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Coluna do Greg Palast

Quando o Jornalismo Não Funcionar, Tente a Poesia e a Ficção

Minha arma de repórter parece pouco eficiente e minha mira não tão boa. Por isso, apaguei meu rascunho de coluna para hoje, que continha aquela lista habitual das transgressões de nossos líderes políticos. Devido aos limites do jornalismo, talvez...

Greg Palast é um repórter investigativo e autor de vários best-sellers do New York Times, incluindo seu último lançamento, Billionaires & Ballot Bandits.

Temos maus hábitos. O pior deles, além de gritar com nossos filhos quando estamos de ressaca ou desapontá-los de maneira geral, é o pacto diário que fazemos com o Mal.

Todo dia, entramos de cabeça na rinha de galos entre O Que É Certo, O Que É Horrível E Babaca e, a terceira escolha, o Foda-se.

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Claro que não somos o Bradley Manning nem o Edward Snowden. A gente sabe que o melhor mesmo era calar a boca.

E esse é o conflito no centro da corrosão da civilização: não a diferença entre segurança nacional e liberdade, mas entre coragem e cumplicidade.

Warren Ellis — que você deve conhecer por quadrinhos como Transmetropolitan com Darick Robertson — disse que o jornalismo é uma arma terrivelmente fraca — mas quando miramos no lugar certo, ela pode explodir os joelhos de vilões bem grandes.

Mês passado, o Tribunal Superior dos Estados Unidos queimou uma cruz judicial em cima do túmulo do Martin Luther King, efetivamente acabando com a Lei de Direito ao Voto. O apartheid voltou oficialmente às eleições norte-americanas. E David Cameron anunciou que vai curar a dor da recessão tornando a vida ainda mais dolorosa. Ano que vem, o governo dele promete jogar ainda mais trabalhadores no vulcão da austeridade para apaziguar os deuses do mercado de títulos.

É muito provável que Nelson Mandela esteja morto em breve — juntamente com sua visão de igualdade e comunhão entre os seres humanos.

Diante de tamanha vilania, minha arma de repórter parece pouco eficiente e minha mira não tão boa. Por isso, apaguei meu rascunho de coluna para hoje, que continha aquela lista habitual das transgressões de nossos líderes políticos. Devido aos limites do jornalismo, talvez possamos aprender mais com a ficção e com a poesia.

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Começo com Warren Ellis.

Warren Elis. (Foto via)

Da mesma forma como o assassino de Gun Machine, seu último romance, Ellis está horrorizado e puto por sair pelas ruas de Manhattan só para comprar um bagel e pisar em crânios de índios Lanape, em cadáveres putrefatos de imigrantes com tuberculose e em provas de assassinatos/suicídios não resolvidos causados por execuções hipotecárias.

O assassino de Ellis não está completamente louco quando conclui que quem morre nesta terra doente, este cemitério envenenado, merece morrer. Merece uma bala na cabeça, ou — o que é mais comum — o rebaixamento para um trabalho como segurança num shopping center de propriedade de um maldito financista com uma empresa de fachada nas Ilhas Virgens.

Tanto o pistoleiro de Ellis quanto o policial que o persegue têm — como Manning, Snowden e Mandela — uma inabilidade patológica de ignorar os lembretes desagradáveis da carne com a qual construímos nosso império.

O editor do New York Times, que usou avidamente as informações vazadas para o WikiLeaks por Manning, não teve nenhum problema em chamá-lo de “perturbado”. OK, vamos aceitar que coragem é uma forma de insanidade. Todos os profetas são doidos mesmo.

Mas nós somos sãos. Estamos sempre olhando direto para nossa papelada, sempre atrás daquela promoção, cobiçando a irmã mais bonita de nossa outrora bela esposa — e quando Satanás diz “Valeu aí!”, fingimos que não é com a gente.

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Mas Warren Ellis escuta o que Satanás diz. Em Gun Machine, Ellis usa os procedimentos policiais como uma maneira brilhantemente subversiva de recontar a clássica batalha bíblica e de uma forma que beneficie nossa era de sonolência ética eletronicamente induzida. Olha só:

“O assassino de Jim Rosato era um fisiculturista que resolveu partir para os hambúrgueres e dias inteiros no sofá. Ele estava tremendo. [O policial] Tallow podia ver ecos sombrios de músculos sob a banha. O topo da cabeça dele era careca e parecia pequeno demais para conter um cérebro humano. Seu pinto caído sobre seu saco era como um clitóris cinza. O nome Reginatinha sido tatuado toscamente em seu peito, esticado entre as tetas cabeludas. John Tallow não conseguia, naquele momento, ver nenhum razão para não matá-lo simplesmente, então, colocou quatro buracos no Reginae uma azeitona na cabecinha daquele saco de merda estúpido.”

Ei, todo mundo já teve dias ruins assim, né?

*

Admito que minha atração por um romance de detetive de um escritor de quadrinhos tinha um motivo. Isso é parte de minha batalha interminável e desconsolada contra a estupidez.

Recomendo — e insisto — que, depois de ler Gun Machine de Ellis, você parta para Anna Chen, depois para Michael Griffin e Robert Parry. Faça isso e você não terá desperdiçado seu ano de leituras.

Anna Chen lendo suas poesias em St. Ives, incluindo “Burgers”.

Deve fazer uns dez anos. Sob a influência do vinho grátis na sala verde do Newsnight, lembro de ter dito coisas desagradáveis para certo poeta laureado norte-americano. Acho que foi o mocassim e a jaqueta de veludo cotelê que me fizeram pensar que ele tinha acabado de voltar de uma loja de fantasias de poeta. Os poemas dele também usavam mocassim.

