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Os Peixes Estão Finalmente Voltando ao Encolhido Mar de Aral

Em 2013, o governo cazaque, juntamente com o Banco Mundial, começou a trabalhar num projeto de restauração do Mar de Aral do Norte. Até agora, os resultados têm sido encorajadores.

Viajamos por quase uma hora antes de finalmente pararmos. A jornada fora da estrada foi difícil, mas ajudou a colocar os arredores em perspectiva. Magzhan Tursinbayev, um ecologista e meu motorista naquele dia, saiu da 4x4 e apontou para o horizonte enquanto acendia um cigarro. “Tudo isso aqui era o mar. Agora veja o que sobrou: nada”, disse ele, apontando para o vasto espaço vazio à nossa frente.

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Magzhan cresceu na cidade de Aral, no Cazaquistão, e passou boa parte de sua vida trabalhando em projetos relacionados ao desaparecimento do Mar de Aral. Apesar de todo o tempo que passou, Magzhan ainda fica surpreso com o mar seco. “É uma loucura, não? Parece outro planeta”, ele disse.

Essa área costumava ser um lago.

Atualmente, o Mar de Aral é um lago salgado que, no passado, cobria uma área de 68.100 quilômetros quadrados, entre Cazaquistão e Uzbequistão. Hoje, ele é somente uma sombra do gigante do passado e foi dividido em metades norte e sul em 1986. O mar começou a encolher nos anos 1960, quando a união Soviética decidiu desviar os rios que o alimentavam para irrigar campos de algodão mais ao sul. O algodão era uma das principais indústrias na era soviética, e os planos de Moscou certamente priorizavam crescimento econômico sem qualquer preocupação ambiental. A consequência dessa falta de visão é que o Mar de Aral continua sendo um dos piores desastres ecológicos do mundo, existindo como uma terra devastada pós-apocalíptica de poeira e oportunidades perdidas.

Enquanto a água recuava, o mar se tornou tão salinizado que os peixes de água doce não sobreviveram. A maior parte da indústria local era marítima, e com a água e os peixes desaparecendo, os empregos também sumiram. Muitas famílias dos vilarejos vizinhos partiram para outras cidades. Para quem ficou, os anos desde então têm sido difíceis. Eles enfrentam não só a difícil situação econômica, mas também diversos problemas de saúde decorrentes dos resíduos de pesticidas e fertilizantes do fundo do lago que se espalham com o vento. A vida de uma área rural dependente de um mar pode ser difícil em qualquer lugar do mundo, mas numa área onde os peixes e a água quase desapareceram, a vida tem sido uma luta pela sobrevivência.

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Zhalanash.

Zhalanash é um dos vilarejos que conseguiu permanecer apesar dos tempos difíceis. Hoje uma comunidade de algumas centenas de pessoas, Zhalanash já foi uma vila costeira de pescadores, mas agora é vizinha do famoso cemitério de navios (que quase nem é mais um cemitério, já que os navios foram saqueados pelos locais em busca de sucata).

Não sobrou muito em Zhalanash além de algumas casas antigas, areia e postes de telefone. Mas as pessoas aqui são sobreviventes. Quando a indústria da pesca entrou em colapso, muitos moradores conseguiram sobreviver com a pecuária. É bem comum ver rebanhos de cavalos e ovelhas pastando no leito seco do mar, mas a escolha mais comum aqui são os camelos. Naturalmente, não há muito o que fazer em Zhalanash, mas os moradores dizem que as opções são viver da pecuária, deixar a cidade para fazer trabalhos sazonais ou simplesmente ficar puto.

Mas nos últimos anos, um dos piores desastres ecológicos da Terra, estranhamente, tem sido envolto em um otimismo de longo prazo. Em 2013, o governo cazaque, juntamente com o Banco Mundial, começou a trabalhar num projeto de $85,5 milhões de restauração do Mar de Aral do Norte. O marco do projeto foi a barragem de Kok-Aral, terminada em 2005. A represa permite que a água se acumule no lado norte do Mar de Aral, uma tentativa de aumentar a produção da agricultura e da pescaria na área. Até agora, os resultados têm sido encorajadores. Uma pequena fração da indústria da pesca reviveu e a água está começando a chegar a um velho porto em Aral.

