Os Dorme-Sujo do Instagram
A fotógrafa itinerante Molly Steele e um amigo em cima de um trem. Cortesia de Molly Steele

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Tecnologia

Os Dorme-Sujo do Instagram

Eles estão trocando os celulares velhos por iPhones, criando contas no Instagram, frequentando a página r/vagabond e trazendo uma tradição milenar para a Era da Informação.

Eles estão trocando os celulares velhos por iPhones, criando contas no Instagram, frequentando a página r/vagabond e trazendo uma tradição milenar para a Era da Informação.

Veja o caso da fotógrafa errante Molly Steele, que esteve recentemente entre um grupo de andarilhos presos por viajar ilegalmente em um trem de carga perto de El Dorado, no Kansas.

"Teve um dia em que quase fomos pegos, mas no dia seguinte já pulamos no trem de novo", disse Steele, 26. "A gente ficou uma meio hora no trem antes da polícia achar a gente."

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Graças ao apoio de um compreensivo político local que eles haviam conhecido enquanto alugavam um carro, as autoridades concordaram em deferir a acusação e retirar as queixas se Steele e o resto do grupo não se metessem em encrenca por três meses, disse ela.

"Nós entramos na delegacia como criminosos e saímos como os queridinhos da cidade", disse Steele, que compartilhou a foto tirada na delegacia com seus mais de 30.000 seguidores no Instagram.

No trem, onde o espaço para equipamentos é limitado, o iPhone se tornou um companheiro fiel. O GPS mostrava quando era seguro saltar do trem, além de ajudar a passar o tempo dentro dos vagões, onde eles se escondiam dos funcionários da ferrovia.

Oito décadas se passaram desde a Grande Depressão, mas ainda existem americanos que vivem de bicos ou caridade, atravessando o país em carros escangalhados e pegando carona em trens de carga. Os andarilhos trocaram suas trouxinhas por mochilas modernas, e, seguindo as tendências mundiais, abraçaram a internet, os smartphones e outros dispositivos tecnológicos que os ajudam a achar trabalhos sazonais, a se localizar com o GPS e a manter contato com família e amigos.

Eu os chamo de Dorme-Sujo 2.0.

"A eletricidade é tão útil para o nosso estilo de vida que é difícil evitá-la"

"Quando eu entrei nessa vida, há pouco mais de 11 anos, nós vivíamos como os andarilhos viviam há 125 anos", disse um andarilho e mochileiro que atende por Huck. "Nossos mapas eram de papel. A gente se comunicava pelo boca-a-boca. Nós pixávamos códigos e nossos nomes em prédios."

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Chegar em uma nova cidade significava vagar de porta em porta, procurando trabalhos manuais que hoje encontramos no Craiglist. O Google Maps ainda não existia, e poucos trabalhadores errantes podiam comprar celulares com internet.

"A gente cagava para a eletricidade, porque não precisávamos dela pra nada", disse Huck. "Hoje, a eletricidade é tão útil para o nosso estilo de vida que é difícil evitá-la."

Por motivos que incluem medo da prisão — "Meu estilo de vida é criminoso", ele me disse, se referindo às viagens ilegais de trem — Huck, que afirma ter 33 anos, não gosta de revelar seu nome verdadeiro.

Mas isso não impediu que ele se tornasse uma subcelebridade da internet após criar o r/vagabond, um fórum do Reddit para "andarilhos, pula-trens, mochileiros, malandros sobre rodas [aqueles que viajam de carro ou van], sem-tetos, vagabundos e outros viajantes nômades".

Ele e outros membros já postaram perguntas e respostas em tópicos cujos temas vão de trabalhos sazonais em fábricas de frutos do mar no Alasca a escolher um celular com uma bateria que dure bastante.

"Uma bateria duradoura é essencial para nós viajantes, porque nem sempre conseguimos carregar nossos dispositivos", disse Huck. Ele viaja com um Kindle, que contêm seus mapas e guias de sobrevivência, um carregador USB movido a energia solar e um kit de baterias para carregar seu telefone.

Como todos viajantes que passam muito tempo em pé, ele sabe exatamente quanto cada um desses equipamentos pesa e quanto espaço eles ocupam em sua mochila. Ele também sabe exatamente quanto cada um deles demora para carregar e quanta energia cada bateria guarda.

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Redes sociais como o Reddit deixam Huck e inúmeros outros viajantes a par dos acontecimentos mundiais sem gastar muito de suas preciosas baterias, diz ele.

O subfórum /r/vagabond, criado por Huck, ganhou popularidade após ser citado no podcast do Reddit, o Upvoted, e em outros sites de notícia, mas ele é apenas um dos lares digitais para os seres errantes que caminham por aí.

