​A Apple Está Praticando a Autocensura na China. Seria o Facebook o Próximo?
Apple Store em Pequin. Crédito: Shutterstock

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​A Apple Está Praticando a Autocensura na China. Seria o Facebook o Próximo?

"O mercado chinês é muito grande para ser ignorado.”

O desenvolvedor americano Larry Salibra viajava pela Ásia no mês passado quando percebeu algo estranho em seu iPhone. O aplicativo agregador de notícias da marca, News, e a estação de rádio Beats 1 funcionavam direitinho em Hong Kong, porém, assim que ele entrou na China, os programas travaram.

O recém-lançado News foi disponibilizado apenas para dispositivos registrados nos EUA, mas, caso os usuários mantenham a região do aparelho configurado como território norte-americano, o serviço é liberado para uso em qualquer lugar do mundo. Isso na teoria. Salibra, fundador da plataforma de testes para software Pay4Bugs, foi o primeiro a divulgar o fato de que a regra não se aplica à China. O assunto logo virou um desastre de comunicação para a Apple.

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Ao testar a disponibilidade do aplicativo News em várias regiões e em diferentes redes de telefonia, o programador descobriu que o serviço era bloqueado somente quando conectado às redes do interior da China. Os testes detalhados foram descritos em seu site, Larrysalibra.com; o resumo é que a Apple parece ter adicionado um "botão de liga/desliga" para o News e a Beats 1 em território chinês. ("Música é subversiva", comentou Salibra, seco).

A Apple não respondeu aos questionamentos do Motherboard para confirmar ou explicar tal situação, embora pareça ser um caso de autocensura da própria empresa.

"Pode-se especular que alguém na Apple decidiu que seria melhor desabilitar o aplicativo News dentro da China antes que tivessem que começar a censurar o conteúdo, artigo por artigo, para atender os caprichos de Pequim", escreveu Salibra. "Provavelmente não tiveram escolha, dada a importância do mercado chinês para a empresa."

Por que arriscar conflitos com um regime obcecado pelo controle de informações?

Empresas de tecnologia estrangeiras censurando conteúdo para atender ao rígido código de regras chinês não é novo; é uma condição necessária para que possam operar no país. O mais significativo nessa história é que uma empresa enorme como a Apple tenha escolhido o caminho da menor resistência quando, do outro lado, outras enormes de tecnologia e mídias sócias norte-americanas adotam posturas de combate à censura no território chinês.

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A Apple é, antes de mais nada, uma fabricante de hardware, mas ainda assim, cortar seu serviço de notícias por causa de regras autoritárias não combina em nada com sua imagem jovem, compartilhadora e que leva o mundo no bolso.

Faz sentido do ponto de vista dos negócios, claro. Com foco maior no mercado chinês (13 milhões de iPhone 6S foram vendidos no país no fim de semana do lançamento em setembro), por que arriscar qualquer conflito com um regime obcecado pelo controle de informações?

Mark Zuckerberg pensa o mesmo. O Facebook é uma das muitas redes sociais bloqueadas na China e, com quase 650 milhões de usuários de internet em meio à sua população de 1,35 bilhões, o país asiático é um enorme mercado em potencia. Zuckerberg xaveca – e muito – as autoridades chinesas. Basta levar em conta seu mais recente discurso em mandarim feito no país no mês passado, na Universidade de Tsinghua, em Pequim.

Na sua exposição, o CEO do Facebook não fez nenhuma referência direta ao fato da rede social ser bloqueada no país. Mas rolou muito blábláblá motivacional sobre como "quando podemos nos conectar e compartilhar, a vida melhora", e falou sobre como o Facebook, contra todas as probabilidades, criou uma base de usuários internacional.

"Não desista porque você tem que mudar", disse Zuckerberg. "Tem um provérbio chinês que diz: 'Contanto que você trabalhe duro, um pedaço de metal pode se transformar em uma agulha'".

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Ele se despediu ao falar diretamente com os estudantes: "Vocês serão líderes mundiais. Vocês podem melhorar a vida das pessoas na China e no mundo. E vocês podem usar a internet para alcançar bilhões de pessoas. Vamos nos juntar para conectar o mundo". A intenção está bastante clara, não?

Mark está mesmo dando duro para transformar aquele metal em agulha. Além disso ele recebeu Lu Wei, ministro da Administração do Ciberspaço da China, nos escritórios do Facebook e até mesmo pediu para que o presidente chinês Xi Jinping batizasse seu filho nascituro durante evento na Casa Branca. (Xi negou.)

Na sociedade chinesa, relacionamentos pessoais em negócios valem mais do que o desempenho de fato. Mas, ao que tudo indica, o aprochego do rei das redes sociais não funcionará para furar a barreira da China.

"Mark Zuckerberg, você acha que vir à China e falar chinês fará o governo dar sinal verde para o Facebook?", escreveu um usuário do Weibo, a versão chinesa do Twitter, logo após seu discurso. "Deixa eu te ensinar uma expressão típica de Pequim: 'Esqueça'".

