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Música

O Dillinger Escape Plan decidiu encerrar a carreira do melhor jeito possível

O vocalista Greg Puciato fala sobre o fim da banda e o recém-lançado álbum ‘Dissociation’, além de lembrar da primeira turnê da banda pela América do Sul e como o Guns’n Roses mudou a sua vida.

Foto: Divulgação.

Apesar de sempre serem louvados como os pais do que ficou assim conhecido como mathcore, a verdade é que o Dillinger Escape Plan já faz um som muito próprio e cheio de influências variadas desde o obrigatório Miss Machine (2004), provavelmente o álbum mais importante da banda.

Formado em 1997, em New Jersey, nos EUA, o grupo decidiu encerrar a sua carreira recentemente, mas não sem antes lançar o seu sexto e último full-length, o ótimo Dissociation (2016), responsável por levar o quinteto em uma uma longa turnê de despedida que deve durar até o final de 2017.

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Com elementos de todos os trabalhos anteriores e um título auto-explicativo, Dissociation traz a banda mais urgente e empolgada com experimentações do que no mediano álbum anterior, One of Us Is the Killer (2013), como fica claro na primeira e pesadíssima "Limerent Death", na intrincada "Surrogate" e na estranha e hipnotizante faixa-título, que encerra o álbum e a carreira do Dillinger Escape Plan com seis minutos de sons eletrônicos, cordas e vocais suaves.

Na entrevista abaixo, o vocalista Greg Puciato, que está no Dillinger desde o começo dos anos 2000, fala obviamente sobre o fim da banda e o recém-lançado álbum, além de lembrar da primeira turnê da banda pela América do Sul, no último mês de abril, e como o Guns'N Roses mudou a sua vida.

Para acompanhar a entrevista, selecionei aqui os dez sons que, na minha opinião, resumem a obra da banda. Leia ouvindo:

NOISEY: O Dillinger Escape Plan fez os seus primeiros shows no Brasil e na América do Sul em abril deste ano — antes disso, a banda tinha feito apenas um show na Colômbia em 2013. Quais as suas lembranças desta turnê?
Greg Puciato: Foi realmente sensacional poder finalmente tocar aí. Nós já queríamos tocar na América do Sul há muito tempo, de verdade. Sempre quisemos tocar por aí, mas nunca dava certo. Por isso, foi uma grande honra poder estar aí pela primeira vez. Mas não pudemos conhecer muito além dos hotéis, aeroportos e casas de shows porque o nosso cronograma era muito apertado. Nós tocávamos às 21h, 22h e então recebíamos uma ligação às 5h da manhã do lobby do hotel para irmos até o próximo local. Aí chegávamos exaustos e íamos dormir. E então quando acordávamos já era a hora da passagem de som. Depois só tínhamos tempo de comer algo e então ir tocar. E isso de novo e de novo. Então só conseguimos realmente tocar quando estivemos por aí. Infelizmente não conseguimos explorar, andar ou fazer alguma coisa nas cidades. Por isso, quero muito voltar e talvez passar um pouco mais de tempo por aí.

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Ahh, legal. Então você acha que será possível voltar nesta última turnê da banda?
Ah sim, definitivamente queremos voltar, com certeza.

Dillinger Escape Plan tocando em São Paulo.

Agora sobre o novo álbum. Vocês acabam de lançar o sexto e último disco da carreira de vocês, Dissociation . O Ben (Weinmann, guitarrista da banda) disse em uma entrevista recente que, "à medida que ficamos mais velhos, conseguimos produzir material de forma até mais honesta". Por isso, queria saber se você acha que esse é o disco mais honesto do DEP?
Sim, acho que sim. Acho que uma parte importante de ficar mais velho é que você consegue ficar mais próximo da fonte do que te deixa motivado. As pessoas meio que se descobrem e tentam deixar as besteiras e os egos de lado, todas essas coisas externas, e descobrir o que as deixam motivadas. E, idealmente, você vai seguir o mesmo caminho artístico. Acho que qualquer um que faz arte está tentando, de alguma forma, tornar-se mais honesto ou transparente. E penso que fizemos um trabalho bastante decente em realmente tirar uma foto de onde nós estávamos exatamente nas nossas vidas em todas as vezes que fizemos um disco. E neste álbum novo, em especial, acho que definitivamente conseguimos lidar muito melhor psicologicamente com nós mesmos. E acho que isso afetou bastante o processo de composição.

