Na madrugada do Dia D, Tamiris Tesch acordou vomitando. Depois de um ano de cursinho, ela estava prestes a fazer a prova de seleção para entrar na universidade que desejava, mas não imaginava que fosse obrigada a passar por esse processo com febre, vômitos e diarreia constante. Um cenário extremo, mas não raro entre a rapaziada que sofre a pressão de encarar o Enem e vestibular como momentos definitivos na hora de planejar um futuro.
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É fácil de entender o porquê. Cobranças autoimpostas e de familiares ajudam a cria em torno do sucesso ou fracasso no Enem um clima de vida ou morte. Soma-se a esse peso a obrigação de escolher uma profissão sem a perspectiva de que essa decisão não precisa ser definitiva e, pronto, é como se uma bigorna de desenho animado caísse sobre o peito de cada estudante.Para completar esse cenário, é comum não sobrar qualquer tempo para o lazer dentro da rotina puxada de estudo. O resultado desse contexto, explica Sandra Calais, professora do Departamento de Psicologia da Unesp, é um elevado nível de estresse entre moças e rapazes prestes a fazer provas de seleção para faculdades e universidades. "Não tem acordo. É um período muito complicado e uma seleção que afunila muito os candidatos, além da problemática de escolher o que fazer da vida", diz Sandra.Em 2003, a professora participou de um estudo que avaliou os índices de estresse entre estudantes do 1º e 3º ano do ensino médio, cursinhos pré-vestibulares e primeiro e último anos de faculdade. O resultado não deixou dúvida sobre qual era o grupo sob efeito de maior pressão emocional. Enquanto a média geral de participantes com estresse foi de 65,6%, entre os pré-vestibulandos o número foi de 83%. Em seguida vieram os alunos do 3º ano, com 70% de incidência.No caso da Tamiris, a ansiedade e o nervosismo pareciam normais para ela durante o ano. "Meus pais estavam muito tranquilos, mas como eu já tinha feito um ano de cursinho, colocava em mim mesma a pressão de que não podia 'falhar' mais uma vez", diz. Durante os três dias de prova, porém, Tamiris passou a pão e água – nada mais parava no estômago.
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No segundo dia, inclusive, pensou em desistir, mas insistiu e foi até o fim. Nas manhãs antes das provas, Tamiris tentou até terapia de cura com as mãos para ver se a saúde melhorava, sem muito sucesso. "Meu estado dificultou mais a prova, meu raciocínio estava lento e eu precisava sair toda hora para ir ao banheiro. No último dia acabei a prova e fui direto para o hospital, totalmente desacreditada", diz ela. "Tenho certeza de que tudo que passei foi devido à pressão e à cobrança que eu mesma me fazia."Apesar do estresse não ser uma doença propriamente dita, os efeitos prolongados desse estado abrem as portas para que os estudantes encarem outros males, como a depressão – uma doença que tem se tornado mais comum ao redor do mundo na população como um todo. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que o número de pessoas que sofrem de depressão cresceu 18,4% entre 2005 e 2015.Ainda que não existam pesquisas que indiquem a incidência da doença entre os jovens prestes a fazer Enem ou vestibular no Brasil, um estudo da John Hopkins University mostra que o número de episódios de depressão em adolescentes americanos subiu 37% entre 2004 e 2014. Comparado com o índice geral medido pela OMS, é quase o dobro, ou seja, os jovens em idade de entrar para o ensino superior são uma fatia da população especialmente vulnerável a esse quadro.Para a psicóloga e pesquisadora da USP Dulce Coppedê, no entanto, mais importante do que generalizar os efeitos de algo como a depressão entre os jovens enemzeiros, é fundamental respeitar as singularidades de sofrimentos diferentes para amenizar os efeitos da pressão pela dúvida da carreira a ser escolhida, por exemplo."Há, sim, um sofrimento, mas o importante é um cursinho, por exemplo, oferecer um espaço de fala e escuta para que os alunos possam conversar sobre isso", afirma Dulce. "O ideal é criar um repertório de linguagem que possibilite construir uma narrativa para ir além da discussão dos sintomas e entender o que acontece de fato por trás daquilo", explica.Pode ser difícil solucionar esse impasse e mudar esse panorama, mas a professora Sandra diz que quatro pilares garantem, ao menos, que os estudantes diminuam sua carga de estresse: uma alimentação saudável, momentos de relaxamento, atividade física e evitar pensamentos obsessivos.E a Tamiris? Apesar da dificuldade, deu tudo certo. Ela passou na prova e hoje é uma farmacêutica feliz.