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A cabana de um pescador.

Na linha costeira do Aral do Norte, há alguns sinais de vida novamente. Pequenos barcos de pesca pontilham a água e cabanas improvisadas se espalham pela costa, mas a maioria dos pescadores vêm de vilarejos locais. As equipes geralmente trabalham três ou quatro dias antes de vender sua mercadoria e voltar para casa. As cabanas de pau a pique são para as equipes descansarem entre as pescarias. Enquanto admirava o mar, fui convidado a escapar do frio dentro de uma delas por Nurlan, o capitão de uma das equipes de pesca.

Nurlan (esquerda) e sua equipe.

É óbvio que o tempo não foi gentil com ele. Com trinta e poucos anos, Nurlan aparenta ter 50. Depois de alguma conversa, em meio a xícaras de chá e a perspectiva de alguma vodca, Nurlan falou sobre a vida aqui. “Os anos 1990 foram muito difíceis para todo o Cazaquistão, mas especialmente em torno do mar”, ele disse.

“Não só por causa do colapso da União Soviética, mas também porque o mar estava secando e se tornando salgado. A maioria das pessoas foi procurar emprego em outro lugar, e quem ficou fez o que pôde para sobreviver”, disse ele, enquanto beliscava os restos de um coelho grelhado que ele e sua equipe compartilharam no almoço. “Mesmo dez anos atrás era difícil ganhar a vida como pescador.”

Mas, apesar das dificuldades da vida em torno do Aral, os efeitos positivos do projeto de restauração já podem ser sentidos. “As condições melhoraram e agora nossa pesca é grande o suficiente para sustentar nossas famílias e dar a ela uma vida melhor”, disse Nurlan, referindo-se à dessalinização da água e ao crescimento da população de peixes desde que a barragem foi construída. “A vida ainda é difícil, mas os peixes estão voltando e isso a torna mais fácil que antes”, ele acrescenta.

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Em Aral, a água ainda está muito longe, mas fora de vista não significa fora da mente. Estátuas de pescadores ainda estão pela cidade e alguns navios continuam no antigo porto, um testamento do que isso costumava ser. Apesar do progresso feito pelo projeto de restauração, as coisas ainda estão muito longe de voltar a ser o que eram. Durante e era soviética, Aral era um centro econômico da indústria e do comércio. Hoje, tudo o que sobrou desse legado são algumas fábricas abandonadas e guindastes enferrujados. A região do Mar de Aral tem as mais altas taxas de desemprego de todo o Cazaquistão, e cada vez mais pessoas deixam o lugar para procurar emprego todos os anos.

Uma segunda barragem, projetada para ajudar a filtrar a água, está agendada no projeto do Banco Mundial e do governo do Cazaquistão. No entanto, a construção foi adiada e está presa num limbo para que o financiamento seja acertado. Enquanto isso, a barragem que ajuda o Mar de Aral do Norte crescer também limita a água que chega ao Mar de Aral do Sul, no Uzbequistão, o que causa ainda mais encolhimento. Além disso, o governo uzbeque parece não se preocupar muito com o estado de seu mar e até continua a drenar água dele para ser utilizada em sua indústria de algodão. O Mar de Aral parece estar num processo de renascimento, mas para que o lado norte viva, a metade sul tem que morrer.

Um mural na estação de Aral.

Água e peixes têm um papel importante aqui; mesmo a estação de trem ainda conta com um velho mural soviético, que mostra as pessoas de Aral fornecendo peixe à Rússia durante tempos de fome. Conversando com moradores locais, todos parecem obcecados com o dia em que a água vai finalmente retornar. Estimativas variam, mas a maioria diz que isso acontecerá em 2020. O governo vive atrasando esses dias, então, é difícil dizer. Enquanto isso, os residentes da região do Mar de Aral farão o que vêm fazendo desde que essa confusão começou: encontrar uma maneira de sobreviver.

@ReidStan