E como foi o processo de composição e gravação do álbum? Vocês já sabiam na época que seria o último disco da banda?
Eu sabia quando comecei a minha parte. Decidimos isso quando estávamos mais ou menos com dois terços do disco feitos. Por isso, quando chegou a hora de escrever as letras e os vocais eu já sabia.

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E saber isso deixou o processo de alguma forma diferente em relação aos outros discos?
Acho que criou um senso de urgência para nós. Na verdade, foram duas coisas. Acho que criou um senso de urgência. E também criou artisticamente… Nos fez querer colocar o que faria sentido como o capítulo final, até a última música do álbum. Como se você fosse olhar para o disco em termos da sequência das músicas. Não pensar apenas em qual tracklist faz mais sentido para o disco, mas em qual tracklist faz mais sentido para a banda. Ou qual seria a última música, como o disco iria fluir se esse for o último trabalho da banda. Há algo que não dissemos ainda em termos de estilo e do que queremos dizer? Há algo em que ainda não fizemos musicalmente? E você não começa a pensar assim se acha que tem mais pela frente. Então no segundo em que decidimos que esse seria o último disco, acho que isso não apenas criou apenas um sentimento de "Puta merda, a gente precisa fazer tudo que realmente queremos ou não teremos outra chance para isso". Também criou uma situação em que podíamos direcionar o álbum para determinados territórios musicais sabendo que isso teria um fim.

Agora que você pode olhar para todos os discos do DEP como um "corpo de trabalho", vamos dizer, você tem algum álbum ou época favorito com a banda?
Ahh, quero dizer, tenho diferentes lembranças com todos. O Ire Works (2007) foi um disco realmente difícil — não por causa do álbum em si, mas pelo que estava acontecendo com a banda na época. Esse foi o primeiro disco que nós fizemos após a saída do Chris Pennie, nosso ex-baterista e um dos fundadores da banda. E esse foi realmente um álbum que nós não tínhamos certeza se conseguiríamos fazer. Não sabíamos nem se iríamos conseguir continuar com a banda naquele momento. E essa foi a primeira vez que fizemos um disco fora de Nova Jersey. Então fomos para a Califórnia e ficamos morando todos juntos em um quarto de hotel por dois meses. Em apenas um quarto mesmo, porque era o que podíamos pagar. E nós nem sabíamos se seria possível fazer o disco. Apenas queríamos continuar como uma banda. Então esse foi realmente…Esse disco foi definitivamente uma época em que estávamos muito unidos tentando fazer as coisas funcionarem. Então foi um álbum memorável por essa razão.

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O Miss Machine (2004) foi realmente memorável apenas porque foi o meu primeiro disco com a banda. E também porque acabou se tornando um disco muito importante para nós.

E o One of Us Is the Killer (2013) foi muito marcante porque a banda estava realmente muito mal naquela época, a saúde interna dos integrantes. Então eu meio que lembro desse disco como sendo uma época obscura para a banda.

E obviamente esse disco novo ainda está muito fresco para mim. Tenho muito orgulho dele. Não acho que tenha um disco favorito, são apenas lembranças diferentes com cada um deles.

Já que estamos nisso, acha que é possível apontar talvez um ponto de virada mais importante para a banda? Talvez o Ire Works , que você citou agora?
É, acho que o Ire Works foi meio que um reinício. Porque foi quando começamos a perceber que nós realmente podíamos…Bom, pelo menos eu e o Ben percebemos que nós dois podíamos superar muitas coisas juntos. Foi quando nós dois começamos meio que a formar um laço. Porque antes o Ben e o Chris eram mais ou menos as pessoas que guiavam a banda. E depois que o Chris saiu, acho que passou a ser mais eu e o Ben fazendo isso.

