la repetidamente e pegava me questionando “Como diabos compus algo que não consigo cantar no dia seguinte?” e então quando paro pra observar este disco, vejo um exemplo primitivo de como cantava antes de encarar a coisa como cantar mesmo. E esta parte de mim mudou.

Você tinha ideia do impacto que este disco causaria?

Creio que todo mundo que trabalhe com esse tipo de coisa tem uma parte de si que ousa sonhar. Então provavelmente sonhei que seria um grande disco e de grande impacto, creio ter acreditado nos ingredientes – menos eu – que estavam ali serem capazes de criar uma tremenda banda, e eu tinha o ímpeto de ser o melhor artista que poderia. Em suma, eu acreditava que os caras com quem tocava tinham o que era necessário para que fizéssemos esse disco resistir ao teste do tempo, e eu só torcia pra que eu conseguisse fazer meu trabalho de carregar esse fardo também.

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Como dei a deixa ao falar de Our Love To Admire, ficamos preocupadíssimos com a ideia de fazer um segundo disco. E o motivo pelo qual este é meu favorito de certa forma é porque acredito que tínhamos um antídoto pra toda essa ansiedade porque, quando terminamos o primeiro disco, tínhamos composto tanta coisa que haviam sobrado canções. Quando Bright Lights saiu, provavelmente metade de Antics já estava composto, do mesmo lote que veio antes de Bright Lights, então seja lá qual fosse a fórmula que havíamos descoberto naquele primeiro disco, teve coisa que saiu ainda melhor na qual estávamos trabalhando, só esperando pra ser lançada em Antics.

E além disso, no meu primeiro processo enquanto artista, fui fundo no Antics. Dei muito duro, muito sangue, suor e lágrimas neste disco. Parecia ser a coisa a certa a se fazer, quase como se a única coisa que eu poderia fazer naquele momento. Sentia como se as pessoas esperassem que fracassássemos e não déssemos prosseguimento ao primeiro disco, mas eu tinha certeza de que sairia bom. E no meio disso tudo rolaram algumas discussões – foi dureza pro Carlos sair em turnê pro primeiro disco e tivemos algumas reuniões pra decidir se faríamos uma pausa depois desse lançamento ou se íamos nos jogar de cabeça de uma vez. Acho que fizemos o certo ao optar por ir fundo e aproveitar a movimentação que rolava com o público, bem como a nossa própria movimentação. “Estamos em sincronia agora e acelerando. Vamos aproveitar e acabar com isso”. E quase que o segundo disco acaba fazendo parte do primeiro também, era como eu via a coisa ao menos, quase um lado B considerando quão ansiosos estávamos. Fora isso, se lançássemos um disco forte em seguida acabaríamos solidificando nossa reputação de tal forma que não teria como caso não fizéssemos um segundo disco foda. Era muita pressão, mas parecia que tudo se encaixava.

Interessante saber como tudo rolou, considerando que ele soa bastante diferente do primeiro álbum, por mais que acabe soando também como um lado B deste, digo, há uma relação ali. Mas também é um disco mais leve, há uma estética em Bright Lights que não se faz presente aqui. Você estava tentando fazer com que o Interpol não soasse como Interpol propositalmente?

Talvez, não posso afirmar que queria isso mesmo, mas poderia ser algo que Carlos pensaria para o segundo disco. Acho que as composições dele no baixo e teclado ficaram mais sofisticadas, mas não lembro de comentar que queria que fôssemos para outra direção. Queria me aprofundar na mesma sonoridade.

“Next Exit” começa bem diferente. Não é a faixa que se espera de um álbum seguinte se você acaba de ouvir o primeiro.

Bom argumento. Foi algo que pensamos também, “Não acho que as pessoas sabem que temos essa sonoridade também, maisa leve e meio Americana”. Dito isso, foi algo que soou muito verdadeiro e autêntico pra nós e acreditávamos, ainda mais nos primórdios, que uma faixa introdutória era importante e queríamos dizer algo com a introd do segundo disco que em nada se parecia com a intro do primeiro, para talvez sinalizar à pessoas que nós não nos encaixaríamos nesta ou naquela categoria. Não queríamos isso, e creio que você tem que ser verdadeiro consigo mesmo enquanto artista.

Esta matéria foi originalmente publicada pela VICE US.

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