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festivais

Acampei no Doclisboa no fim-de-semana passado

E vi filmes incríveis.

Antes DE MAIS, nunca é DEMAIS relembrar que

a VICE está numa relação com o Doclisboa e não é complicada

. Porquê? Bem, porque temos umas sessões com alguns dos nossos documentários. Onde? No

Palácio das Galveias

(mesmo ao lado da Culturgest). Quando? Nos dias 21 (ontem), 22 (hoje) e 23 (amanhã). Horas? Às 22h30. Como? Com o apoio das bicicletas da

MERRELL

e com a ajuda dos estafetas da

Camisola Amarela

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produzimos energia suficiente para que o sistema de projecção consiga trabalhar a 100 por cento. Ontem, apresentámos o

Takanakuy

. Hoje, a nossa/vossa atenção vai para o Paquistão, com

The VICE Guide To Karachi

. Amanhã, a ideia é ir até à Coreia do Norte, enquanto se vê o

North Korean Film Madness.

 E a entrada é livre, pessoal.

Anotem aí: a festa de encerramento do Doclisboa também está por nossa conta, tendo a

MERRELL

como parceira e contando com o apoio do

Purex

e da

Red Bull

. Sábado, dia 27, também no palácio, a partir das 23h30, vamos todos poder ir na cantiga de

Round Square Arkestra

,

Jozef van Wissem

,

My Dry Wet Mess

,

Auntie Flo

,

ESA

e

Zoda Cade DJ7

.

Entretanto vejam como correu o fim-de-semana passado:

DIA 19

O meu primeiro dia de festival foi diferente do que esperava. Sair de Lisboa a uma sexta-feira à tarde não é fácil, mas entrar também não. Para uma pessoa que vive fora da cidade, que não depende apenas da rede de metro, assistir a eventos culturais como este pode revelar-se um problema. O gasóleo está caro e vivo à distância suficiente para ainda me fazer alguma mossa no orçamento estas viagens do final do subúrbio para a cidade.

A ideia era ir ver o

Edifício Espanha

, mas não deu.

Portanto, esse é o primeiro problema que, nos dias que correm, suponho que seja partilhado por muitos outros como eu. Para além disso, uma viagem de meia hora pode, em hora de ponta, tornar-se numa espécie de epopeia sem glória. Saí com ideias de assistir ao filme

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Edifício Espanha

, que tinha, segundo os meus critérios, uma sinopse mais bonita que os outros.

Em 2007, teve início um projecto de restauro a fundo do edifício España, um dos mais proeminentes da baixa de Madrid, símbolo de prosperidade do Franquismo durante décadas. Mais de 200 trabalhadores de dezenas de países participam nos trabalhos, dando azo a histórias invulgares e ligando as suas experiências à história em curso do edifício.

Mas, quando passei na Praça de Espanha, já o filme tinha começado havia cinco minutos. E ainda tive que estacionar. E aqui, como dizia o grande Octávio Machado (que conheci uma vez no Estádio do Bonfim, numa história que não vem ao caso), vocês sabem do que é que eu estou a falar. Portanto, o que estou a querer dizer é que antes de chegar ao cinema, à Cinemateca, ou ao Doclisboa, existe toda uma realidade pouco entusiasmante, mas prioritária. Casas nos subúrbios, orçamentos apertados, afazeres familiares, empregos, entre outras incontáveis variáveis de uma vida adulta, são muitas vezes prioridades que afastam de eventos importantes como este.

Cheguei à Culturgest tarde o suficiente para ter vergonha de entrar na sessão. E, por isso, não entrei. Apreciei o programa e o horário das sessões e, como também já tinha um jantar combinado, pensei para mim ‘chega de cinema por hoje’. Fui, então, levantar a credencial e os bilhetes para o dia seguinte. Depois de umas perguntas, dei com o sítio. No balcão dedicado às credenciais um sorriso contido indicou-me a minha vez. Estava como peixe fora de água nesta tarefa. Não era a primeira vez que entrava sem pagar (no futebol, cheguei a entrar com nome espanhol), mas era a primeira vez que entrava legalmente (e em meu nome) sem pagar. E isso parecia-me mais ou menos ilegal.

