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Robin Williams com barba: o símbolo, o método, o conceito

A Barba do Robin Williams é a melhor pessoa de sempre.

Tenho pensado muito no Robbin Williams com barba. Não é uma revelação que me atreva a partilhar, em voz alta, numa esplanada ou fechado num carro com três mangueiras, mas ocorre-me bastante essa ideia. Antes de adormecer, por exemplo. Sabemos que os canais por cabo repetem até à exaustão filmes com o Robin Williams, por isso existem sempre sérias possibilidades de ir dar com ele num zapping de tédio por volta das onze da noite. Convenhamos também que o Robin Williams tem uma figura bastante amigável: média estatura, olhos claros dóceis e aqueles lábios inconfundíveis de velhinho com uma bonita história para contar. Não admira, portanto, que um quarto de hora na companhia do actor (ou da sua barba) funcione como experiência televisiva tranquilizante, sobretudo quando as personagens desempenhadas pelo senhor são geralmente capazes de resolver quase tudo na vida dos outros. Se o país em geral precisa de ajuda externa e de postos de trabalho, as pessoas em particular ganhavam muito com a intervenção de um Robin Williams com barba. Receber essa dádiva seria quase como ganhar um bom prémio no Euromilhões (quatro números e uma estrela) ou ser capa do ípsilon. Passo então a explicar a orgânica dessa força maior que é o Robin Williams com barba. Robin Williams pré-barba
(Bom Dia, Vietname; O  Clube dos Poetas Mortos) O Robin Williams tornou-se, ao longo de uma carreira irregular, num dos actores mais requisitados para dar corpo àquela figura destabilizadora e excêntrica que vira do avesso um universo circunscrito (quase sempre com resultados impressionantes). Foi esse tipo de transformação que se sucedeu em diversas famílias aborrecidas, na área abrangida por um rádio no Vietname ou num colégio altamente conservador. Os dois últimos casos são especialmente cruciais se entendermos como a dupla Bom Dia, Vietname/O Clube dos Poetas Mortos compõem a fase pré-barba do Robin Williams, período esse em que todos os efeitos benéficos da barba estão já bem activos, ainda que afastados por alguns anos do seu símbolo farfalhudo e grisalho. Bom Dia, Vietname, tal como tantos outros filmes do actor, é um híbrido de comédia e drama que utiliza o comic relief para moderar o sufoco de uma triste realidade — neste caso, a ocupação americana do Vietname. Robin Williams desempenha o papel de Adrian Cronauer, um radialista que conta piadas e faz umas palhaçadas nas aulas de inglês que dá aos vietnamitas, como se o humor atenuasse o terror provocado pelos norte-americanos e trouxesse o optimismo que faltava à Saigão da época. Se em Bom Dia, Vietname Robin Williams é o rebelde que se atreve a enfrentar a opressão (militar), a sua missão até nem é assim tão diferente quando assume o lugar do professor sonhador que contraria a tradição no Clube dos Poetas Mortos. E aqui será de salientar que Williams faz de professor em ambos os filmes. Professor, aquela que será uma das profissões com maior potencial transformador das vidas que encontra pelo caminho. Mesmo assim, Bom Dia, Vietname é narrativamente pálido e algo pateta em comparação com o marco geracional que é O Clube dos Poetas Mortos. A história deste último será sobejamente conhecida e terá já provocado muitas lágrimas (até nisso a pré-barba de Robin Williams é eficiente): um professor substituto expande os horizontes literários da sua turma de Inglês, convidando-os a escrever poesia e a fazer teatro (artes libertadoras). E é assim que os ensina a saborear a vida e a tornarem-se homens. Quando os alunos começam a subir às mesas, naquela cena clássica do “oh captain, my captain!” estão não só a agradecer a enorme transformação ética conseguida pelo professor John Keating, como a prestar um arrepiante tributo à força da natureza que haveria de ser A Barba do Robin Williams. Quando o professor sorri, satisfeito com essa homenagem, é quase possível imaginar uma barba radiante e divinal perfeitamente orgulhosa com a sua capacidade de “mudar vidas”. Clássicos do Robin Williams com barba
