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Entretenimento

O 'West Side Story' de Spielberg luta contra o embranquecimento de Hollywood

Taí a correção para décadas de atores brancos interpretando papéis porto-riquenhos em filmes.
A atriz Ariana DeBose e Steven Spielberg
Esquerda: Ariana DeBose. Direita: Steven Spielberg. Photos via Getty. 

Rachel Zegler, uma colombiana americana de 17 anos de Clifton, Nova Jersey, interpretou Maria na produção do centro de artes local de West Side Story e depois pegou o mesmo papel no remake de Steven Spielberg do musical de 1957 – uma espécie de remix de Romeu e Julieta.

Maria, uma garota porto-riquenha de Nova York que se apaixona por um garoto branco de uma gangue rival, era interpretada por Natalie Wood no filme vencedor do Oscar de 1961. Na verdade, a maioria dos personagens porto-riquenhos do filme original [Amor, Sublime Amor no Brasil] eram interpretados por atores brancos, abrindo o palco para uma série de polêmicas de branqueamento em produções de teatro no mundo inteiro nas décadas que se seguiram. Numa entrevista de 2017 para um podcast, Rita Moreno, que ganhou um Oscar pelo papel Anita no filme, revelou que a pele dos atores brancos (e dela mesmo) foi escurecida com maquiagem.

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Spielberg e o premiado roteirista Tony Kushner encararam como missão corrigir esse passado no remake. Eles também contrataram Moreno como produtora-executiva na nova versão e a elencaram para uma nova personagem – Valentina, a dona da loja onde Tony (que será interpretado por Ansel Elgort) trabalha, um papel originalmente escrito para um personagem homem e interpretado por um ator branco.

Depois de prometer elencar atores latinos para os papéis porto-riquenhos do filme, Spielberg e sua equipe acharam Zegler através de um anúncio procurando especificamente atores latinos. Ela venceu mais de 30 mil inscritas para se juntar ao elenco com outros astros, como a veterana afro-latina da Broadway Ariana DeBose (Hamilton), que vai fazer Anita.

Essas escolhas de elenco vêm num momento em que o whitewashing – expressão para o fato de personagens estrangeiros ou históricos serem embranquecidos pela indústria cinematográfica – se tornou uma grande discussão dentro dos círculos de Hollywood, e enquanto a indústria foi empurrada para abordar a questão por atores e o público não-brancos cansados da falta de oportunidades e representação – mesmo quando os personagens na tela são escritos como pessoas não-brancas.

Scartlett Johansson e Emma Stone foram muito criticadas por interpretar papéis onde a personagem era parte de uma franquia de anime asiática (Johansson em Ghost in a Shell) ou descendente de asiáticos (Stone em Sob o Mesmo Céu). Johnny Depp fez muita gente revirar os olhos interpretando um nativo americano em O Cavaleiro Solitário (2013), e Zoe Saldana ofendeu fãs de Nina Simone escurecendo a pele para interpretar a rainha do blues em Nina (2016). Ben Affleck interpretou Antonio Mendez em Argo, que ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2013, e foi criticado por não contratar um ator latino para o papel.

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A campanha #OscarsSoWhite (ou "O Oscar está tão branco", em português) de 2018 destacou que apenas três atores latinos tinham ganhado prêmios da Academia nos últimos 20 anos; a criadora da campanha, April Reign, vem falando sobre a falta de representação em Hollywood há anos.

Zegler cantando “Shallow” de Nasce uma Estrela:

Zegler parece bem ciente de como seu papel é um passo para abordar o embranquecimento em Hollywood, dizendo ao Deadline: “West Side Story foi o primeiro musical que encontrei com uma protagonista latina. Como uma mulher colombiana americana crescendo nesta era, papéis fortes como Maria são muito importantes. Poder dar vida a essa personagem, um papel que significa tanto para a comunidade hispânica, é uma honra”.

Spielberg e Kushner também têm se encontrado com pensadores da comunidade porto-riquenha para ajudar a tornar o novo roteiro mais autêntico. Os dois foram para a Universidade de Porto Rico em San Juan em dezembro de 2018 para ouvir opiniões de professores e estudantes. Esse passo pode parecer simples bom senso, mas conta como um ato de liderança hoje em Hollywood, onde uma “história baseada em fatos reais” vencedora do Globo de Ouro sobre um músico negro ainda pode ser escrita sem consultar a família dele.

Julgando pela reação de líderes de gangues porto-riquenhas de Upper West Side (onde o filme se passa) sobre o filme original, é melhor mesmo Spielberg usar toda consultoria que puder. Chino Familia, padrinho da gangue La West Side Familia que começou em 1972, disse à VICE: “West Side Story não mostrava o que estava realmente acontecendo. Eles usaram muita gente branca”. Ele disse que a irritação de não se sentir representado em filmes como West Side Story gerou controvérsias sobre novos filmes de gangues de rua sendo filmados sem consultar o grupo nos anos 70. “Tentamos impedir Os Selvagens da Noite [um filme de 1979 sobre uma guerra de gangues em Nova York] de filmar no Riverside Park, porque dissemos 'Por que eles estão aqui usando essas jaquetas se não são de gangues reais?' Eles não nos conheciam.”

Enquanto Spielberg avança a produção com seu elenco de talentos latinos e um novo roteiro com mais input da comunidade que ele retrata, ele está tomando medidas muito necessárias para abordar a longa história de whitewashing no cinema usando um dos exemplos mais clássicos disso. É difícil imaginar um projeto melhor para começar um um novo capítulo em Hollywood.

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