FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Entrevistei um dominicano que gere uma label de electrónica em Nova Iorque

E fiquei a saber que um edit com o Juan Luis Guerra não está fora de questão.

O caso exposto no título da entrevista é certamente incomum, mas não seria assim tão excepcional se a label em causa fosse confundível com outras tantas dentro do género. Mas o dominicano Jose Miguel de Frias (hoje cidadão do Bronx, Nova Iorque) parece empenhado em fazer com que isso nunca aconteça com a sua Sequencias, que, em pouco mais de três anos, acumulou um catálogo tão surpreendente como capaz de nos fazer crer que o melhor ainda está para vir. Para já, o que podemos encontrar na Sequencias são oito vinis de doze polegadas preenchidos com inspiradíssimos exercícios de techno (mais vezes) e house (menos) abertos a todo o tipo de riscos e com uma fome de animal por um futuro que ainda está por escrever.

Publicidade

Muito mais simples é descrever o presente da Sequencias tomando como ponto de partida o seu principal mentor JM de Frias, que, como se pode comprovar já de seguida, é um daqueles bacanos que nos cativa com as mais simpáticas e simples respostas. Proveniente da República Dominicana (onde nasceu e cresceu) e rodeado por uma família carregada de talento e bom gosto musical, JM de Frias encontra-se naturalmente vinculado aos ritmos latinos e não nos admiraríamos se a qualidade desses tivesse contribuído para elevar o critério do patrão da Sequencias.

A verdade é que pela Sequencias já passaram boas revelações como os Healing Force Project ou Metropolis (disfarce de Nick Lapien) e também produtores em perfeito estado de graça, como é o caso do incrível Jamal Moss (ele que por aqui já editou como The Hieroglyphic Being e com o mais secreto projecto The Sun God). O mais recente lançamento da label,

I Have No Eyes, and I Must See

, coloca também JM de Frias no lugar de produtor e lado a lado com dcantu. O resultado da colaboração não andará assim muito distante de uma micro-banda-sonora para acompanhar um imaginário filme de ficção-científica cheio de filosofia e existencialismo (à imagem de Solaris, do visionário Andrei Tarkovsky). Com todos esses dados em mente, mas sem colar-se a um só, a conversa com Jose Miguel de Frias avançou pelos mais diversos caminhos e terminou no herói da República Dominicana que é Juan Luis Guerra.

Publicidade

VICE: Pedia-te que começasses por partilhar aqueles que foram para ti os factores cruciais para iniciares a tua própria label.

Jose Miguel de Frias:

O factor mais importante foi a minha obsessão pela música. Sou também fascinado pela ideia de um esforço colectivo apontado a um objectivo, especialmente na música. A Sequencias é a plataforma certa para exercitar este fascínio.

Acredito que tivesses um plano definido quando decidiste começar a Sequencias. Tens seguido à risca esse plano ou a label tomou direcções inesperadas entretanto?

Até aqui houve um equilíbrio entre essas duas realidades. Quando orientas uma label, tens de traçar um plano para que as coisas façam sentido. Contudo, há sempre uns quantos desvios que tornam tudo mais entusiasmante. Acho que é importante haver um balanço entre as duas situações.

A tua situação invulgar lembrou-me como a Fania Records foi também fundada pelo dominicano Johnny Pacheco e tem um catálogo de luxo. Sentes que esse fogo latino da Fania ainda mexe em Nova Iorque ou concentrou-se ultimamente em Miami?

O Pacheco é o maior! Não me parece que o catálogo da Fania alguma vez deixe de ser relevante para o mundo inteiro. Alguns dos discos que editaram encontram-se entre os melhores da música latina. Além disso, a Fania representa a nossa casta Latina e da minha parte só merece mesmo todo o amor.

Diria que há um fio condutor a ligar os diferentes artworks da Sequencias, apesar do envolvimento de diferentes artistas. Muitas das imagens utilizadas assemelham-se a memórias gastas extraídas a outro espaço e tempo. Pensas ser importante para uma label manter uma “narrativa estética”? O que procuras habitualmente num colaborador visual?

Publicidade

Acho que é essencial uma label ter a sua própria estética. No meu caso, sou muito fotográfico na relação com a música. Adoro a ligação entre a música e as imagens, e tento reflectir isso no trabalho artístico da Sequencias. O que procuro geralmente num colaborador é a sua capacidade de se ligar visualmente à música. Actualmente trabalho com a Andrea Robiou, que é uma fotógrafa e designer de moda Dominicana, e também com o designer gráfico Leonard Posso, que acrescenta sempre uns toques finais.

Parece-te essencial que esses dois colaboradores gostem da música que lanças na Sequencias?

