FYI.

This story is over 5 years old.

viagem

O Triste Concurso de Beleza do Tibete

O que se faz quando as pessoas ficam falando que o seu país não é um país de verdade? Se for o Lobsang Wangyal, você decide falir fazendo o concurso de beleza mais triste do mundo.

O que se faz quando as pessoas ficam falando que o seu país não é um país de verdade? Se for o Lobsang Wangyal, você decide falir fazendo o concurso de beleza mais triste do mundo.

Além de parecer o nome dum rasta escocês, a cidade indiana de McLeod Ganj é o lar tanto do governo exilado do Tibete quanto do que parece ser o maior número de refugiados tibetanos do mundo. Todo ano, desde 2002, as pessoas da cidade vão até o Instituto Tibetano de Artes Performáticas (que parece mais um playground de uma escola) para ver não mais do que quatro ou cinco mulheres tibetanas competirem para mostrar o altíssimo nível de “beleza interior e exterior”.

Publicidade

À primeira vista, o concurso de Miss Tibet é como qualquer outro: cheio de glitter, danças, minas gatas, e alguns problemas localizados como blackouts constantes. Se fosse no Ocidente, haveria uma quantidade gigantesca de relações públicas e estagiários mal-pagos ajudando a organizar o evento, mas em McLeod Ganj o lace todo é organizado e pago por um só homem.

Lobsang Wangyal, 42, é tipo um deus local, um homem cuja vida parece girar em torno da liberação do Tibete. Ele também é o fotojornalista, o planejador de eventos, o dançarino, o apresentador e o designer gráfico mais fofo que já conhecemos. Então, quando ele nos convidou para o seu escritório para um breve entrevista, agarramos a oportunidade.

VICE: Olá Lobsang! Esse é o último dia da competição. Você deve estar exausto.
Lobsang Wangyal: É isso aí, hoje é a grande final então não tenho mais muita energia de sobra. Mas amanhã espero estar relaxado.

Ótimo. Antes que entremos nesse lance de concurso, você me contar um pouco sobre a sua vida no exílio?
É a maior tragédia da minha vida. Está sendo muito difícil.

Você nasceu no Tibete?
Não, nasci na Índia. Meu pai chegou do Tibete em 1959 e minha mãe veio dois anos depois. Eles eram crianças – minha mãe tinha 11 e meu pai tinha 15. Então eles vieram pra Índia se saber exatamente o que estava acontecendo. Eles pensavam que passariam apenas alguns anos antes de voltar, mas a China apareceu, a Mongólia apareceu, e o britânicos apareceram… eles tiveram que correr e continuar correndo. Estive aqui minha vida toda, mas não tenho um lar, não tenho um país, não tenho nada. Apenas um coração.

Publicidade

Isso é triste. Você ainda se sente como um estrangeiro em McLeod Ganj, então.
Sim.

Meus pêsames. Vamos falar de coisas mais alegres. Vamos falar do concurso. Como surgiu a ideia da Miss Tibete?
Ah, sabe, no mundo moderno tem TV, rádio, revistas – você sempre ouve falar dessa Miss e daquela Miss. Miss, miss, miss… então pensei, porque não fazer um Miss Tibete? Começamos em 2002, e aquela primeira competição foi um sucesso internacional, porque o resto do mundo achou o evento muito estranho e não achavam que poderíamos fazer aquilo funcionar. Chamou muito a atenção da mídia – jornalistas de todo o mundo vieram cobrir o evento.

E as concorrentes? Foi fácil achar pessoas que concordassem em participar da competição?
Bem, foi tão novo que todo mundo queria ser a Miss Tibete, ser a mais bonita, a mais charmosa. Se formos parar pra pensar, é um título importante. Então, a primeira vez recebi dezenas de inscrições. Mas no final, haviam apenas quatro porque a maioria pensou, “Ah, eu tenho que falar”, ou “Tenho que aparecer de biquíni”, então acabaram saindo. No ano seguinte recebemos apenas uma inscrição, então a coroamos sem competição. Desde então, está melhorando. Hoje temos entre quatro ou três garotas todos os anos.