Sites como o HitchWiki e o TrashWiki oferecem guias de viagem colaborativos, voltados para mochileiros e pessoas sem renda. Outro fórum entitulado Squat the Planet (algo como "Invada o Planeta") se anuncia como "a maior rede social para viajantes inconformados" e foi criado por volta de 2001, de acordo com seu criador Matt Derrick.

"O foco do site eram as viagens em trens de carga, em grande parte porque era o que eu fazia na épcoa", disse-me Derrick. No começo, o site era um blog, mas a página cresceu até se tornar um fórum para viajantes desajustados, diz Derrick.

Hoje, um viajante pode usar o Squat the Planet para conseguir uma carona, anunciar ou comprar algum produto — um tópico relativamente normal para os parâmetros do fórum anuncia a troca de uma arma de paintball por um violino — e um lugar para dormir, além de conselhos e dicas sobre invasão de propriedades abandonadas, atravessar o país de carona e outros temas.

"Para mim o mais incrível desse fórum não é nenhum conselho específico, mas sim a sensação de que tudo é possível", escreveu Sally Randle, uma moderadora do site que mora no Reino Unido, por email.

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Randle, que vive e viaja em uma van, disse que o site a colocou em contato com experiências diferentes, como viajar em trens de carga, prática não difundida no RU.

"Como mulher viajante, ouvir as experiências dos outros e compartilhar as minhas próprias histórias me mostraram que eu não sou a única fazendo isso e que eu provavelmente não serei assassinada enquanto durmo", ela disse.

Derrick, criador do site, entrou nessa vida "acidentalmente", diz ele, quando seu carro quebrou no estado do Oregon no meio do que deveria ser uma viagem até Los Angeles.

"Eu acabei encontrando uma galera meio punk, que pedia carona e pulava em trens e coisa do tipo, e eu fiquei tipo, me leva com vocês", ele disse.

Isso aconteceu no final dos anos 90, e Derrick passou boa parte da década seguinte pedindo caronas e invadindo trens de carga, consertando computadores no caminho e trabalhando com webdesign e informática para tirar uma grana. Ele desenvolveu essas habilidades durante sua infância humilde, montando computadores a partir de peças usadas.

Nos últimos anos, Derrick tem preferido viajar de ônibus e até mesmo de avião, apesar dele garantir que ainda viaja de trem algumas vezes ao ano. Ao longo dos seus anos de estrada, ele observou o crescimento da popularidade da internet e de sites como o Squat the Planet entre os viajantes: a maioria das contas desses fóruns foi criada nos últimos cinco anos, diz ele, e o tráfego online explodiu a partir de 2012, quando os andarilhos começaram a utilizar smartphones e tablets.

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"Infelizmente, nós convivemos com uma geração que já nasceu na era da internet, o que cria o que nós do site chamamos de "informação mastigada", ele disse. "Esses jovens entram no site e exigem todas as informações mastigadinhas, porque é isso que a internet dá para eles. Eles não entendem que esta é uma comunidade, e que você pode aprender coisas incríveis, desde que você participe."

Mas muitos usuários participam ativamente: o sub-fórum de caronas costuma ter quase a mesma quantidade de ofertas e pedidos de carona. Um fórum sobre sexo e romance oferece um ombro amigo para viajantes, além de um tópico que parece a versão mais alternativa do fórum da Penthouse. E muitos dos membros entram no site depois de viajar por algum tempo, ansiosos para compartilhar o que aprenderam com uma comunidade de pessoas parecidas com eles.

"Eu cresci com a internet, e compartilhar sempre fez parte da minha vida"

Um usuário de 28 anos que utiliza o nome Viking Adventurer disse que caiu na estrada em 2013, depois de um divórcio.

"Eu sempre amei viajar, e estava numa encruzilhada da vida", ele me contou. "Eu havia acabado de me divorciar, e estava vivendo em uma cidade pequena desde que havia me casado, a cidade onde ela e a família dela moravam."

Ele viajou do sul da Califórnia para festejar o Mardi Gras em Nova Orleans, onde ele acampou em uma casa abandonada após o furacão Katrina. Pelo caminho, ele fez paradas no Arizona, no Texas, e passou alguns meses vivendo em Seattle, onde seu irmão o ajudou a conseguir um emprego em um hostel.

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Em algum ponto da jornada, um amigo que ele visitava falou sobre o Squat the Planet.

Desde então, o fórum ajudou o Viking Adventurer a achar informações valiosas sobre as cidades que ele visitava, "quais ruas são perigosas, quais restaurantes servem pessoas que não tomam banho há uma semana e estão carregando uma mochila gigante", exemplificou. Quando conversamos, ele estava planejando uma viagem de Thousand Oaks, na Califórnia, para a Costa Oeste, com uma parada em Seattle para comemorar o aniversário de seu irmão.

