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Os Escoceses que Vivem Fora da Lei

Os Scottish Sovereigns (“Soberanos Escoceses”) querem salvar você de seu governo. Eles só não sabem como.

Membros do Scottish Sovereigns.  

Os Scottish Sovereigns (“Soberanos Escoceses”) querem salvar você de seu governo. Eles só não sabem como.

Um grupo formado por cerca de quatro mil pessoas “em busca da verdade”, os soberanos se reúnem na internet – tanto na página deles do Facebook quanto no site oficial – para “aprender sobre liberdades fundamentais e direitos humanos”. O que pode ser traduzido como um desdém geral pelo establishment, fotos de perfil com máscara do Anonymous e ideias radicais sobre leis, ou seja, que os membros não precisam obedecê-las.

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“Uma lei só se torna lei com o consentimento do povo”, disse um dos membros, que preferiu se manter anônimo. “A maioria dessas leis que eles fazem hoje só serve para oprimir o povo ou aumentar a receita do governo.”

A maioria das atividades do grupo pode ser considerada um ativismo otimista, porém ingênuo – uma abordagem tipo Occupy: identificar um problema e falar muito sobre isso. Mas a ideia de que eles estão fora da lei é o que mais emputece os críticos dos Scottish Sovereigns. Os críticos consideram a afirmação do grupo de que é possível se livrar de problemas legais usando truques jurídicos estranhos e pouco confiáveis equivocada e potencialmente perigosa.

O processo de pensamento deles se baseia nos mesmos tipos de princípio de um conceito norte-americano similar: “o homem livre sobre a terra”. E esses homens livres acreditam que podem optar por não serem governados e que essas leis (todas criadas para encher os bolsos da elite) só se aplicam se eles consentirem pessoalmente com elas, ou se a lei envolve o sujeito prejudicar alguém diretamente.

Se forem pegos por desobedecer alguma dessas leis, eles dizem que têm o direito de se recusar a serem presos. Aí, quando o caso chegar ao tribunal, eles acreditam que podem se safar da punição usando toda uma lenga-lenga pseudojurídica e afirmando que a única “lei” é a interpretação deles do termo “lei comum”.

O argumento do homem livre nunca teve sucesso nos tribunais dos EUA. Na verdade, isso pode complicar a situação do acusado, resultando em condenação por má-fé e multas. O que não impede os entusiastas de dizer que isso funciona.

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Os Sovereigns aconselham não revelar seu nome verdadeiro por razões similares, porque se identificar como o que está escrito em seu documento de identidade é supostamente uma admissão tácita de que você consente com o sistema judiciário. Em vez disso, os membros usam apelidos, ou – para os mais dedicados – uma abordagem feudal, referindo-se a si mesmos como “James, filho de William”, ou “Kathy, filha de Margaret”.

“Sou mais do que o nome em minha certidão de nascimento”, um dos membros me disse. “Uma certidão de nascimento é direito autoral da Coroa e se refere à pessoa legal, não a você como homem.”

Um Scottish Sovereign usa a defesa “eu não tenho um nome” depois de ser parado pela polícia por falar no celular ao volante. 

Espalhar a mensagem de que é possível escapar de condenações usando essa linha de raciocínio não é uma boa ideia, claro. Os impostos são um grande inconveniente, mas se ninguém pagasse porque nunca “consentiu” em ser taxado, o sistema de saúde inglês ia acabar completamente privatizado e teríamos que aprender a viver como os norte-americanos. Além disso, é altamente improvável que qualquer tribunal leve os princípios dos soberanos a sério num caso de evasão de impostos.

Eles me aconselharam a não conversar com advogados porque eles “fazem um juramento à Coroa”, mas achei que valia a pena tentar. Liguei para Peter Nicholson – editor do The Journal of the Law Society of Scotland – para verificar as afirmações dos soberanos e descobrir se a linha de defesa deles é eficaz. Ele me disse que essa conversa é uma tremenda besteira.

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“Não existe essa questão de optar ser ou não sujeito à lei ou tribunais, isso independe do fato de você ter escolhido participar do processo democrático”, ele disse. “E direito autoral nas certidões de nascimento não dá à Coroa ou a ninguém qualquer direito sobre seu nome, e qualquer outro aspecto do seu eu. Você pode trocar de nome quando quiser.”

Outro especialista jurídico, que pediu para não ter seu nome revelado, acrescentou: “É mais fácil acreditar em todas essas grandes conspirações do que aceitar que o mundo é meio merda. Eles interpretam mal a lei, os procedimentos e a linguagem. Eles vão distorcer o que você disser para que se encaixe nas ideias que eles já têm. Isso se chama viés de confirmação”.

Um soberano escocês confunde um policial com seu papo pseudojurídico. 

O grupo também se destaca por uma marca de paranoia orientada pela internet – como se um fórum de discussão sobre trilha química de aviões ganhasse vida. Claro, nem todos os membros acreditam que o massacre da escola Sandy Hook foi uma farsa, ou que o Pitbull sabia que o voo MH370 da Airmalaysia ia desaparecer. Mas me disseram que uma matéria sobre os soberanos jamais seria publicada porque a família Rothschild controla o mundo e toda a mídia.