Vocês são uma banda muito intensa ao vivo. Esse fato por acaso influenciou na decisão de encerrar a banda agora? Talvez pela preocupação de sentir que não seria possível continuar fazendo isso da maneira que queriam no futuro?
Não, eu não penso assim. Não penso muito nos nossos shows. Quando tomamos essa decisão, estávamos há algum tempo sem tocar. E agora nos sentimos muito revigorados e energéticos com os shows que estamos fazendo, nem um pouco cansados. Estamos tocando por mais tempo do que já tocamos na nossa carreira. Costumávamos tocar por uma hora e agora estamos fazendo shows de uma hora e meia. Nos sentimos ótimos. Então acho que esse não seja um motivo para termos decidido parar, pelo menos não para mim.

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E você já está confortável com a ideia do fim do DEP? Acha que vai ficar numa boa com isso?
Sim, me sinto totalmente confortável com isso. Artisticamente é algo que faz sentido para mim. Ainda temos em torno de um ano de shows, então é um pouco difícil para mim. Porque não sinto o fim tão próximo apenas porque ainda temos muitos shows para fazer. Mas me sinto muito confortável em ver a banda como algo com um começo e um final – de forma intencional. Penso que essa é uma posição forte para se estar, parece mais forte do que apenas continuar e esperar que nunca acabe, essa me parece uma posição de fraqueza. E decidir colocar um fim em algo, artisticamente te dá controle sobre isso. Então isso nos faz sentir mais fortes.

Por acaso, vocês chegaram a conversar sobre isso com outras bandas que também decidiram encerrar suas atividades no auge, como o Isis e o Botch, por exemplo?
Não, não. Não chegamos realmente a falar com ninguém sobre isso. Mas adoraria falar com essas bandas. E mesmo com bandas que acabaram em termos mais amargos. O fim de bandas está começando a se tornar algo mais fascinante para mim. Apenas porque fico curioso em saber as histórias internas das outras bandas, talvez possam se relacionar conosco. Mas não falamos com ninguém.

E pensam em lançar um livro e/ou um documentário sobre o DEP após o fim da banda?
Sim, é possível. Estamos filmando muitas coisas agora, tirando muitas fotos. Nós estamos meio que arquivando as coisas sempre, mas sem saber exatamente a razão para isso. Então sim, é bem possível.

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Como sou do Brasil, queria falar sobre isso. Você gravou recentemente um disco com o Max Cavalera e outros músicos importantes, como Troy Sanders, baixista e vocalista do Mastodon, em um projeto chamado Killer Be Killed . Como você acabou trabalhando com o Max? Sei que já tinham gravado uma música do Soulfly antes. E vocês pensam em gravar outro disco juntos?
Sim. Quero dizer, conheço o Troy há uns 16 anos e o Max há uns 6 ou 7 anos. Apenas começou como uma daquelas coisas em que falávamos sobre fazer um disco juntos. E o Dillinger estava em turnê com o Mastodon e falei sobre isso (fazer um disco com o Max) na frente do Troy e ele apenas disse "Se precisar de alguém para tocar baixo, eu sou o seu cara", ao que apenas respondi "Você tá falando sério?" e ele confirmou e disse "Sim, vamos fazer isso". Apenas virou algo com o qual todos concordamos em fazer e então um dia tínhamos um disco. Falávamos sobre isso há muito tempo e então finalmente tivemos alguns meses de folga, quando nos reunimos e conseguimos fazer o disco. É óbvio que as nossas agendas são muito doidas, então é difícil encontrarmos algum tempo, mesmo para fazer shows. Mas diria que a cada algumas semanas ainda falamos sobre fazer outro disco. Só que isso vai realmente depender das agendas de todos se alinharem magicamente, o que é bastante difícil.

Aliás, o Sepultura foi uma banda importante para você nos anos 1990?
Ah, claro. Eu gostava muito de thrash metal, grind, alternativo, punk e qualquer coisa agressiva. Então o Arise (1991) e o Chaos AD (1993) foram discos muito importantes para mim mais ou menos na mesma época em que também ouvia muito Rust in Peace (1990), do Megadeth, Seasons in the Abyss (1990), do Slayer, e … And Justice for All (1988), do Metallica. Estava entrando mais e mais neste tipo de som. Quando descobri bandas como Death e Napalm Death, o Sepultura estava no mesmo pacote.

