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Tecnologia

Como Dançar com Tubarões-Tigre

Hannah Fraser ficou conhecida como "Tigress Shark", a mulher capaz de dançar com tubarões-tigre (sem ser mastigada).

Em um primeiro momento, eu achei que esse negócio de Avatar-encontra-tubarões em um balé debaixo d’água fosse mais adequado para decorar a lateral de uma van do que estar na forma de um vídeo. Mas então, quanto mais assistia, mais desconcertante e impressionante a coisa ficava. Deixando de lado minha inexorável preferência por uma certa estética hipster, eu pensava: quem é essa pessoa e por que ela não está usando equipamento de mergulho? A que profundidade ela está, como é tão claro e como diabos ela está ali? Aquele tubarão-tigre acaba de tentar morder sua bota? Então liguei pra moça.

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Resumindo: seu nome é Hannah Fraser e ela é uma modelo submarina australiana que ganhou fama nos últimos 12 anos nadando com jubartes, arraias e diversos tipos de tubarões – desde tubarões-baleia com suas bocarras aos grandes tubarões brancos –, tudo isso vestida de sereia.

Enquanto todo o propósito de “Tigress Shark” é demonstrar que os tubarões-tigre não são as máquinas de matar irracionais que o governo do oeste australiano os faz parecerem para justificar os abates, de acordo com Fraser, claro que o processo foi bastante perigoso. Ao passo em que a produção conseguiu atenuar o perigo de nadar com um predador de ponta ao deixar de lado o rabo de sereia com jeitão de presa, ainda havia o risco de se nadar a 25 pés debaixo d’água no fundo do oceano das Bahamas, com visão limitada, sem trajes de mergulho e oxigênio. Ah sim, e você sabe, os tubarões e tal.

Entrei em um leve pânico simplesmente ao ouvir, pelo Skype, Hannah falar sobre as filmagens, enquanto descrevia quatro dias de pintura corporal, a arte de prender a respiração por um minuto e meio a cada tomada, e fazer carinho no nariz dos tubarões. Começamos falando sobre minhas preocupações estéticas, porém.

MOTHERBOARD: Então qual é a da pintura corporal?

Hannah Fraser: Havíamos conversado sobre o fato de que qualquer coisa clara – branca, em especial – é um tremendo chamariz para os tubarões. Seus olhos naturalmente se viram para qualquer coisa que pareça com um peixe e os peixes que eles comem tem barrigas brancas e são um pouco brilhantes. Uma cauda? Impossível de usar. Uma cauda enorme e brilhante teria sido devorada de cara.

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Mas a cauda não foi um problema ao nadar com os tubarões brancos?

Foi interessante; naquela época a cauda ainda não tinha tantas escamas. Era azul e meio pintada, com algumas poucas escamas. As caudas que uso agora são cheias de brilho, então eis a explicação.

Com os brancos, mesmo sendo mais perigosos por conta do que estava usando, era tudo mais seguro porque eu não estava no meio de um festival de tubarões. Era só um ou no máximo dois tubarões brancos circulando o barco, e enquanto eles passavam, eu nadava com eles. Focava naquele animal. Se ele percebesse que eu sabia exatamente onde ele estava, como são cautelosos, não me atacaria.

Mas dessa vez eu estava no meio de seis tubarões-tigre com outros 50 tubarões-limão e tubarões de coral ao meu redor. Não havia como interagir com eles individualmente, analisar a situação e ser forte o suficiente para reagir a qualquer interesse ou mesmo um ataque. Então o que tivemos de fazer foi reduzir os riscos o máximo possível.

Estes tubarões estão acostumados com mergulhadores que sempre usam preto ou cores escuras, logo sabíamos que teríamos que buscar um visual tipo peixe brilhante. Especialmente para os meus dedos – já que estaria flutuando ali e fazendo movimentos com as mãos o tempo inteiro. Se estivessem descobertos, com aquela aparência bem branca debaixo d’água, isso certamente aumentaria e muito os riscos. Assim bolamos esta ideia: teria que ser algo escuro, então por que não me deixar parecida com os tubarões-tigre, dando ainda uma visão artística a tudo isso? Daí surgiu esse visual tigresa.

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Arrumamos tudo e percebemos que meio que lembrava algo de Avatar, mas tudo bem. O objetivo em Avatar era criar uma ligação com o mundo natural. Foi uma coisa criada inadvertidamente que acabou funcionando perfeitamente para o que queríamos.

 Crédito: Shawn Heinrichs, usada com permissão

Chamamos então Julia Chavez, aerógrafa de Hollywood, para fazer a pintura. Demorava duas horas e meia para aplicar todas as vezes em que entrava na água, em um barco que balançava demais. Usamos muita tinta – coisa de 800 dólares em material, e quase ficamos sem, então tivemos que racionar. Eu não podia tirar a tinta, então dormia pintada mesmo. Para remover tinta [a prova d’água] você tem que usar esse solvente louco, então não tínhamos tempo pra isso, já que filmávamos e eu dormia algumas horas, acordava e fazia tudo de novo.

Passei uma semana inteira azul, só fazendo alguns retoques de duas horas sempre que entrava no mar. Foi bem intenso pro meu corpo, mas a habilidade de Julia é incomparável. A coitada estava semi-mareada em um barco que não parava de balançar no meio de uma ventania e fazendo esses retoques. Foi demais.

E aí você tá lá embaixo, tocando nos tubarões, e tem aquele momento no video em que um deles encosta na sua bota…

Não lembro daquele tubarão tocando na minha bota. Se senti aquilo ou não, parece que de alguma forma reagi. Mas no momento em que vi aquilo, pensei: “puta merda, ele quer pegar meu pé!”. Não lembro de nada disso quando estive lá embaixo.

