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O Homem que Levava Combatentes Britânicos Para a Jihad

Abu Hussein, o “russo”, escolta combatentes mujahidin que queriam se juntar à guerra contra o regime de Bashar al-Assad. Ele encontra esses homens no aeroporto de Istambul e os acompanha numa viagem de 15 horas de ônibus até a fronteira síria.

Abu Hussein (à direita) e seu primo.

No último ano, combatentes estrangeiros atuando na Síria se tornaram um foco importante do conflito na mídia internacional, além de uma puta dor de cabeça para os governos do mundo inteiro. Milhares de jovens — ninguém sabe exatamente quantos milhares — invadiram a Síria para lutar. Para chegar ao país, eles viajam por uma rede internacional que começa com o recrutamento em seu país de origem e termina numa jornada até a fronteira com homens como Abu Hussein.

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No verão de 2012, Abu Hussein, o “russo”, começou a escoltar combatentes mujahidin que queriam se juntar à guerra contra o regime de Bashar al-Assad. Ele era o transportador jihadista, o responsável por encontrá-los no aeroporto de Istambul e os acompanhar numa viagem de 15 horas de ônibus até a fronteira síria.

Quando o encontrei em Akçakale — uma cidade que faz fronteira com a Síria — ele me mostrou seu passaporte. “Quer ver?”, ele perguntou. Páginas e mais páginas cobertas com carimbos turcos de saída e entrada, cada um representando um combatente estrangeiro que ele ajudou a trazer para o país. Ele os escoltou um por um, viajando para Istambul de avião da região fronteiriça de Hatay e voltando de ônibus para não atrair a atenção dos serviços de segurança. Chegando à fronteira, ele entregava sua companhia para outro contato, que então contrabandeava essas pessoas para o outro lado da fronteira. A jornada, ida e volta, levava menos de 24h. “Como fast food!”, brincou Abu.

Isso não funciona muito bem como metáfora, mas você entendeu o que ele quis dizer.

Não era isso que Abu Hussein se imaginou fazendo quando voltou a Síria em 2011. Ele viveu em Kiev, capital da Ucrânia, por seis anos, trabalhando como motorista e aproveitando a vida que construiu para si lá. “Sabe, a vida na Ucrânia era boa”, ele disse.

Mas quando o levante na Síria começou em 2011, ele imediatamente decidiu deixar tudo para trás, retornar a seu país de origem e se juntar à luta contra Assad. Primeiro, ele se uniu aos protestos pacíficos, depois ao incipiente Exército Livre da Síria. No meio de 2012, os rebeldes tinham capturado os cruzamentos de fronteira de Bab al Hawa e Bab as Salaama, o que significava que os combatentes com passaporte podiam cruzar para a Turquia e voltar ao país oficialmente, em vez de ter que seguir pelas rotas ilegais, perigosas e difíceis. Foi nessa época que ele foi abordado para sua primeira missão especial. “Alguém me recomendou — fui emprestado como jogador de futebol profissional!”

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Um meme jihadista zomba da facilidade em atravessar a fronteira entre Turquia e Síria.

Duas coisas renderam esse trabalho a Abu Hussein — ele tinha um passaporte e falava russo e inglês. Além de buscar jovens de outros países árabes, ele também encontrou russos e britânicos. “Trouxe meu primeiro combatente britânico para a Síria cerca de 18 meses atrás”, ele disse. Nos meses seguintes, ele diz ter trazido dez ou mais britânicos para a Síria. Um deles se juntou à Brigada Farouq do Exército Livre da Síria, enquanto os outros foram lutar em Alepo com um grupo diferente. Ele conseguiu manter contato com dois deles. “Agora eles estão em Alepo e um deles se casou com uma síria”, ele disse. “Ele tem uma casa e um carro lá agora.”

O bom dos britânicos, segundo Abu, é que eles tinham dinheiro. Um deles deu um notebook Apple para Hussein antes de entrar na Síria. Muito diferente do tunisiano de 18 anos que ele conheceu. “A primeira coisa que ele me disse foi que não tinha dólares”, ele riu. Mas seus favoritos são os chechenos. “Eles são combatentes fortes, têm bastante experiência”, ele disse. “São eles quem treinam os outros combatentes aqui.”

Mas agora, numa virada irônica, Abu Hussein foi vítima de alguns dos mesmos combatentes que ele ajudou na jornada até a Síria. Nos últimos nove meses, muitos dos jihadistas estrangeiros, que vieram para lutar ao lado dos rebeldes locais, saíram de suas brigadas originais para se juntar a um grupo ligado a Al-Qaeda chamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS em inglês). No último mês, o ISIS passou a se concentrar no ataque aos grupos que se opõem a ele do que a combater o regime sírio e, em 11 de janeiro, eles atacaram a cidade de Abu, Tel Abyad. Sua própria brigada, o grupo predominantemente sírio Ahrar al Sham, foi forçado a sair da cidade. Os rebeldes do Ahrar al Sham fugiram para a cidade turca de Akçakale quando ficou claro que tinham perdido o controle da cidade. Pelo menos os que tiveram sorte — o ISIS capturou e executou cerca de 100 pessoas que ficaram.

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Foi em Akçakale que conheci Abu, parado perto da fronteira, olhando além da cerca na direção de sua antiga casa na Síria. Seu novo lar é um apartamento térreo pequeno, que ele compartilha com a esposa e sua família grande. Quase não há móveis, tudo que ele possui ainda está em Tel Abyad, e ele sente que suas coisas não estarão mais lá quando ele voltar, se voltar. Ele sabe que pelo menos um tunisiano escoltado por ele até a fronteira agora faz parte do ISIS em Tel Abyad. “Talvez ele esteja dormindo na minha casa”, ele disse. “Talvez ele roube minha TV de LCD.”

O sentimento dele sobre o papel que teve em trazer esses combatentes para a Síria ainda é confuso. Ele insiste que não se arrepende, apesar de tudo que aconteceu agora. “Se eles não tivessem vindo, a situação seria pior”, ele disse. “Eles são bons combatentes. São só aqueles que estão no ISIS que são o problema.”

Mas, em outros momentos, a enormidade do que aconteceu parece atingi-lo. “Que vergonha”, ele disse em certo ponto, rindo e balançando a cabeça tristemente.

Faz mais de um ano que Abu escoltou seu último jihadista pela fronteira. Desde então, tudo mudou na Síria. Um conflito que costumava ser simples — os rebeldes contra o regime — se transformou num atoleiro caótico onde todos parecem lutar contra todos.

Ele acredita que o fluxo de combatentes para a Síria já atingiu seu pico e que agora está declinando. Alguns podem até estar voltando, cruzando de volta para a Turquia para fazer a jornada de volta para casa. “Alguns desses combatentes deixaram suas coisas e documentos pessoais num lugar seguro aqui na Turquia, eles não queriam perder tudo na Síria”, disse ele. “Acho que muitos combatentes estão partindo agora.”

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Mais tarde, no carro, tivemos uma tentativa de conversa que pareceu confirmar o que ele estava dizendo.

“Hannah”, ele disse, como se tivesse juntado coragem para fazer uma pergunta em que estava pensando há algum tempo. “Você acha que se esses combatentes britânicos quiserem partir, seu governo vai ajudá-los a voltar para casa?”

Pensei por um momento.

“Não”, respondi. “Acho que não.”

Siga a Hannah no Twitter: @hannahluci