Breakdance Contra a Violência no Haiti

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Breakdance Contra a Violência no Haiti

No meio da Cité Soleil, a maior e mais notória favela do Haiti, um grupo chamado Cyborg Dance oferece às crianças a oportunidade de escapar do caos dessa cidade de barracos por meio do breakdance.

A vida nas vielas e ruas estreitas de Cité Soleil, a maior e mais notória favela do Haiti, pode ser cruel. As crianças catam material reciclável em canais imundos; as mulheres carregam cestas pesadas sob o sol escaldante todos os dias, vendendo coisas; jovens desempregados ficam de braços cruzados em frente a prédios cheios de marcas de balas.

Mas, no meio disso tudo, numa casa abandonada e sem o teto, um grupo chamado Cyborg Dance oferece aos meninos a oportunidade de escapar do caos dessa cidade de barracos por meio do breakdance. Espalhados pelo piso, os dançarinos realizam um movimento atrás do outro. Alguns focam em sequências, alguns praticam acrobacias e outros ensaiam danças coreografadas em pequenos grupos.

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“A dança é como um vírus”, disse Wendy Lazaire, uma das fundadoras do Cyborg Dance. “Há muitos garotos na Cité Soleil com a barriga vazia e a mente também. Precisamos pelo menos plantar o vírus da dança na cabeça deles.”

O grupo começou em 2004, no epicentro da crise motivada pela queda do governo de Jean-Bertrand Aristide. Na época, grupos pesadamente armados controlavam muitos dos bairros mais populares da capital, e pegar em armas era a única perspectiva para muitos garotos. Os ciborgues, no entanto, encontraram um refúgio no break.

“Era possível encontrar garotos carregando metralhadoras e lutando com gangues rivais por toda parte”, recorda Wendy. “De manhã, você achava corpos alinhados nas ruas. Percebemos que podíamos ficar longe desse estilo de vida por meio da dança. Escolhemos a dança como nossa arma contra a violência.”

Com os anos, a organização se transformou de um pequeno grupo de dançarinos em algo que lembra uma escola de dança, sempre procurando evitar que os meninos se envolvam com as gangues da Cité Soleil. Toda semana, os dançarinos saem às ruas para dar visibilidade à organização e encorajar outros a participar das aulas. Eles se apresentam em vários bairros de Cité Soleil, além de outras áreas pobres em Porto Príncipe, como Bel-Air e Martissant.

Felizmente, a violência no Haiti agora é bem menor que durante a crise de 2004, mas o trabalho dos ciborgues continua a ser crucial para a juventude de Cité Soleil. Na favela de mais de 300 mil pessoas, a falta de oportunidades para as dezenas de milhares de crianças continua a deixá-las vulneráveis ao envolvimento com gangues.

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“Todos os garotos que você vê na pista de dança abrigam um enorme sentimento de frustração. A maioria não pôde estudar, não tem emprego e não vê uma saída para sua situação”, disse Mario Senat, um instrutor de 32 anos envolvido com o grupo. “A dança dá a eles uma identidade e faz eles se sentirem bem com eles mesmos.”

O grupo impressiona o público com frequência em festivais e festas pelo país. Ronaldo Guerrier, um dançarino de 16 anos e uma das adições mais recentes à trupe, me contou: “Alguns meses atrás, quando os ciborgues dançaram na rua em frente à minha casa no bairro de Bwa Neuf, todas as crianças se empolgaram, gritando depois de cada movimento”. Ganhar a multidão não é uma conquista pequena, já que os dançarinos tiveram que combater os fortes estigmas que a sociedade haitiana relaciona à juventude de Cité Soleil.

“Perdi a conta de quantas portas foram batidas na nossa cara só porque somos um grupo de jovens do Cité Soleil”, disse Wendy. “Se você é jovem e mora na favela, você só pode ser bandido?”

A perseverança dos dançarinos diante das adversidades é refletida no nome do grupo. “É por isso que nos chamamos ciborgues! Temos que colocar nossas emoções, nosso medo, nossa dor… todas essas características humanas de lado se quisermos continuar dançando. Temos que nos tornar robôs – ciborgues –  se quisermos continuar”, disse Wendy.

E o grupo ainda vai ter que superar muitos outros obstáculos para ver seu sonho, montar uma escola de dança totalmente funcional, se materializar. Os próprios membros originais do Cyborg Dance, a maioria agora com 20 e poucos anos, usam seus parcos recursos financeiros para manter a escola funcionando enquanto lutam para sustentar suas famílias.

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“É difícil fazer os meninos continuarem vindo. Eles dançam e malham, mas não temos dinheiro nem para oferecer um refresco a eles depois do ensaio”, disse Mario.

Durante períodos de muita violência entre as gangues, os ensaios podem ser suspensos por várias semanas, já que muitos dançarinos não podem caminhar até a escola sem correr risco de vida. Ainda assim, eles continuam dançando.

“Se os bandidos soubessem dançar, eles largariam suas armas imediatamente. Se um garoto sabe dançar, ele nunca vai pegar uma arma”, Wendy me disse. “A dança já nos tirou de momentos péssimos. Temos uma dívida com esses meninos, queremos que eles possam superar momentos difíceis também.”

Felipe Jacome é um fotojornalista equatoriano que, no momento, reside em cima do Bronx Documentary Center.