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“Boa tarde. Vinha levantar a minha credencial.”

”É convite ou imprensa?”

“Hmm, não sei, acho que é imprensa.”

A rapariga desta vez sorriu menos contidamente.

“Em que nome?”

“Sérgio Silva.”

Desconfiava que alguma coisa fosse estar errada — que o meu nome não estivesse na lista, ou até que viesse a polícia revistar-me à procura de um daqueles cartões que dizem “press”. É escusado, por esta altura, dizer que eu não tenho um destes. Mas, pronto, disse na mesma.

“Sérgio Santos Silva?”

“Sim. Sou eu.”

”Deixe-me só ir buscar o saquinho.”

Voltou com um saco de pano. Dentro estavam um programa, um catálogo, uma revista de cinema (a edição de Agosto) e mais um livrinho para o qual ainda nem olhei. Pela cara que ela tinha, devia saber tão bem como eu que eu não estava seguro do que estava a fazer. Despedi-me e afastei-me. Tinha acabado de tornar-me numa dessas pessoas a quem deixam entrar nos sítios, para depois dizerem o que pensam. E foi uma sensação boa.

Fui sentar-me num dos sofás. Um excelente sofá, por sinal. Coincidência ou não, as mais importantes instituições culturais são também as que têm melhores sofás. Os melhores sofás onde me sentei eram os da Fundação Gulbenkian até ao ano lectivo 2002/2003. Depois foram trocados por outros bons sofás, mas que não estavam à altura dos seus antecessores. Mas não é só isso. Visitar a Culturgest ou a Gulbenkian, por exemplo, é também entrar num mundo de luxo aberto ao público (algumas partes). Isso é, por si só, uma visita de estudo. Espaços amplos, alcatifa vermelha (sem fazer lembrar uma casa de fraca reputação), grandes mosaicos de mármore, tectos altos, mobiliário bem desenhado. Se pensar bem, fico até com alguma nostalgia dos anos 90, quando parecia haver dinheiro para tudo isto. O edifício da Caixa Geral de Depósitos, uma obra mais ou menos faraónica e onde está instalada a Culturgest, é do final dos anos 80/princípio dos anos 90. E nota-se.

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Hoje, não se faria tão grande. Ou não se faria. E, pior, provavelmente não se sentiria nenhuma necessidade de criar uma instituição com fins culturais. O investimento na cultura (ou na educação, normalmente as duas coisas não podem vir separadas), em geral, pressupõe (sou mesmo um bocado ingénuo) o acreditar num mundo melhor. Acho eu. Ver bons concertos a cinco euros durante uma década (por ser sub-30) é, de alguma forma, subsidiar a educação. Os tempos agora são outros e também o paradigma. Agora há outras prioridades. Aproveite-se o que foi feito. E o que de bom ainda se faz. O Doclisboa é um festival onde podemos aprender coisas sobre o mundo. Não apenas sobre o que conhecemos, mas sobre aquilo que não passou nos telejornais ou nas  grandes reportagens, muitas vezes mais verdadeiro e tantas vezes menos “objectivo”. Escolhi os filmes para o dia seguinte e levantei os bilhetes com a minha credencial, ainda pouco convicto e fui para casa a pensar nisto. Portanto, do filme

Edifício Espanha

, não posso dizer-vos nada. Só do edifício da Caixa Geral de Depósitos. Mas isso toda a gente sabe.

O outro Sérgio desta história.

DIA 20

Foi por acaso que, numa tarde quente de Julho 2007, entrei numa charcutaria na Calle Pez (peixe). Aliás, passei nessa rua uma boa parte daquela tarde em Madrid. Deve ter sido por acaso que Sérgio Oksman (e não eu) encontrou, em plena Calle Pez, toda a história (documentos, cartas, livros, fotos, filmes) da estranha e disfuncional família Modlin. Com esse lixo montou um filme, uma história dos Modlin. E foi por acaso que eu assisti ao filme que teve a sua génese na Calle Pez, uma rua sem nada de especial e que, no entanto, é uma das três ou quatro ruas de Madrid que me lembro do nome. Certamente um prenúncio do maravilhoso filme sobre o acaso que estava prestes a assistir. O que não acontece por acaso.

