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Fotos

As Colagens de Erin Jane Nelson

O trabalho de Erin Jane Nelson vai de flertes com teatro experimental japonês a vídeos de meditação até uma investida na construção de brinquedos para pássaros. Mas o que realmente impressiona são suas colagens fotográficas íntimas e altamente abrasiva

A primeira vez que me deparei com o trabalho de Erin Jane Nelson, fiquei confuso. Sua obra é disparatada: vai de flertes com teatro experimental japonês a vídeos de meditação até uma investida na construção de brinquedos para pássaros. Mas o que realmente me impressionou foram suas colagens fotográficas. Elas parecem tanto íntimas quanto altamente abrasivas; composições discretas e humildes muitas vezes envoltas em acrílico vibrante. Há pouca consideração com a “santidade” da imagem, altamente manipulada, e ainda assim, o trabalho é reverente à aparência da fotografia de filme tradicional. O espírito do trabalho de Erin emana dessas discrepâncias, dessas aparentes contradições.

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Erin cresceu nos subúrbios de Atlanta, Geórgia, e depois foi para Nova York estudar na Cooper Union School of Art. Depois de se formar, ela se mudou para Oakland, Califórnia, onde vive e trabalha até hoje. Eu me encontrei com a Erin recentemente para discutir atitude, o arquivo e a Grande Maçã.

VICE: Por que você saiu de Nova York?
Erin Jane Nelson: Eu me mudei para Nova York uma semana depois de fazer 18 anos, depois de ter vivido minha vida inteira nos subúrbios. Obviamente, a mudança foi muito distinta e intensa. Eu simplesmente não entendia as maneiras como a arte é altamente social, às vezes para o bem e às vezes para o mal. Logo ficou aparente que eu estava atrás da curva em termos de conhecimento de arte contemporânea – eu só entendia isso através dessa identidade de garota adolescente que tem um LiveJournal, tão baseada em fantasia. Sabia que queria crescer por estar em Nova York, mas me sentia mal preparada para me encaixar num molde aceitável, mesmo tentando. Mas também me sentia mal preparada para resistir; não sentia que tinha a linguagem e a autoconfiança para isso. Tenho quase 25 hoje, e sinto que agora seria capaz de voltar com meu trabalho e me sentir bem lá. Tenho uma rotina na qual passo a maior parte do tempo fazendo coisas. Tenho um pequeno núcleo incrível de colegas em Oakland, e sem eles eu provavelmente ainda estaria confusa e perdida em meu trabalho e minha identidade.

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Então, deixar Nova York foi uma decisão relacionada a uma necessidade de controlar seu envolvimento tanto com estímulos culturais quanto sociais?
Eu sabia que precisava de um tempo de tudo isso. Ultimamente, tenho me sentido pronta para me envolver num espaço mais global e “conectado” de novo. Sinto que preciso de acesso a uma cultura mais imediata, mesmo que os aspectos sociais disso ainda me tragam ansiedade; eu me sinto melhor equipada para processar esses sentimentos e não deixar isso atrapalhar minha prática de estúdio. Quando você é jovem e acaba num ambiente competitivo, sua identidade se volta para estilo, atitude, coragem. Sinto que o que produzi dentro dessa atmosfera era morno e tedioso. Passei muito tempo assustada, mas com raiva. Não me sinto mais assim. E também não tenho mais 19 anos. Acho que tentar ser jovem e aprender, enquanto também conhecia Nova York, criou tanta raiva e energia em mim que venho processando isso através de imagem e linguagem. Tento fazer isso com o menor grau de culpa possível, mas às vezes eu me sinto uma grande hater.

Haters não fazem porra nenhuma. Você parece interessada nas possibilidades criativas da destruição. Você descreveu suas colagens para mim como o resultado de destruir lentamente seu arquivo pessoal de imagens. Fale um pouco sobre seu interesse na montagem de arquivos, tanto pessoais como profissionais. Você trabalhou como arquivista para a Fraenkel Gallery, não?
Em meu trabalho pessoal, ideias de arquivo vêm se tornando menos presentes, ou, na verdade, a estética de arquivo, como acho que isso é entendido. Lembro de duas exposições que vi em Nova York que tiveram um grande impacto em como eu pensava o arquivo: uma foi WACK!, uma grande pesquisa feminista no MoMA PS1, e a outra foi Archive Fever, no Centro Internacional de Fotografia. As duas exposições aconteceram no meu primeiro ano de faculdade. Politizar um arquivo parece um domínio interessante. Por acaso, acabei trabalhando em digitalização de arquivos, não sei bem como isso aconteceu. Em toda minha vida, tem sido importante aprender o máximo possível. De maneira similar, um arquivo pode ser uma maneira de ter um corpo tangível de informação. Muito do que faço com arquivamento tem a ver com saber acessar grandes quantidades de informação visual de uma vez, o que, para mim, se relaciona mais com ideias em torno de big data, mais com a economia de informação baixada do que com uma sala cheia de pastas de papel manilha.