(Despertares; O Rei Pescador; O Bom Rebelde) O impacto da pré-barba do Robin Williams é tal que a barba em si perde alguma importância quando surge finalmente em filmes como Despertares, O Rei Pescador ou O Bom Rebelde. Estiquei-me um pouco na exploração da primeira fase e quero poupar-vos a isso nesta segunda, mas ainda assim importa enumerar algumas das pessoas que foram salvas pel’ A Barba do Robin Williams. Portanto, temos um paciente que sofre de encefalite letárgica em estado catatónico, um DJ entregue a pensamentos suicidas e um verdadeiro génio da matemática que desperdiça o seu dom por culpa de alguns recalcamentos. Todos casos problemáticos que, na eventualidade de nunca terem encontrado esta barba, poderiam ter procurado a ajuda da Oprah ou da Fátima Lopes. O Robin Williams esteve lá, porém, para cada um deles e isso é o que mais importa. Já ouvi uns quantos amigos falarem de como foi simples a ajuda dos seus terapeutas (fiquei feliz por isso), mas há um método que não tem como falhar: ter a barba do Robin Williams diante dos olhos enquanto se repete “a culpa não é tua, a culpa não é tua!” logo antes de um forte abraço. Bastaria isto para que o Robin Williams fosse o rei de todos os desbloqueios e demonstrações de tough love. Legalizem a clonagem só para o Robin Williams com barba. O mundo seria um lugar muito melhor. O pós-barba
(Patch Adams) Apesar da sua importância histórica, como parte da tese aqui defendida, Patch Adams é, para todos os efeitos, um filme verdadeiramente horrível. Fui vê-lo sozinho numa altura em que andava deprimido com as notas de Estudos Camonianos na faculdade e só me deixou ainda mais deprimido. Faltou-lhe uma grande barba e todo o conforto proporcionado por essa imagem. Faltou-lhe também um qualquer ponto de interesse para alguém que não consegue mesmo papar a história do médico palhaço (uma vez mais: o profissional com métodos pouco ortodoxos) capaz de retardar as doenças das crianças com o dom de as fazer rir. Há uma cena em que o Robin Williams mete uma bola vermelha no nariz e umas antenas na cabeça e começa a imitar uma abelha com gestos nada engraçados para alguém com mais de cinco anos. Foi nessa altura que senti mais falta de uma barba que me abraçasse e repetisse a frase “a culpa não é tua por teres ido ver o Patch Adams”. Por acaso até era. O cantinho assustador do Robin Williams sem barba
(Câmara Indiscreta, Insónia) Se o Robin Williams com barba é uma figura omnipotente na resolução de todos os problemas pessoais, sem barba parece inversamente capaz de foder a vida de qualquer um. Portanto, a barba (simbólica ou não) é o elemento mais determinante na caracterização das suas personagens. Leva isso também a que o Robin Williams com barba seja a némesis do seu reflexo sem barba. Não me lembro muito bem da versão americana do Insónia (o original é muito superior), mas vi há pouco tempo o Câmara Indiscreta e posso dizer que aquele gajo, que trabalha num laboratório de fotografia e adopta uma família (de clientes seus) para perseguir, é um dos vilões mais doentios do cinema moderno. Aquando das negociações normais do processo de casting para esse filme, parece que estou a ouvir o Robin Williams a perguntar ao realizador Mark Romanek: “chefe, quer que leve barba ou cara lavadinha para a rodagem?”. Se a opção tivesse sido a primeira, Câmara Indiscreta seria provavelmente uma comédia bem disposta sobre um stalker que escolhe uma família para a mimar com biscates vários (desentupir canos, passear o cão, etc) e não um pseudo-thriller que chega ao clímax da sua patetice numa cena em que o tarado obriga o marido adúltero a ter relações com a sua amante. A Barba de Robin Williams é de tal forma poderosa que poderia ter transformado  Câmara Indiscreta num bom filme em vez da porcaria que se conhece.