Certamente alguma coisa mudou quando você foi pra internet, não?
Não, a maioria das pessoas aqui é muito hipócrita. É importante lembrar que essas pessoas são muito tradicionais. Eles não têm muita conexão com o mundo moderno. Eles se impressionam muito com todo o lance, mas não gostariam de ver suas filhas ou irmãs participando. É diferente como as gerações mais novas pensam. Eu, por exemplo, sou da segunda geração tibetana, e sou aberto, e as próximas gerações, a quarta e a quinta, também estão se abrindo. A competição de Miss Tibete é parte da vida deles, é mais normal. Mas para as pessoas mais velhas é ainda um pouco tipo: “Uau! Como podemos ter uma Miss Tibete?” Isso vai mudar, mas vai demorar. Esse ano tivemos seis concorrentes!

Publicidade

As suas concorrentes têm alguma experiência em moda ou como modelos?
Algumas têm, mas nem todas. Algumas apenas se interessam por tudo que tem a ver com moda, glamour ou arte… Essa vida de luz.

Então que diferença esse título traria para uma vida de uma menina?
Bem, depende da menina. Ela deve ser um pouco mais alerta e ativa. Se você senta e espera as coisas aparecerem, só porque foi coroada Miss Tibete, isso não vai funcionar. Alguns deles querem escapar da vida calma, mas também aparecem para então inspirar outras garotas a aparecer. Não é como se elas pensassem que se ganhassem, elas vão ser a Miss Mundo – o governo chinês vem sabotando nossas tentativas de competir nesse concurso, eles continuam cortando nossas comunicações com os organizadores – então elas não pensam que vão andar nas passarelas de Paris. Além disso, o prêmio em dinheiro é bom – uns US$2.200.

A Índia ajuda em organizar o Miss Tibete?
Não, as pessoas da moda na Índia não entendem muito sobre a moda, a cultura e o talento tibetano. Somos uma comunidade fechada. Gostaria de levar isso para todo o mundo, mas com apenas quatro ou cinco meninas a cada ano, o que posso fazer? Deveria ter 20 meninas para poder escolher a melhor. Esse é o aniversário de dez anos do evento e pouca coisa mudou.

Dez anos? Pensei que você tinha começado em 2002?
Comecei, mas se contar nos dedos esse é o décimo ano.

Hm, OK.
Escuta, tudo é difícil aqui – não apenas achar concorrentes. Por exemplo, não existe um organizador de eventos, um produtor, ou até mesmo um diretor. Tenho que fazer tudo sozinho, tenho que correr pra todo o canto. Estou tentando construir algo do zero. Mas alguém tem que fazê-lo.

Publicidade

E a grana? Como você financia o evento?
Não tenho dinheiro. Depois da competição, fico mais ou menos com US$7.000 em dívidas. Pago tudo eu mesmo, não consigo achar patrocinador, e ninguém paga pelo ingresso. E só custa apenas 10 rúpias pra entrar. Milhares de pessoas vieram esse ano, mas até agora só ganhei US$1.000. Inventei uma rifa de 1000 ingressos, sendo que o prêmio principal é um jantar com a Miss Tibete, mas não vendi nem uma rifa ainda. Então estou na merda agora.

E o Dalai Lama? Ele não pode te ajudar?
Ele é positivo com tudo. Ele sempre fala do Caminho do Meio e diz: “A beleza física é importante, mas a beleza interior é mais importante”, então ele até apoia. Acho que ele espera algo bom que saia daí, mas não tenho certeza se conseguiria me apoiar financeiramente.

Ouvi dizer que ele vai aparecer hoje, né?
Não. Estou na merda agora, então tudo bem. Aniversário de dez anos ou não, talvez tenha que para com o concurso. Não posso ficar nisso pra sempre.

Bem, boa sorte com tudo isso, Lobsang. Espero que tudo funcione.
Obrigado. Venha hoje a noite, olha, pegue uns ingressos. Você quer uma camiseta?

TEXTO POR IOANNIS MUSTAKIS FANARIOTIS, ELEKTRA KOTSONI
FOTOS POR MIKI ZORI, MIKE ALRIGHT
TRADUÇÃO POR EQUIPE VICE BR