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A Polícia Egípcia Está Matando Estudantes Dentro das Universidades do País

O Ministério do Interior nega, mas um médico forense diz que o os projéteis de chumbo que tiraram a vida do estudante Mohamed Reda nos arredores da Universidade do Cairo são os mesmos que mataram dezenas de pessoas durante os protestos em 2011.

No vídeo, um policial egípcio dispara várias vezes o que parece ser uma escopeta na Universidade do Cairo. Outro policial acena para os estudantes que tentam fugir, também segurando uma escopeta. Em outro vídeo, o estudante Mohamed Reda aparece caído no chão.

Mohamed Reda morreu há quinze dias.

Muitos dizem que foi a polícia – menos a própria polícia. O Ministério do Interior afirmou que apenas gás lacrimogêneo foi disparado no dia 28 de novembro, apesar de os vídeos filmados do lado de fora da Universidade mostrarem o contrário. Um relatório forense inicial informava que Mohamed morreu de três “ferimentos de bala”, embora os promotores tenham concluído que a culpa foi de “estudantes da Irmandade Muçulmana” dentro da universidade. No final, Mohamed Ibrahim, o ministro do interior, disse que os projéteis de chumbo usados não eram problema da polícia: que só pode ter sido outra pessoa.

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No entanto, o Dr. Hazem Hossam, um dos médicos forenses no necrotério de Zeinhom no Cairo, que viu o relatório final da autópsia, disse que Reda foi morto por projéteis de chumbo de quatro milímetros, o mesmo tipo que matou dezenas de pessoas na rua Mohamed Mahmoud durante os protestos contra a constituição em novembro de 2011.

Todas as fotos por Abdelrahman Elshamy.

O tiroteio trouxe lembranças sombrias do que aconteceu na Mohamed Mahmoud, e da violência de quatro dias entre manifestantes antigoverno e policiais ocorrida na época, algo registrado atualmente na memória revolucionária do Egito. Um policial foi acusado de mirar deliberadamente nos olhos dos manifestantes. Vídeos da época mostram a polícia disparando diretamente contra multidão, atirando do chão, do alto dos prédios, a curta distância; basicamente, um guia da brutalidade policial. Um comissão independente descobriu mais tarde que a polícia usou força excessiva e brutal propositalmente: “assassinatos deliberados”, foi como eles chamaram as mortes. Mas, na época, como agora, as autoridades negaram que a polícia tivesse cartuchos desse tipo em seu arsenal. E, novamente, evidências em vídeo e corpos que sobraram pelo caminho mostram outra realidade.

A universidade iniciou uma investigação própria e os estudantes preencheram uma queixa contra a polícia no escritório da promotoria no começo da semana. Outros vídeos e fotos do incidente também mostram que a polícia foi a responsável. Quando um jornalista perguntou qual seria a resposta se ficasse provado que a polícia não cometera o crime, a mãe de Reda (que torcia as mãos, claramente devastada) disse com raiva: “Quando foi que o Ministério do Interior disse algo que não fosse mentira? Quando eles divulgaram um relatório honesto ou disseram qualquer coisa que soubéssemos que era verdade?” A sala toda aplaudiu.

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Muitas pessoas não têm dúvida de quem matou Mohamed Reda. E agora, os estudantes são a principal força se opondo ao governo. As universidades são um dos poucos lugares onde os egípcios continuam protestando regularmente, desafiando a nova lei sobre demonstrações populares, que grupos de direitos humanos e ativistas consideraram “repressivas” e “draconianas”.

O presidente da Universidade do Cairo culpou abertamente o Ministério do Interior e agora os estudantes esperam que a administração siga com suas críticas iniciais. Mas estudantes e funcionários estão trabalhando juntos contra as autoridades? “Eu não diria que estamos unificados”, disse o porta-voz do comitê de investigação, Ramzy Mohamed. “Chamo isso de colaboração.”