"Eu estou em Thousand Oaks porque eu estava trocando emails com alguém sobre uma carona até Bend, no Oregon, e a pessoa ainda não me respondeu", ele disse. "Ele estava saindo de Thousand Oaks e indo para o norte, então estou torcendo para conseguir uma carona".

Outro membro da Squat the Planet chamado Kevin O'Sullivan, que posta sob a alcunha de Highway man, afirma usar o Craigslist e o fórum de caronas do Squat the Planet para conseguir transporte, e o CouchSurfing para ter onde dormir.

"Eu costumo postar no fórum de caronas, e antes de chegar no lugar de onde a carona vai sair, eu uso o Google Maps para checar as ferrovias do lugar [para viajar em trens de carga], olho o Craigslist para garantir outras caronas e também checo o app do Megabus para ver se esse lugar tem ônibus baratos para onde eu quero ir", escreveu Kevin em uma mensagem privada no fórum. "Eu repito esses passos independente de como estiver viajando no momento."

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Ele já usou a internet para achar campings e banheiros públicos, locadoras de carros onde os veículos destrancados podem servir como abrigo temporário, lugares com chuveiros e, é claro, tomadas para carregar o celular. E quando seu celular pára de funcionar ou fica sem sinal, ele usa mapas de papel ou vai à biblioteca local.

O'Sullivan garante que não é um mendigo ou um viajante em tempo integral — ele tem um apartamento e uma família com quem ele mantém contato. Um auto-proclamado anarquista católico — "Se eu não tivesse uma esposa e filhos, é bem provável que eu virasse um monge ou frade católico sem nenhum bem material", diz ele — ele viaja para visitar locais sagrados e para assistir shows de punk rock, às vezes trabalhando como voluntário no caminho.

Mas apesar de muitos viajantes serem, até certo ponto, itinerantes por opção, os moderadores do fórum se esforçam para achar um equilíbrio entre oferecer informações que ajudem os novos adeptos e não tornar o estilo de vida atraente para adolescentes que não tem as habilidades necessárias para uma vida na estrada.

"Quando nós entramos nessa vida, a gente só levantava o dedão ou pulava para dentro do vagão, essa era toda a informação disponível", disse Huck. "Eu não entrei no YouTube para assistir documentários sobre o tema e ter uma noção de como era essa vida."

Isso acarretava em erros como pedir carona em estradas desertas ou pular em um trem indo na direção errada. A falta de informação também resultou em vários viajantes feridos após pularem de trens em alta velocidade.

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"Muitos jovens morreram por não saber o que estavam fazendo", disse Huck.

Huck afirma que é bom que o /r/vagabond mostre tanto os perigos quanto o lado glamoroso desse estilo de vida. O fórum ainda segue a regra de banir qualquer tabela ou guia que revele onde ou quando os trens de carga param durante a troca de funcionários. Esses guias foram cuidadosamente compilados por adeptos das viagens ilegais e passados para pessoas de confiança, em parte por medo de que a divulgação dessas informações pudesse terminar na morte de viajantes amadores, ele disse.

Como viajar em trens de carga também é ilegal, os adeptos também temem que tentativas mal-sucedidas aumentem a vigilância por parte da polícia, tornando essa viagens mais perigosas.

Mesmo assim, os viajantes utilizam fóruns, blogs e redes sociais para compartilhar suas experiências com amigos, parentes, e a internet. Huck já fez várias sessões de perguntas e respostas no Reddit, e, como muitos outros viajantes,ele também compartilha fotos de suas aventuras no Instagram.

Vine cortesia de Molly Steele

Para Steele, compartilhar fotos de suas viagens na internet sempre pareceu natural, mesmo quando ela foi presa.

"Eu cresci com a internet, e compartilhar sempre fez parte da minha vida", ela disse. "Essa é a época em que eu nasci. Para mim é normal compartilhar fotos que mostram o que eu estou fazendo."

Steele disse que antes ela se sustentava com suas economias e postava fotos no Instagram por diversão, mas hoje ela ganha dinheiro vendendo fotos no seu site e fazendo alguns ensaios ocasionais.

"Acho que eu nunca seria uma fotógrafa, ou faria o que eu faço, se não fosse o Instagram", ela disse.

Ela costuma viajar de carro, carregando sua parafernália de camping e escolhendo seus destinos de forma mais ou menos espontânea.

"Eu estava trabalhando muito e planejando comprar um carro [novo]", disse Steele, "mas ao invés de comprar um carro eu desisti dessa vida e comecei a fazer o que eu tinha vontade."

Tradução: Ananda Pieratti