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A poesia de Anna Chen usa couro, batom vermelho e sapato de salto alto — e anda sempre armada. Seu pequeno volume, Reaching for My Gnu, está cheio do que eu chamaria de “poemas cinta-caralha”. Eles parecem prazeres fáceis de uma noite, mas são muito mais dolorosos e inesquecíveis do que você esperava.

O trecho a seguir é de “Burgers” e descreve a necessidade de o artista entrar fundo na sujeira, de alcançar o fundo da Chapa Quente e Suja da Vida:

“[…] Quero um hambúrguer que não seja bem cozido,

queimado por fora com um meio rosa,

tossido, escarrado,

chutado e mastigado…

Um onde o chefe tenha ido ao banheiro,

um número um e um número dois

e um número três se ele te agrada […]”

Chen, uma dramaturga militante do BEAA (British East Asian Artist) que bloga com o nome Madam Miaow, fode com os estereótipos de raça em poemas como “Yellowface” e “Anna May Wong Must Die!” Eles são a mistura perfeita de diversão e ameaça.

Como a maioria da boa literatura de hoje, Gnu só está disponível on-line.

Proibida a entrada de mocassins.

*

Savanarola podia aprender muito sobre queimar livros com os tribunais britânicos. Michael Griffin me disse recentemente que não ficou com uma cópia sequer de seu extraordinário Reaping the WhirlwindThe Taliban Movement in Afghanistan. Mas ele tem um certificado de um crematório dizendo que todas as cópias conhecidas foram queimadas.

Aparentemente, uma das frases do livro incomodou um bilionário, então, uma aberração de peruca e robe — que os ingleses chamam de “juiz” — fez cumprir as leis de difamação da época da Inquisição dessa ilhota ignorante.

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No entanto, consegui achar uma cópia nas prateleiras de livros usados da livraria Strand em Nova York.

Griffin publicou seu Taliban meses antes do 11 de Setembro. Ele esperava que o livro fosse ignorado. E foi.

Ex-combatentes do Talibã, o tema do livro de Michael Griffin. (Foto via)

Assim, no momento em que o livro se tornou um best-seller, era tarde demais.

Ainda é possível sentir um arrepio de ironia quando Griffin alerta que a ameaça de Osama bin Laden contra os Estados Unidos não era brincadeira.

E o livro tem muitos momentos perturbadores de PQP!, como quando o Irã marchou com 200 mil tropas até a fronteira com o Afeganistão para derrubar o Talibã, aqueles “selvagens ortodoxos” nas palavras do presidente iraniano Khatami. O Irã esperava acabar com a farra dos assassinatos cometidos pelo Talibã nos vilarejos xiitas — uma ação militar bloqueada por ameaças dos Estados Unidos.

Apesar de o livro acabar antes da invasão norte-americana ao país, você não perde nada em ler essa história sobre o Afeganistão. A história da Ásia Central simplesmente se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa, depois como Obama.

Como não quero trazer problemas para Griffin (mais do que ele já tem), sugiro que você compre o livro só depois de fugir da Grã Bretanha.

*

Finalmente, temos o novo livro de Robert Parrys, America's Stolen Narrative: From Washington and Madison to Nixon, Reagan and the Bushes to Obama.

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Não se deixe enganar pelo título maçante e a capa tosca: o livro é um ataque de drone muito bem escrito e mirado contra a estupidez.

Exemplos: Parry acaba com o General David Petraeus, em quem a imprensa americana adorava babar (até que o General teve que renunciar por babar demais em cima de um membro da imprensa). O General teve a ideia nojenta e sangrenta de um “surto” — um aumento maciço em tropas e na matança — para subjugar o Iraque ocupado. “O Surto” teria supostamente reprimido a insurgência sunita.

Conversa mole. A insurgência morreu quando os Estados Unidos entregou discretamente tijolos e mais tijolos de dinheiro para os insurgentes e seus irmãos (“O Conselho do Despertar”) — depois fez vista grossa para a limpeza étnica de xiitas dentro da província de Al-Anbar (enquanto os xiitas tiveram permissão para conduzir perseguições em todo o resto do país contra os sunitas).

[Veja também: Ricardo Rowley, o fotojornalista viciado em perigo, filmou esse caos étnico sancionado pelos Estados Unidos para a Al Jazeera — uma reportagem disponível na revista eletrônica Big Noise — outra ótima fonte contra e estupidez.]

Parry foi o repórter da Associated Press que descobriu o escândalo das armas por reféns no Irã. Por cometer esses e outros atos de jornalismo, ele foi despedido da AP. Parry tem sofrido o equivalente a ser mandado para a Sibéria dentro da mídia americana. Banido das telas e tendo seu acesso bloqueado a seus antigos jornais e revistas, Parry precisa agora, assim como Soljenítsin, publicar seus próprios livros, no melhor estilo Samizdat. Então perdoem o design tosco da capa, OK?

*

Crédito extra: Se você está num veículo roubado, dirigindo rápido demais para alcançar seu Kindle, faça uso da cura alternativa para estupidez: Sorry to Bother You, a música perturbadora mais recente do mestre do hip hop Boots Riley, junto com o The Coup. Se você achar a poesia dos caras muito difícil de entender, clique aqui para uma excelente tradução para o caucasiano.

Siga o Greg no Twitter: @Greg_Palast

Anteriormente:  O Drone Ranger: As Guerras Sujas de Obama