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Não acredito que tenha sido o acaso a ditar que o Doclisboa tenha este ano uma secção chamada “United We Stand, Divided We Fall” dedicada a movimentos sociais de contestação filmados e assinados por colectivos. Aliás, o responsável desta secção, afirmou na sua introdução, que estes filmes podiam orientar os manifestantes portugueses nas suas lutas. Não será especular demasiado ler isto como uma tomada de posição do próprio festival. Ainda na semana passada, numa manifestação uma miúda exaltada (só nos discurso) dizia: “Estou farta desta merda, entre os que estão lá em cima e os que estão cá em baixo a fotografar-nos, há mais polícias que pessoas.” Depois queixou-se da malta da batucada que agora aparece em todas as manifestações (concordo especialmente com esta parte), de as pessoas serem frouxas, e de mais algumas coisas que já não ouvi. Também passaram uns flyers sobre a presença de polícia entre nós e com algumas directrizes libertárias para o comportamento do manifestante.

Curioso, ninguém aqui está vestido de vermelho.

Red Squad

é um filme sobre uma divisão da polícia nova-iorquina que se dedica exclusivamente a gravar, fotografar, controlar, intimidar e provocar cidadãos que usam o seu direito à dissidência e à manifestação. Um grupo de pessoas decide ripostar, filmado, fotografando e identificando aqueles que os estão a filmar, fotografar e identificar. O resultado são alguns momentos hilariantes. Ideias para as manifestações que se prevêem nas próximas semanas? Veremos.

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El Pueblo se Levanta

é um filme sobre as horríveis condições dos porto-riquenhos nos EUA dos anos 60 e sobre os Young Lords, um partido político e um movimento de reacção a estas condições. Criam os seus próprios programas de alimentação e saúde. Também há armas, detenções, membros alegadamente assassinados pela polícia e a ocupação de uma igreja. Mas o que ressalta é o espírito comunitário como resposta às miseráveis condições de vida. Pareceu-me que a esquerda reivindicativa compareceu em peso nesta sessão e talvez tenha assimilado alguma coisa. Mas o espírito comunitário em 2012 estará demasiado fora de moda até para a esquerda contestatária.

La Chambre

é uma curta de um só plano que vai, lentamente, oferecendo uma panorâmica de um quarto. É muito bom para quem gosta do género.

News From Home

, também de Akerman, é um filme de vários planos fixos (e também de alguns travellings) demorados da cidade de Nova Iorque em 1976. “Instantâneos” da cidade, visuais e sonoros, que se misturam com a leitura das cartas que a mãe da realizadora lhe envia durante a sua permanência. É, por um lado, um filme sobre um vazio emocional e, por outro, uma visita de estudo. Em cada plano, e ao acaso, a cidade acontece. Uma nota: em 1976 o graffiti já estava a bombar no Metro de NY.

A

Story for the Modlins

é uma ficção documentada. Uma forma de olhar para o lixo que ninguém queria. Uma homenagem a um actor falhado, a uma artista incógnita e ao seu perturbado filho. A história desta família teria sido esquecida caso o seu caixote do lixo não tivesse acabado nas mãos de um realizador depois de abandonado na tal Calle Pez. Um feliz acaso que resultou num excelente filme.

Emak Bakia Baita

, de Oskar Alegria, funciona em sentido contrário. Não nasce de um acaso. Nasce da vontade de encontrar a casa, Emak Bakia, onde Man Ray filmou um filme com o mesmo nome. Nessa procura acaba por acontecer um brilhantíssimo filme sobre o acaso. É um filme que escapa a definições e que é um desafio constante desde o primeiro plano do horizonte marinho invertido até acabar da mesma forma. Man Ray, o País Basco e sua língua, a casa Emak Bakia, uma princesa romena e um palhaço que morreu, entre outros, convivem harmoniosamente e à medida que as coisas vão acontecendo. A melhor coisa que posso dizer sobre este filme é que repete no dia 26. Não deixem o acaso decidir sobre o que vão a fazer nesse dia a essa hora.