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O que vocês discutiram caso o pior acontecesse? Qual era o plano?

Tentamos mesmo evitar esse papo de “e se o pior…”. Não teríamos feito a filmagem se sentíssemos que havia um risco tão grande. Claro que há algum perigo envolvido – atravessar a rua é um perigo. Tudo que faço debaixo d’água é arriscado, mas os animais em si não são. Nos sentimos confiantes com toda a preparação que fizemos e sabíamos que elas nos renderia um trabalho seguro.

Então sabíamos onde estava o kit de Primeiros Socorros, mas também conversamos sobre o fato de que, se algo acontecesse, estávamos a horas de distância da costa. Se precisássemos chamar um helicóptero pelo rádio, ele levaria horas. Sabíamos que se algo realmente ruim rolasse… Eu teria sangrado até a morte antes mesmo de chegar à superfície, então foi um risco calculado.

"Lembro dele empurrando um tubarão-tigre de 4,5 metros, com os olhos voltados pra mim, trazendo oxigênio. Nada o impediu de trazer o ar até mim."

Mas e os outros riscos? Você estava em profundidade o suficiente para se preocupar com níveis de nitrogênio?

Estávamos 25 pés abaixo d’água, respirando ar comprimido, e eu não conseguiria subir muito rápido. Caso algo acontecesse comigo e tivéssemos que subir rapidamente, isso seria perigoso por conta da descompressão. Haviam diversas questões de segurança envolvidas.

Tivemos que fazer uma parada de cinco minutos uns poucos metros antes de chegar à superfície. É sempre um desafio pra mim, porque sempre me esforço ao máximo. Então quando digo “Acabei!”, já estou congelando. Provavelmente já perdi uma lente de contato e não estou vendo nada direito e estou pronta pra sair da água, aí temos que parar por cinco minutos.

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E veja bem, o lugar mais perigoso é logo acima do fundo do oceano. Estando no fundo, os tubarões-tigre não podem te atacar de baixo, que geralmente é como gostam de atacar suas presas. Subindo, é bem mais arriscado. Tivemos que prestar atenção, certificando-nos de que não estávamos parecendo focas moribundas ou tartarugas na superfície, antes de subir. Era bem desafiador.

Tinha esse cooler enorme que a equipe encheu de água quente pra mim, uma surpresa no último dia – um spa para uma sereia. Minha própria banheira quentinha.

 Crédito: Shawn Heinrichs, usada com permissão

Quantos de vocês ficavam debaixo d’água ao mesmo tempo?

Cerca de sete ou oito pessoas, e dois domadores de tubarões, que cuidavam das caixas com iscas, pra garantir que os tubarões não as arrebentassem. Não estávamos alimentando eles, só colocávamos um peixe na caixa com um aroma que os interessasse, não afetávamos a dieta natural deles.

Então… Cerca de 10 pessoas ficavam lá embaixo comigo.

É incrível que eles não apareçam no video, nem mesmo como bolhas de ar.

O que ficávamos repetindo para o pessoal era que “Isso é uma ponta de lança. Hannah é a ponta da lança, então temos Sean e Jim que são as próximas pontas, e todos sempre devem ficar atrás deles.” Então não tinha como alguém aparecer no vídeo ou espalhar bolhas por todos os lados.

O maior desafio era o ar que chegava – por meio de meu mergulhador de segurança. Há esse momento em que a coisa tá pegando e ele tem que sair de lá. E assim que chego ao meu limite, faço um sinal e peço por oxigênio e ele tem que vir o mais rápido possível. Lembro dele empurrando um tubarão-tigre de 4,5 metros, com os olhos voltados pra mim, trazendo oxigênio. Nada o impediu de trazer o ar até mim. Ele foi incrível.

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Quanto tempo você passou submersa?

Foram quatro dias de filmagem. O vídeo em si tem só um minuto e meio. Editamos de forma a ser o mais amigável possível para quem sofre de déficit de atenção de mídia.

Você trabalharia com tubarões-tigre novamente?

Adoraria, eles foram ótimos.

Você teria como fazer um contraste entre trabalhar com eles e, digamos, golfinhos?

Golfinhos são criaturas fáceis, amigáveis, benignas, interativas e que gostam de brincar. A energia que eles passam é como uma brisa. Tubarões – não importa o quão incríveis, interativos e genuinamente amigáveis eles sejam, você sempre tem que lembrar caso eles se sintam confusos, assustados, ameaçados ou só muito interessados em algo, eles não tem mãos e sim fileiras de dentes bastante afiados.

Quando você fala sobre serem curiosos e amigáveis, o que quer dizer? Onde a personalidade do tubarão se manifesta?

Eles literalmente chegam perto de você e estão interessados no toque humano em seu focinho. É lá que ficam suas terminações nervosas, então para eles é uma experiência assoberbante sentir um carinho ali. E então eles voltam pra você e esperam mais um agradinho. Os tubarões parecem uns cachorrões amigáveis, com os olhos rolando pra trás quando você faz carinho no focinho. Claramente eles curtem aquilo porque acabam voltando pra ganhar mais, não chegando nem perto das iscas. É como se as iscas sinalizassem que os humanos chegaram pra hora do carinho!

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 Crédito: Shawn Heinrichs, usada com permissão

E o que você achou do resultado final?

Me deixou louca. Estou impressionada. Olho pra ele e penso: “Parece tudo tão gracioso e fácil” e aí rio do tanto que me esforcei pra isso.

Então me fala: com o que você vai mergulhar depois?

Não sei. Como a gente vai superar essa?

Talvez com uma lula. Uma lula gigante?

Tradução por: Thiago “Índio” Silva