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ceca

O Paulo e Joana apanharam o autocarro para ir à ASA

Só que não concordaram em grande coisa.

A OPINIÃO DO PAULO:
SECA! Agradado com o projecto Der Schlingel — O Facínora, lá me convenci a deslocar-me à Fábrica ASA para assistir a um projecto teatral que me parecia bastante promissor. A proposta da Mala Voadora era dar visibilidade a alguns dos contos de “surrealismo bárbaro” que povoam o imaginário de Guimarães, “narrativas vimaranenses, que são, espontaneamente, contadas de boca em boca (histórias comuns, sem autor e, por isso, transformáveis ao longo do tempo)”. Basicamente, coscuvilhices locais em palco, com uma remota possibilidade de incluir gajas nuas todas malucas. A partir de registos vertidos em papel por Francisco Martins Sarmento, Chris Thorpe seleccionou e escreveu textos para uma peça que propunha uma aproximação ao melodrama, com um foco especial em pessoas votadas ao sofrimento (os coitadinhos). Prometia também ser um exercício de narração. Não vou ser injusto, nem desagradável ao dizer que sofri com o trabalho apresentado. Mas é justo dizer que as minhas expectativas saíram goradas e que, no final do espectáculo, deixei a Caixa Negra da ASA com uma sensação de frustração por achar que a matéria-prima, tanto os textos de Martins Sarmento como o imaginário “surrealista” vimaranense, tinham potencial para um trabalho de outro fôlego, como, de resto, a peça O Facínora – Der Schlingel é um bom exemplo. A desilusão/frustração foi maior porque houve, durante a apresentação, alguns momentos em que a peça parecia arrancar para outra coisa, mas foram apenas fogachos. Por exemplo: a mobilidade das personagens entre os diferentes cenários e a “invasão” permanente de corpos e olhares poderia indiciar uma manipulação ou contaminação dos discursos narrativos, que não aconteceu. Eu esperava mais um exercício onde se pudesse explorar a subjectividade e o contraditório próprio do discurso oral, do género “quem conta um conto acrescenta um ponto”. Mas o exercício de narração resumiu-se, para desilusão minha, a alguns monólogos, uns mais bem interpretados que outros. E nada de gajas nuas. Também me desagradou o excesso de poluição sonora e visual que desviou, frequentemente, a atenção do espectador do essencial. Os adereços, figurinos e cenários estavam preenchidos e muito compostinhos, com atenção a todos os pormenores e detalhes possíveis, mas esse cuidado pelos pormenores e pelos detalhes também obrigou a um excesso de acções em cena, de corpos em movimentos e tarefas em realização que acrescentaram pouco ao essencial, mas que “poluíam” visualmente o conjunto. Apercebi-me claramente disso durante o último monólogo, quando a actriz saiu de cena e, por minutos, continuou a narrar — com a melhor cadência, tom e expressividade da peça — e o discurso ganhou uma dimensão subjectiva e onírica que se adequou mais aos propósitos do exercício. No fim da peça, restou-me beber uns copos e esperar que lá fora, na vida real, pessoas de carne e osso me contassem histórias cabeludas, sobre a vida dos outros e, com um pouco de sorte, se fossem gajas, tirassem a roupa. A OPINIÃO DA JOANA:
FIXE! O mal chega sempre de noite, de preferência com tempestade, num carro ou numa charrete (dependendo do século) e, por norma, vem sempre em forma de homem. Este é o puchline de toda a peça Dead End. Ir ao teatro é o mais próximo que eu conheço de praticar desportos radicais. Nunca sabes para o que vais, por mais que leias sobre a peça ou que te tenham falado dela. Sabes como entras, mas não sabes como e quando sais, sendo que só vais sair no fim. Sair a meio está fora de questão, ao contrário do que acontece no cinema, onde não vais ofender ninguém (porque os actores não estão mesmo lá), ou num concerto onde possivelmente os artistas já estão demasiado bêbedos/drogados/ambos para reparar que te esgueiraste de fininho. No teatro não, no teatro tens ali as pessoazinhas em cima do palco a dar o seu melhor. É certo que estão “em personagem”, mas não deixam de lá estar e tu não lhes queres ferir os sentimentos. E, por isso, seja a peça boa ou má, vais ter de gramar com ela até ao fim. Caso saias a meio, isso fará de ti um vilão e a única cena fixe sobre ser um vilão é que eles normalmente são giros. O vilão é o gajo que provoca o caos na normalidade e na ordem (ainda que seja aparente). O vilão, ou mau da fita, é aquela pessoa que vai andar a lixar a vida a toda a gente durante os dois primeiros actos para, perto do fim, se lixar em grande e chegar à conclusão de que não valia a pena ser tão mau. Descobre-o minutos antes de um piano lhe cair em cima e o matar, que é quando ficamos a saber que aquele ser mau-muito-mau, afinal tem um grande trauma de infância, visto que foi abusado pela mulher boazona do tio mais novo da mãe, dias antes desta ter fugido com o jardineiro musculoso que, em tempos, tinha sido padre, numa aldeia perdida da Serra da Estrela, mas que tinha voltado a Guimarães em busca de vingança, por tudo o que o seu tio (casado com a tal boazona) tinha feito uma vez à sua irmã mais nova, quando, numa ocasião, foi caçar para aquelas bandas… O vilão nunca é mau, PORQUE SIM. Nunca é mau, porque há gente que simplesmente tende, de forma natural, para o lado escuro da força. E depois os bons da fita (nós), nesse momento final, percebemos que todo aquele sofrimento e sacrifício valeu a pena, porque a vitória foi do bem e ficamos moralmente apaziguados e voltamos à nossa (aparente) normalidade. E o Dead End falava destas cenas. Desmontava toda a cena das historinhas novelescas que povoam os bairros. Curti ter uma desculpa para as más acções. Vou ali fora chutar cãezinhos fofinhos e já venho. Fotografia por Strangelfreak