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​Se Soltarmos Uma Fração de Carbono do Ártico no Ar, ‘Fodeu’, Diz Climatologista

O gelo do Ártico está derretendo e pode estar liberando metano, criando uma possível catástrofe. É o que diz um especialista no assunto.
Crédito: NASA / Kathryn Hansen

Esta semana, cientistas fizeram uma descoberta perturbadora no Oceano Ártico: eles avistaram "grandes nuvens de metano vindas do fundo do mar", como foi descrito pela Universidade de Estocolmo em um artigo relevando as observações. A pluma de metano – um poderoso gás de efeito estufa que prende o calor com mais força que o dióxido de carbono, principal agente da mudança climática – incomodou especialistas.

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Mas a história foi ainda mais perturbadora para o Dr. Jason Box, um climatologista com diversas publicações na área que estava acompanhando a expedição. Enquanto buscava mais informações sobre esta notícia, esbarrei em um tuíte seu, que vindo de um cientista, é absolutamente aterrorizante:

If even a small fraction of Arctic sea floor carbon is released to the atmosphere, we're f'd.

— Jason Box (@climate_ice) July 29, 2014

Em uma tradução bem literal: Se até mesmo uma pequena fração do carbono do fundo do Oceano Ártico for liberada no ar, estamos f*didos.

Box, que atualmente é professor de glaciologia no Departamento de Pesquisas Geológicas da Dinamarca e Groenlândia, estuda o Ártico hádécadas. Sua página cheia de honras e elogios na Wikipédia menciona que ele já fez cerca de 20 expedições ao Ártico desde 1994, sendo o principal autor da seção da Groenlândia do Relatório Anual sobre o Estado do Clima da NOAA entre os anos de 2008 e 2012. Ele também é responsável pelo projeto Dark Snow e escreve sobre suas últimas descobertas em seu blog, Meltfactor.

Resumindo: Box conhece o Ártico e sabe muito sobre mudanças climáticas – e as nuvens de metano o deixaram abalado suficiente para soltar a palavra com F.

Agora, os cientistas no Ártico não entenderam por completo o motivo da formação destas nuvens. Mas especulam que uma parte mais quente da corrente oceânica teria desestabilizado os hidratos de metano na encosta do Ártico.

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Liguei para Box em seu escritório em Copenhague, e ele falou de forma franca e enfática sobre a nova ameaça, e sobre mudanças climáticas como um todo. Ele também falou mais palavrões do que um pirata, o que me fez pensar como os climatologistas evitam de fazê-lo, levando em conta a gravidade do problema–com certeza é um jeito extremamente preciso de se comunicar as condições climáticas.

Primeiramente, perguntei a Box se ele mantinha o que havia dito naquele tuíte. Ele o mudaria um pouco para incluir o carbono de superfície – o metano preso no terreno com gelo permanente que também começou a vazar – porque se o bastante de qualquer um dos dois for liberado, teremos problemas.

"Mesmo que uma pequena fração do carbono seja liberada na atmosfera, estamos fodidos" declarou. O que o deixou alarmado é que "as bolhas de metano estão chegando na superfície. Isso é novidade em minha pesquisa", disse.

O vídeo feito pelos cientistas das bolhas de metano no Oceano Ártico.

"Normalmente, pensa-se que as bolhas se dissolveriam antes de atingirem a superfície e que microrganismos consumiriam o metano, e tudo bem", continuou Box. Mas se as nuvens estão chegando à superfície, isso representa uma série de novos gases de efeito estufa com os quais precisamos nos preocupar.

Os cientistas da expedição confirmam que é isso mesmo que estamos vendo:

"Estamos 'cheirando'metano", escreveu Ulf Hedman, coordenador de ciências do Secretariado de Pesquisa Polar Sueco, em um post destacado pelo Climate Change SOS. "Vemos as bolhas no vídeo através da câmera montada na sonda CTD ou no Multicorer. Todas as análises dão estes indícios. Vemos isso na água, lemos sobre na superfície, e o acompanhamos no céu com radares e lasers. O vemos misturado no ar e levado pelos ventos. O metano está no ar."

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"O metano é mais do que 20 vezes mais potente que o CO2 ao prender raios infravermelhos como parte do efeito estufa", declarou Box. "Metano na superfície – isso é algo forte."

É algo especialmente preocupante porque o Ártico está aquecendo mais rápido que qualquer lugar na Terra. Agora, junto do gelo do mar derretendo e o gelo permanente descongelando, temos que adicionar isto a nossa lista de preocupações "recorrentes", o fato de que o Oceano Ártico pode estar liberando metano. Ou seja, quanto mais quente o oceano fica, mais metano é liberado, e mais quente ele fica, ad infinitum.

TALVEZ EU ESCAPE DISSO, MAS MINHA FILHA TALVEZ NÃO. ELA TEM TRÊS ANOS DE IDADE.

"O Oceano Ártico é nossa preocupação mais imediata em termos de carbono", prosseguiu Box. Há muito carbono lá. "É um número gigantesco. Mas deveríamos pensar que mesmo que só um pouco escape, isso já é um problema."

Box, natural do Colorado, nos EUA, mudou-se para a Dinamarca, em parte para fugir dos impactos da mudança climática. "Secas se tornarão um problema para estados do interior dos EUA", disse. "Sou uma espécie de refugiado do clima." As nuvens de metano do Ártico, é claro, são mais uma fonte de preocupação ligada a um fenômeno que de forma cada vez mais acelerada chega às portas da irreversibilidade.

"Estamos a caminho de um cenário de aquecimento impossível de ser administrado e precisamos sair dele", afirmou. "Já estamos fodidos de certa forma, certo? Será impossível de administrar. O dragão do clima está sendo cutucado e eventualmente ele irá ficar puto e destruir tudo."

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Foi emocionante ouvir um climatologista não poupar nada, ao passo que ainda assim resumia de forma eloquente e precisa a parte científica da coisa – por mais que uma parte destes esteja se tornando mais proativo, caso do paleoclimatologista Dr. Michael Mann, e do grande cientista climático Dr. James Hansen, aos poucos estes profissionais estão aprendendo a lidar com o público de uma maneira enérgica e convincente. Como o Dr. Hansen, Box tem uma razão profundamente pessoal para soar o alarme.

"Talvez eu escape de muito disso", disse, "mas minha filha talvez não. Ela tem três anos de idade." A mudança climática talvez não desestabilize o planeta durante nossas vidas, ou mesmo a da filha de de Box – mas o fato de que fatores como esta liberação de metano podem acelerar o aquecimento significa que há uma chance de uma rápida transformação climática. E as catástrofes econômicas e sociais que provavelmente a acompanhariam podem chegar antes do que imaginamos.

"Se você está prestes a perder tudo, então até mesmo um evento de pouca probabilidade é um alto risco. É por isso que que as pessoas financiam exércitos – caso alguém os invada. Precisamos investir na descarbonização de nossos sistemas energéticos." Ele pausou e então completou:

"A gente precisa manter essa porra de carbono enterrado."

Tradução: Thiago "Índio" Silva