Fotografando os falsos piratas da Somália

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Fotografando os falsos piratas da Somália

O fotógrafo Jan Hoek se apaixonou por um pequeno grupo de homens de Nairóbi, que aproveitaram o hype pirata em 2010 para tirar uma grana dos jornalistas cagões e/ou preguiçosos.

O fotógrafo Jan Hoek se apaixonou por um pequeno grupo de homens de Nairóbi, que diziam ser piratas mesmo nunca tendo visto o mar. Durante o auge dos sequestros somalis em 2010, jornalistas ocidentais viajavam para a capital do Quênia para entrevistar ex-piratas. Isso era muito mais seguro do que ir para a Somália, onde eles mesmos podiam acabar sequestrados. Alguns moradores locais perceberam isso e decidiram ganhar a vida enganando a imprensa ocidental. Eles inventaram elaboradas histórias sobre seu tempo no mar. Um desses homens eram Haye (46 anos), que usa o nome pirata falso Bashir. Ele deu várias entrevistas como pirata e até apareceu num documentário dinamarquês e na revista Time. Mesmo nunca tendo ido para a Somália, suas histórias sobre a vida de pirata eram muito convincentes.

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Assim como os jornalistas faziam na época dos sequestros, Hoek pediu a fixers que arranjassem alguns piratas para ele. Atores, garçons, taxistas, estudantes e rappers com alguma descendência somali apareceram, e ele pediu que eles fingissem ser piratas durante um sequestro. Das roupas às armas que carregavam, tudo era cheio de detalhes. Quando esses homens criaram sua própria imagem, mesmo não sabendo disso logo de cara, uma nova realidade foi concebida. Jan brinca com as expectativas que os ocidentais têm dos exóticos piratas somalis. Alguns dizem que tiraram suas ideias de histórias locais, de um amigo de um amigo que tinha um parente que foi vigia num sequestro; outros tiraram suas ideias do filme de Hollywood Capitão Phillips.

No dia das fotos, os homens ficaram empolgados ao ver que as armas que descreveram estavam presentes, até as granadas de mão que eles mencionaram. Tudo falso, claro, assim como os piratas. O primeiro modelo ficou meio constrangido parado lá na frente do pano de fundo. Jan não tentou deixá-lo mais confortável. Ele logo ficou satisfeito, o que torna as imagens o mais realistas possível. Quando Haye entrou no estúdio, um assistente imediatamente foi até ele oferecendo khat, uma planta com um efeito parecido com o de anfetaminas. Ele era o mais velho e precisava ser tratado com respeito. Haye, que teme ter aparecido em tantas histórias de piratas que agora está sendo procurado pela polícia, insistiu em posar como na imagem clichê de um pirata, com um papagaio vivo e tudo. Quando Jan desapareceu atrás da câmera, Haye, com seu tapa-olho, pés-de-pato cortados, colar de caveiras de barro e um papagaio no ombro, olhou para as lentes e disse: "Você pode limpar meu nome, por favor?"

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— Texto por Alma Mathijsen

A série é parte da exposição The Ultimate Sailor: under construction, que vai de 10 de junho a 29 de setembro no Het Scheepvaartmuseum, Amsterdã. Clique aqui para ouvir a paisagem sonora criada pelo artista Torus, com base nas entrevistas que Mathijsen e Hoek realizaram com os piratas falsos. Veja mais fotos abaixo.

Vigia Abas, 20 anos, estudante. "Eu usava uma calça cáqui, um colete aberto e sandálias porque fazia muito calor. Meu cabelo era muito selvagem na época. A arma que eu carregava era puramente para me defender."

Vigia Ahmali, 21 anos. "Quando era pirata, eu nunca lavava minhas roupas. Eu era tão sujo que as pessoas tinham medo de mim."

Comandante Maoud Ahamed, 53 anos, administrador e ator. "Eu normalmente ganhava 100 mil por navio. Os garotos levavam 25. Não é muito, mas se você desse mais dinheiro eles não voltavam."

Haye, a.k.a. Bashir, 46 anos, segurança, ator e motorista de ônibus. "Se você me perguntar qual a vida mais horrível que uma pessoa pode ter, vou dizer a vida de pirata."

Vice-líder Ibrahim, 20 anos, estudante e rapper. "Com todo o dinheiro que ganhei, me casei com a mulher mais linda da cidade."

Sequestrador Mohammed, 23 anos, estudante. "Sou especialista em sequestrar garotas, especialmente garotas bonitas. Na hora elas não gostam muito, mas quando lembram, quando estão de volta em casa, elas sentem saudades de mim."

Tradutor Mohammed, 37 anos. "A coisa mais assustadora que já testemunhei foi quando outro pirata ficou com tanto medo que pegou sua arma e atirou na própria cabeça. Eu estava perto dele e minha túnica ficou toda manchada de sangue."

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Líder assistente Omar, 26 anos, taxista, garçom e ator. "Quando você é um pirata, tudo muda, até sua pele. Por causa do sal do mar, ela fica extremamente seca e você acaba criando escamas."

Pirata camarada Osman Mohammer, 39 anos, motorista. "Sempre tento acalmar os reféns, digo que tudo vai acabar logo. Eu era um pirata muito simpático. Eles também eram simpáticos. Se fosse em outra situação, tenho certeza que ficaríamos amigos."

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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