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Sim, tem mais a ver com um entendimento em rede do mundo. Você vê seu trabalho de colagem como um meio de destruir seu arquivo pessoal?
Claro. O trabalho que estou fazendo agora é essencialmente minar coisas que fotografei quando era estudante. Quando saí de Nova York, dois anos atrás, vendi todas as minhas câmeras de filme. Eu praticamente desisti da fotografia. Meu livro com Nick Gottlund foi publicado em 2012, e era tipo um ensaio triste de fotos sobre o Ocidente. Era muito tipo: “É pra lá que estou indo, não tente me encontrar”. Eu estava mudando muito e não tinha os meios para produzir novos projetos. Eu tinha uma câmera digital básica e meu notebook, e estava sentindo todas as coisas que você sente quando deixa um lugar de forma dramática e olha para seu trabalho condensado na tela de um computador. Mesmo estando longe da cena de fotografia em Nova York por apenas dois ou três meses, senti rapidamente que não entendia mais meu próprio trabalho, ou que não estava conectada a ele. Então, comecei a processar essas coisas através de vários filtros, literais e conceituais. As colagens começaram como um retrabalho de fotos de iPhone e fotos digitais com a câmera básica, coisas que tinham uma aparência muito diferente. Digital para digital não era tão empolgante para mim, mas, em certo ponto, comecei a trabalhar nas fotos de filme. Parecia mais rico assumir essa modalidade na qual eu realmente acreditei em certo ponto da minha vida: a fotografia de filme.

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E então inverter o processo.
Sim. Não sinto que seja um gesto radical, é algo que já vinha sendo feito com fotografia e que agora acontece em grande escala. É importante para mim não só desenvolver uma peça pronta de copiar/colar, mas que isso seja um processo de evolução constante. Realmente, quero que o trabalho seja sobre um processo trabalhado ou baseado em tempo. Isso morfa muito. Inicialmente, quando imprimi essas coisas, elas estavam sendo produzidas como negativos digitais em acetato e então transformadas em impressões de contato no processo de prata coloidal. Então, elas começavam como negativos e acabavam como positivos produzidos de novos negativos. No produto final, você vai ver o que é muito obviamente a ferramenta varinha mágica com poeira e arranhões da sala escura. Leva um longo tempo para chegar ao lugar em que você precisa estar com uma coisa, pelo menos para mim, então comecei a pendurá-las atrás de pedaços coloridos de acrílico, que eram como outros meios de filtrar a informação. E fico feliz com isso – mas agora estou estofando com fotos, quero mesmo fazer esses estojos esculturais com fotos.

O trabalho parece ser sobre a filtragem da imagem e a síntese de uma variedade de linguagens visuais bem estabelecidas.
Estou interessada em como histórias materiais conformam ou se chocam tanto longe do teclado como na internet. Gosto de misturar as estéticas de um software, de uma foto tradicional em filme, de design gráfico, de desenho e misturar tudo. É fácil achar um modo para o qual já existe uma norma cultural, encontrar seus aliados dentro dessa história e fechar a conta. Estou mais interessada em encontrar maneiras de subverter isso e encontrar um domínio que pareça mais solitário, e se faz algum sentido.

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Parece que você está procurando por novas formas por meio de um processo de rejeição ativa.
É, essa é uma mudança de atitude recente. Quero fazer um trabalho que as pessoas possam acessar, o que sempre foi um objetivo para mim. Isso é bem pessoal, mas cerca de dois anos atrás fui violentamente atacada em plena luz do dia por dois adolescentes. Desde então, meu trabalho tem se tornado profundamente antagônico, e tenho me interessado em violência como um meio de produzir trabalhos. Não que minhas obras pareçam violentas, mas meu pensamento em torno de como envolver o espectador ou exigir atenção mudou muito.