“Estamos esperando para ver se eles provarão sua solidariedade.” Enquanto isso, os professores se juntaram a uma greve em solidariedade aos estudantes.

A maioria dos estudantes nunca experimentou a presença da polícia da era Mubarak. As incursões, o gás lacrimogêneo e os tiroteios são novidade. Muitos aqui começaram a faculdade depois da revolução de 2011, quando seguranças tomaram o controle da polícia do Ministério do Interior. O estudante de engenharia Mostafa Ahmed me disse: “Esses estudantes nunca sentiram o cheiro de gás lacrimogêneo antes e agora estão vendo o sangue de seus colegas derramado aqui”.

Perguntei a Mohamoud Khary, estudante de engenharia civil do segundo ano, se ele se sentia seguro. “Não. A força policial que deveria nos proteger é o motivo pelo qual estamos sendo mortos. A maioria aqui não se sente nem um pouco segura.”

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E o que é pior, isso já aconteceu antes. Mês passado, outro estudante, Abdel Ghany Mahmoud, foi morto por projéteis de chumbo quando a polícia invadiu a Universidade Al-Azhar durante protestos. Esse campus, no leste do Cairo, tem um corpo estudantil de maioria islâmica. Assim, as autoridades e a administração da universidade defenderam o ataque, culpando os estudantes por “perturbar o processo educacional”. Essa foi outra ação do governo para tentar restaurar a ordem nas universidades de todo o país, usando a polícia dentro dos campi de uma maneira nunca vista antes da revolução.

“Só os estudantes mais velhos aqui sabem o que é segurança estatal dentro do campus”, disse o estudante de engenharia Ahmed Hammad. Enquanto um representante da união dos estudantes lia uma declaração sobre a investigação do caso Reda, centenas de pessoas aplaudiam e gritavam atrás de nós. Outros alunos estavam parados em frente ao mural colorido em homenagem aos mártires mortos recentemente – incluindo outro estudante de engenharia, Mahmoud Abdel Hakeem, morto a tiros este ano no aniversário da Mohamed Mahmoud.

Não é um simples caso de estudante versus polícia; a política egípcia quase nunca é tão simples assim.

“Há um grande conflito entre o exército e a Irmandade Muçulmana no Egito”, disse Mohamed Abd El Salam, da Associação pela Liberdade de Pensamento e Expressão. “E do mesmo modo que isso acontece lá foram, agora isso está acontecendo dentro das universidades.”

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A Irmandade Muçulmana chamou Reda de “o mártir antiprotesto” dois dias depois de sua morte, o que alguns consideram uma tentativa de capitalizar a tragédia. “Os jovens egípcios –  especialmente os estudantes – têm sido a força motora de todas as atividades pela liberdade em toda a nação e o coração pulsante da revolução”, disse a Irmandade. Muitos ativistas diriam que, qualquer que seja a revolução em que a Irmandade está, eles não querem ser parte disso.

“A Irmandade está tentando explorar essa raiva contra a polícia para seu próprio benefício político”, disse Abd El Salam. “Mas a polícia também está tentando explorar o caso, construindo uma propaganda de que estudantes antigolpe mataram Reda. E isso é mentira.” A morte de Mohamed tem sido a mais difícil de explicar para as autoridades até agora. Todos com quem falei disseram que não foi a Irmandade, ou qualquer pessoa associada a qualquer grupo político. Hipocrisia moral talvez, mas o assassinato de um garoto de 19 anos num campus indignou ainda mais o Egito por um motivo: ele não era islâmico.

Sejam quais forem as divisões existentes na sociedade egípcia no momento, elas não são visceralmente aparentes na Universidade do Cairo. Parado perto de um poste com marcas de tiro, um estudante anti-Irmandade chamou um simpatizante de Morsi para conversar conosco. “A única tensão são com grupos pró-golpe ou pró-Sisi”, disse Mohamed Said, simpatizante da Irmandade.

“Vimos nosso colega morrer, esse é um momento novo. Todos estão com raiva.”

@TomWRollins