Quando apontei que as revelações do NSA (algo que, seguindo a lógica soberana, os Rothschild provavelmente gostariam de manter em segredo) foram publicadas pela imprensa mainstream, eles me lembraram que histórias como essa são meras “distrações controladas”.

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De acordo com o ex-membro Chris McClelland, esse contingente mais maluco é algo relativamente novo. Chris foi um Scottish Sovereigns por cinco anos, mas saiu do grupo depois de se desiludir com “esquisitões e aproveitadores que tentavam tomar o controle do grupo”.

“Pessoalmente, só uso a Lei Escocesa”, ele me contou. “Você não pode entrar em tribunais [escoceses] e desafiá-los usando a lei comum inglesa, ou qualquer outra. É como tentar jogar uma partida de damas usando regras do xadrez. Não quero ser associado a esses caras bizarros e a essas merdas fantásticas nas quais eles acreditam. Muitos membros novos estão estragando o grupo; um cara chegou a dizer que ele queria 'fazer um Raul Moat'. Não quero ser associado a isso.”

Freeborn Jaffa, membro dos Scottish Sovereigns. 

Eu queria saber como a perspectiva dos Sovereigns atuais lidava com o debate de soberania que ocorre hoje na Escócia.

Bill – também conhecido como “Freeborn Jaffa” – é um membro veterano dos Scottish Sovereigns, não um desses teóricos da conspiração de teclado. “As pessoas estão de saco cheio dos partidos políticos mainstream desse país”, ele disse, “e é por isso que vou votar pela separação da Grã-Bretanha no referendo. Não tenho nada contra os ingleses. Tenho familiares na Inglaterra e eles também gostam dos escoceses. Mas o Reino Unido não diz por que quer que fiquemos. Eles querem poder controlar nosso petróleo e nossa indústria, e nos deixar com depósitos de lixo nuclear?”

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Era uma visão que eu já esperava, mas que não é compartilhada por todos os Sovereigns. Outro membro, Bri, me disse: “A Escócia é livre desde 1314 – desde a Batalha de Bannockburn – e isso nunca foi contrariado. O problema é que se votarmos pela independência e fizermos uma nova constituição, podemos perder nossa liberdade fundamental”.

Gary, outro membro, acrescentou: “A Declaração de Arbroath e o Ato de Afirmação de Direitos de 1689 mostram que somos um povo independente. Liguei para o Arquivo Nacional da Escócia (ANE), que guarda esses documentos, e eles me disseram que estou correto”.

Depois de várias ligações, e-mails e solicitações de Liberdade de Informação, o ANE me disse que não interpreta o conteúdo dos documentos – só os preserva.

Bri, membro dos Scottish Sovereigns. 

Há vários grupos similares ao Sovereigns no Reino Unido. A Inglaterra, por exemplo, tem o People United Community, cujo site é gerenciado por Ben Hudson, de Birmingham. “Começamos como um grupo de homens livres, mas depois de um tempo percebemos que não estava funcionando. Então, nos afastamos disso e decidimos construir uma comunidade de livre-pensadores, para pessoas que querem saber mais sobre o mundo em que vivemos”, ele me disse.

“Muita gente só está nessa para evitar pagar impostos municipais e pedágios”, ele continuou. “O principal assunto agora é o cultivo de maconha; recebo centenas de e-mails por dia de gente perguntando como plantar maconha sem ser preso.”

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Outro deles, o British Constitutional Group, tentou invadir o Tribunal do Condado em Birkenhead, Marseyside, em 2011. O objetivo deles era prender o juiz “por desacato ao tribunal e traição”, mas vários manifestantes acabaram presos e o juiz foi escoltado para fora do tribunal em segurança pela polícia.

Sem surpresa, dada toda essa paixão e paranoia, há muita briga interna nesses grupos. Kev Baker, da Truth Frequency Radio, disse: “É uma grande desilusão quando pessoas que eu considerava meus colegas se mostram mais concentrados em seus próprios interesses do que em compartilhar e buscar um objetivo comum. Mas não podemos ser ingênuos – isso também acontece pelo envolvimento dos serviços de segurança. Grupos que buscam a verdade sempre serão alvos de agentes provocadores que visam causar perturbações”.

Nala, membro do Scottish Sovereigns. 

Os Scottish Sovereigns estão trabalhando atualmente num documento para “exigir resposta” dos poderes existentes na Escócia. A ideia é entregar um documento ao Tribunal de Sessão que force os maiores políticos do país a “declarar suas intenções”.

Um dos arquitetos por trás do plano, que responde pelo nome Nala, explicou: “O Tribunal de Sessão garante preservar a soberania do povo escocês – não no reino jurídico, mas no reino da lei. Vamos fazer uma petição a essas pessoas que supostamente governam este país para nosso benefício, para que elas percebam que descobrimos o que elas estão realmente fazendo e que isso deve parar”.

É fácil entender porque um grupo como o Sovereigns é tão atraente; muita gente não gosta da maneira como é governada por seus políticos, que não parecem remotamente capazes de fazer o que foram eleitos para fazer, e ninguém gosta de pagar pelas coisas. Então, se um cara confiante chega e diz que há uma maneira de escapar das leis que você não quer obedecer, e ainda evitar perder 20% do seu salário todo mês, você vai ouvir o que ele tem a dizer. Mas não deveria.

Tradução: Marina Schnoor