Há uma diferença fundamental quando se fala de entrar no mercado chinês hoje em relação a anos atrás, de acordo com Samm Sacks, analista da empresa asiática de pesquisa de risco político e consultoria Eurasia. "No passado, o que importava era conseguir apoio das pessoas certas no governo e construir relacionamento", afirma. "O governo agora está menos aberto a esta abordagem. O que pesa mais é deixar claro para o governo chinês que você estará disposto a atender seus desejos."

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Jim McGregor, diretor da consultoria em assuntos globais e comunicação APCO Worldwide, é mais direto. "Zuckerberg é claramente uma pessoa muito realizada e inteligente, mas não parece ter noção de como é a China", disse. "Não se chega a lugar nenhum puxando saco dos chineses. Xi pode até simpatizar com você, mas a maioria das portas está fechada. Eles não o respeitam."

A repressão à liberdade de expressão, imprensa e redes sociais tem ficado cada vez mais intensa no país desde que Xi assumiu o poder em 2012. É improvável que o Facebook – que não respondeu às nossas tentativas de contato quanto ao possível lançamento na China – não perceba que toda a adulação precisará acompanhar uma aceitação total das condições impostas pelo governo chinês. Isso significaria concordar em retirar qualquer menção à China em assuntos controversos como a Praça da Paz Celestial, Tibete, independência tailandesa, protestos pró-democracia em Hong Kong e o Dalai Lama, como ocorrido com as plataformas sociais chinesas dominantes como a Weibo.

"O mercado chinês é muito grande para ser ignorado"

Algumas empresas de mídias sociais estrangeiras conseguiram praticar a autocensura na China sem apanhar muito na área das relações públicas. O LinkedIn é uma delas, apesar de seu CEO Jeff Weiner descrever o ato como "dar nó nas tripas" e a empresa ter levado algumas pancadas quando um jornalista veio a público dizer que seu conteúdo seria censurado no site. Mas o LinkedIn é um site voltado para empregos , ao censurar conteúdo de cunho político, dá para argumentar que ele não está cortando a parte central de seu tema.

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"O mercado chinês é muito grande para que ignorem", disse Scott Kennedy, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, influente think tank de Washington. "Tenho certeza que estão acontecendo conversas sérias na busca para compreender o que é preciso ser feito para o fim do banimento."

Mas, de acordo com Kennedy, se os chineses não mostrarem sensibilidade à comunidade global e incluírem algum contexto e controles claros sobre o que estão fazendo, pode ser desastroso. "A questão é como administrar e apresentar. Eles serão desafiados pelos usuários chineses também. A China não é a Coreia do Norte. Há uma comunidade vibrante em torno da internet e mídias sociais, com uma série de sites diferentes."

O Facebook também lidaria com pressão por parte do governo chinês para que fornecer informações pessoais dos usuários. A empresa já sairia na dianteira com sua política de utilização de nomes verdadeiros. Isso porque as autoridades chinesas forçaram, há pouco tempo, as empresas de mídias sociais da região cadastrar todos os usuários com seus nomes verdadeiros – o que facilita caçar qualquer um que se oponha às diretrizes da nação. Antes disso, de acordo com a Anistia Internacional, no começo de 2015 a polícia havia detido usuários de redes sociais chinesas por postarem fotos dos protestos pró-democracia Occupy Central em Hong Kong. Muitos ainda esperam julgamento na cadeia.

Imagine só a treta que o Facebook teria que lidar se alguém na China fosse preso por postar uma foto ou um texto contra o governo durante um porre. Não é impossível. Em 2005, o Yahoo Hong Kong levou umas belas porradas ao revelar a identidade do escritor chinês dissidente Shi Tao às autoridades. Ele foi condenado a dez anos de prisão.

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Há mais indícios de um aperto no controle de empresas de tecnologia estrangeiras na China. Há algumas semanas, a IBM se tornou a primeira grande empresa de tecnologia norte-americana a aceitar as exigências do Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação chinês que queria analisar o código-fonte de alguns produtos.

Por mais que muitos especialistas discordem, incluindo McGregor da APCO Worldwide, tantos outros acreditam que o clima atual é de um desenvolvimento de uma versão censurada do Facebook para a China. A empresa já conta com um diretor de políticas públicas para o Facebook na China, Wang-Li Moser. (Que também não respondeu às nossas tentativas de contato.)

O Facebook aprenderia com o Google, bloqueado na China desde 2010. Na época, o "gigante das buscas" escolheu não continuar com a autocensura e saiu do país. É um caso raro. Em vez de serem vistos como bastiões da virtude diante de um sistema criado para destruir qualquer resquício de pensamento antiautoritário, é provável que as Apples e Facebooks deste mundo vejam tudo como um caso de lucros perdidos.

Esta especulação, claro, não conta com nenhum anúncio do Facebook. Não se surpreenda caso a situação mude, enquanto Zuckerberg se aproxima cada vez mais de Xi. Ao menos por enquanto, os internautas chineses terão que buscar vídeos de gatinhos fofinhos em outro lugar.

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Tradução: Thiago "Índio" Silva