Creio que não. Muitas vezes eles até só escutam as faixas quando o disco é anunciado. O meu trabalho passa também por fazer esse acerto entre os dois mundos.

Podias agora concentrar-te em apenas uma faixa da Sequencias e falar-nos da sua origem e do que significa para ti?

Sim, escolho “Shuffle”, do Aroy Dee, incluída no primeiro lançamento. O dia em que garanti essa faixa foi especial porque me fez sentir qualquer coisa de diferente. Estava a caminhar pelas ruas de Nova Iorque, num dia de primavera chuvoso, quando a escutei pela primeira vez. Carreguei no play e senti uma melancolia a apoderar-se de mim. Estava no lugar e no momento perfeito para escutar a faixa.

Quais te parecem os melhores e os piores aspectos de gerir uma label, como esta, em Nova Iorque?

O melhor aspecto é mesmo estares rodeado de pessoas na mesma posição que tu. Há inspiração a fluir por toda a parte. De resto, não encontro nada de mau nesta tarefa.

Publicidade

Aproveitando o facto de já teres trabalhado várias vezes com o Jamal Moss (Hieroglyphic Being, The Sun God), gostava de saber se já viveste algum daqueles momentos em que a música do gajo te deu mesmo a volta à cabeça.

Chaval, foram muitos os momentos em que a música do Jamal me deu a volta à cabeça. Recordo-me, por exemplo, das primeiras vezes em que escutei “Bird Songs 4 Amelie” ou “Spoken By The Spirits”, e de como me parecem tão funky e melosas ao mesmo tempo. Aquilo é lindo.

Continuemos a falar de fabulosas experiências cerebrais, porque gostava de saber que outros episódios te deixaram de queixo caído no chão e com vontade de formar a Sequencias.

O primeiro foi mesmo a escuta da remistura de Slow to Speak para “Idumæa”, de Current 93. Não encontro um melhor exemplo de tensão e resistência na música de dança. Aquilo vai acumulando até explodir! O segundo terá sido por acaso um vídeo de Eddie Palmieri a tocar “Puerto Rico” e “Adoración” no Woodstock, por volta de 1973. O gajo transborda paixão naquela actuação e é possível reparar como se deixa apoderar pela música com a tal acumulação de tesão. Ali está um tipo brilhante. O terceiro vai ser partilhado quando sair na Sequencias, durante este outono. Trata-se de uma colaboração entre o trompetista Mark Nieuwenhuis e o Nepal (Nick Lapien). Acredito que seja uma excelente demonstração da musicalidade do Nick e da grande actuação do Mark.

Publicidade

Olha, fiz um esforço durante toda a entrevista, mas vou ter mesmo de ter perguntar sobre a opinião dos dominicanos em relação ao Juan Luis Guerra (autor da inesquecível “Burbujas de Amor”).

Acho que não existe um só dominicano que não conheça pelo menos uma canção do Juan Luis Guerra. O povo dominicano orgulha-se dele pelo sucesso internacional que alcançou com a música. Sinto que representa a nossa ilha de uma forma positiva.

Nunca te ocorreu a ideia de gravar um edit do Juan Luis Guerra?

Essa é uma questão interessante. Acho que existem muitos artistas dominicanos que me levariam a isso muito antes do Juan Luis Guerra, mas nunca se sabe. Talvez faça qualquer coisa inspirada por esta questão.

Envia-nos isso para a VICE quando estiver pronto, mas entretanto fala-me desses outros artistas dominicanos que podiam merecer um edit teu.

Há um cantor chamado Carlos Manuel, “El Zafiro”, que era gigante nos anos 80 e que agora mora a apenas alguns quarteirões de mim, aqui no Bronx. Adoro-o pelo estilo único que tem e pela inspiração que retira da música cigana. É claro que também faria algo com as gravações da minha mãe, que era uma das principais vocalistas de uma banda feminina de Merenge, nos anos 80. Teve um êxito e tudo.

Isso é fabuloso. Conta-me um pouco mais dessa história. É curioso o que dizes porque o meu pai também teve uma banda de baile chamada Ouriços do Mar, em que ele cantava e tocava caixa rítmica.

Publicidade

Lindo!  Vou procurar a banda do teu pai. A minha mãe está nesse vídeo: é ela que está cantar, mas a líder da banda é a Belkis Concepcion, que tocava piano.

Qual é a melhor maneira de curtir à grande em Santo Domingo?

Nas praias! A beber montes de Brugal, Presidente e a minha favorita Barcelo Imperial. Vais passar um bom bocado depois de malhares uns copos. [Risos]

Obrigado, José. Até à próxima.

Fotografias por Julieta Morales Alfonso Rodriguez Mavely Reyes