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Aproveitando o gancho desses discos que foram importantes para você, queria que me dissesse por favor três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Ahh, Ok. O primeiro disco seria o Appetite for Destruction (1987), do Guns N'Roses. Esse foi o álbum que me fez deixar de ouvir o que quer que eu escutasse na época, o que meus pais estivessem ouvindo, e passasse a realmente ouvir o que eu queria. Esse é o primeiro disco que eu consideraria ser meu de verdade. E meus pais queriam tirá-lo de mim e eu tive de escondê-lo. Eles provavelmente não gostariam da capa, com aquela imagem do robô e do estupro. E eu apenas ouvia esse disco o tempo todo. Eu nem sabia do que eles estavam falando nas letras, não tinha ideia do que era "Nightrain" ou "Mr. Brownstone". Esse álbum eventualmente me levou ao metal, ao Metallica e ao Slayer e coisas desse tipo. Por isso, esse foi um disco muito importante para mim.

Um segundo disco muito importante é o I Against I (1986), do Bad Brains, que me causou um grande impacto. Especialmente o H.R., por ser o vocalista, teve uma influência enorme sobre mim. Costumava ouvir e cantar esse disco inteiro, do começo ao fim, o tempo todo. E ficava cantando junto. Por isso, esse álbum teve uma grande influência em mim como um vocalista.

E então o terceiro é o Loveless (1991), do My Blood Valentine, que me levou para um tipo de música mais abstrata. É óbvio que é um álbum de shoegaze, mas é um disco muito barulhento e abstrato. Quando era mais jovem, ouvia apenas riffs e vocais e um estilo de composição mais tradicional. Então quando ouvi esse disco do My Blood Valentine foi algo tão abstrato e estranho em termos artísticos que acabou me levando a percorrer outros caminhos musicais. E foi muito legal quando eles se reuniram há alguns anos porque pude ver eles tocando ao vivo e foi algo realmente importante, já que não tinha conseguindo assistir a um show quando era jovem.

E você lembra de quando começou a tocar e cantar? Quantos anos tinha na época?
Acho que tinha uns 9 ou 10 anos quando comecei a tocar guitarra. E comecei a cantar pouco depois disso.

Essas são as duas últimas. Do que acha que vai sentir mais falta quando o DEP acabar de vez?
Bom, vou sentir falta de coisas óbvias como tocar ao vivo. Porque os shows são apenas essa descarga insana de adrenalina e são muito catárticos. Fazer os shows é algo que me ajuda a me livrar de muita energia e ansiedade. Mas acho que as coisas que vou mais sentir falta são os relacionamentos e a quantidade de tempo que posso passar nesses relacionamentos criativos com as pessoas da banda. Vou sentir falta de escrever músicas para um disco, da camaradagem. O lance de meio que estar em um navio que você não sabe para onde está indo. Há algo meio romântico em estar numa banda, no sentido de que há similaridades como embarcar em uma viagem com os seus amigos. E vocês são todos piratas em busca de águas nunca antes navegadas e esse tipo de coisa. Você não sabe o que vai encontrar, como vai se sair, só tenta fazer as coisas funcionarem juntas. E há algo realmente bonito sobre isso. Acho que vou sentir falta do processo todo.

Essa é a última pergunta. Do que você tem mais orgulho na sua carreira com a banda?
Acho que o que mais tenho orgulho é o fato de não termos desistido antes uns dos outros. Houve alguns momentos na história da banda em que as coisas estavam realmente ruins, em termos pessoais. Não estávamos nos entendendo. E não era nem que não estávamos nos entendendo. Apenas não era algo saudável, tínhamos muitos problemas de comunicação entre nós. Ou mesmo algo mais estúpido como uma briga de egos ou talvez apenas um desentendimento que saiu de controle. E tivemos muitos momentos em que as coisas simplesmente não estavam bem na banda. E acho que qualquer um neste lugar…talvez uma banda mais fraca teria jogado a toalha e dito algo como "Vai se foder, não consigo mais lidar com vocês". Por isso, tenho muito orgulho de não termos feito isso. Ficamos firmes uns com os outros porque acreditávamos na jornada artística em que estamos juntos e também acreditávamos que iríamos superar os problemas pessoais para alcançar nosso destino como uma banda. E uma vez que fizemos isso e passamos por esses problemas, foi quando conseguimos fazer esse disco novo. E o que mais me orgulha é o fato de que não desistimos ao longo do caminho e que conseguimos terminar isso mais amigos do que nunca e nos dando melhor do que nunca.