​Relembrando os geradores de letras dos Tribalistas e do Engenheiros do Hawaii
Nos tempos jurássicos da internet brasileira, o site de humor Mundo Perfeito já antevia a composição de letras pela inteligência artificial.

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​Relembrando os geradores de letras dos Tribalistas e do Engenheiros do Hawaii

Nos tempos jurássicos da internet brasileira, o site de humor Mundo Perfeito já antevia a composição de letras pela inteligência artificial.

Recentemente, uma máquina alimentada com textos e letras de músicas escritas pelo Sabotage psicografou mecanicamente os versos de "Neural". Anunciada como a primeira música a ser composta com o recurso da inteligência artificial, a faixa contou com a participação do grupo RZO, que trabalhou em cima das frases geradas com base nos padrões dialógicos e linguístico-criativos do Maestro do Canão, morto há 13 anos. A ideia de um sistema de rede neural, o Deep Learning, curiosamente parece uma evolução conceitual séria dos programinhas de livre associação de frases que circulavam já nos tempos jurássicos da internet discada brasileira.

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Crédito: Captura de tela

"O humilde virou rei, levada de Pelé, fatality", diz um trecho da letra nova que se supõe que o Sabota poderia ter escrito. Numa versão caricata, a construção remete aos geradores de letras do Tribalistas e do Engenheiros do Hawaii, que faziam sucesso nos sites de humor entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000. Um exemplo é este pedaço de letra criada com o gerador dos Engenheiros na época: "Atrás de um ataque, atrás de um platô, depois de um trago, eu trago um filme". Esses geradores de letras automáticos são um bocado primitivos em relação à contemporânea inteligência artificial, obviamente. E foram montados com o objetivo de satirizar, diferente do caso do Sabota. Justapor os dois exemplos, no entanto, faz do humor do passado uma reflexão acerca do presente-futuro.

Crédito: Captura de tela

Quando o pessoal do site Mundo Perfeito começou a criar geradores de letras [eles também fizeram o da Miss Kittin e o de novelas do Manoel Carlos, entre outros], foi com o objetivo de ironizar os clichês e os vícios linguísticos de seus autores, e, assim, zombar da admiração dos fãs. Para criar uma letra tribalista ou engenheira, por exemplo, o visitante do site acessava o link "gera letra" em mundoperfeito.com.br, hoje inativo, e preenchia um formulário com campos como "verbo besta", "adjetivo feminino que comece com L", "verbo no presente da terceira pessoa do singular", "lugar no masculino", e assim por diante.

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Crédito: Captura de tela

Os resultados eram sempre tão engraçados quando comparados com as letras originais que o Mundo Perfeito inaugurou, com isso, um tipo de humor em que os redatores e contadores de piadas podiam ser substituídos por uma tecnologia capaz de inventar anedotas num esquema industrial. Tanto, que além de serem replicadas em blogs, as letras produzidas viravam motivo de conversas animadas nos fóruns de discussão virtuais. Para se ter ideia da febre, o gerador do Engenheiros, que surgiu em 2003, até 2012 ainda era assunto no fórum do UOL, mesmo que a página já não fosse atualizada desde 2005.

O que quero dizer? Nada. Só que isso tudo é muito Black Mirror (rs!).

"Qualquer boca, seja maravilha
Bancos de memória, bancas de revistas
E o Mateus é calvo
E você está salvo
Uma cidade. Um martírio
Um segundo eterno.
É caber no inferno.
É pegar em beleza.
É arrumar em tristeza." (Crédito: Gerador de Letras do Engenheiros do Hawaii)

"Quero nanar quero serrar
tem sombra no moço sombrio
a lua lerda likes you
Quero nanar quero serrar
Tcherererêkundu moço
Apagou no lundu.
Lá vem mãe Ana Bis Bahia, Piraporinha do Oeste, Madri
Encontram meu avô, Iansã
O beijo bizarro tem benção
água mole não quer pedra dura
Mas eu quero nanar, quero serrar" (Crédito: Gerador de Letras dos Tribalistas)

"Maracutaia o jogo é sujo tem que ser na luz

Ladrão esquece, click cleck bum

No foco eu fico, um fino eu faço eu fumo

Não quero a chave, só o segredo o som correndo o mundo" (Letra póstuma do Sabota)