Parece que a cor é algo muito importante para você. Qual é a relação que você vê entre essa perspectiva antagônica e a excisão de cor de seu trabalho?
A cor foi um dos meus primeiros amores na vida. Minha mãe achava que eu tinha transtorno obsessivo compulsivo quando eu era criança, porque eu organizava tudo por cor. A cor na produção fotográfica pode mudar rapidamente a leitura de um trabalho para tratar sobre coisas como sentimentalismo, estilo de vida, afetação – que não é necessariamente o que quero que as pessoas tirem de meu trabalho. A cor é sedutora e supersensual, e eu adoro isso, mas acho que quando você está tão intoxicada por uma coisa, é preciso ter certeza de que está lidando com isso em mediação. As colagens em preto e branco são produzidas originalmente em cores, e depois há um momento em que eu as aplaino. É como nos desenhos animados. Quando um personagem de desenho está triste, toda a cor sai dele; é mais ou menos o que está acontecendo com o trabalho. É divertido e adorável, e então é drenado.

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Então o personagem de desenho é você? Como você lida com sua subjetividade inerente como artista?
Gosto de fingir que tudo o que faço não é puramente como um diário ou sobre minha subjetividade. Sempre tive um respeito imenso por artistas que também gerenciam espaços ou fazem publicações, porque sempre quis sentir esse empurrão ou puxão de generosidade. Adoro minha rede de amigos, mas sou inerentemente uma pessoa antissocial, e o que sinto é produzido por comportamento antissocial, é algo completamente míope, auto-obsessivo – especialmente quando você tem que olhar o mundo através de uma tela, e quando sua participação com essa tela de rede é tão quantificável. Acho que há muitos trabalhos feitos por mulheres agora que são um tipo de ego produzido pela internet, e isso acaba se tornando muito sobre o corpo, a performance e a aparência delas. Esse com certeza não é meu modo e nunca será; no entanto, algumas dessas atitudes são muito relacionadas com o que sinto e com o que identifiquei como minha subjetividade.

Falando em performance, você vê suas imagens sendo feitas ou continuamente se abrindo em outras coisas? Seu trabalho toma forma numa variedade de meios; a prática interdisciplinar é crucial para seu trabalho?
Tive essa epifania na faculdade. É uma analogia, que não compartilhei antes porque não gosto de analogias. Gosto de falar de maneira plana e direta, então essa é uma analogia rara. Tenho duas, na verdade. Eu pensava muito que o que eu estava fazendo esculturalmente, ou mesmo com imagens, era como construir um closet, de onde você tira coisas e põe coisas de volta. E isso também está ligado ao arquivo, tem sempre um closet cheio de merdas pronto para ser derrubado a qualquer momento, para qualquer necessidade. Não gosto de pensar em trabalhos feitos com o tempo como lineares, gosto de circular em torno de objetos e ideias.

A segunda metáfora é relacionada aos meus avós. Sou muito próxima deles e agora eles moram nas montanhas no Novo México. Eles trabalham no Santa Fe Opera House como docentes. Então, fui introduzida à opera muito jovem e às vezes me voluntario para trabalhar lá no verão. Sempre apreciei essa forma de produção cultural. A descrição alemã é um tanto verdade: gesamtkunstwerk, a obra de arte definitiva. É visual, é musical, é atuação, é dança, é tudo isso em uma forma. As qualidades empáticas extrapoladas da ópera e o efeito de assistir a uma ópera têm sido uma influência enorme para mim e minha produção artística. Mesmo que não seja uma peça com canto, dança e um cenário, mas que tudo possa existir de uma forma operística ou maximalista. A maneira como os meios se tornam compartimentalizados e divididos em guetos é puramente econômico e institucional, não acredito que as pessoas naturalmente queiram produzir assim. Acho que, quanto mais o indivíduo é capaz de se abrir para as responsabilidades de fazer trabalhos operísticos, mais gratificação ele pode encontrar.

Erin Jane Nelson é uma artista e redatora que vive em Oakland, Califórnia. Ela se formou na Cooper Union School of Art em 2011, já estudou na Academia de Arte de Malmö na Suécia e na Escola Ox-bow em Michigan. Recentemente, seu trabalho foi exposto na Interstate Gallery (Brooklyn), na Jancar Jones Gallery (Los Angeles), na Heaven Gallery (Chicago) e na Important Projects (Oakland).

Kyle Laidig é um artista e redator que vive na Filadélfia, Pensilvânia. Siga o Kyle no Tumblr.

Tradução: Marina Schnoor