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Tiozinho do Rio

Ele come hambúrguer de cavalo. Ele também bebe duas garrafas de vinho por dia, e sempre diz: "Gordura é o meu poder."

Eu nunca comi carne de cavalo. Já experimentei pavão, crocodilo, búfalo, canguru e KFC, mas nunca um cavalo. O esloveno Martin Strel já. Ele come hambúrguer de cavalo. Ele também bebe duas garrafas de vinho por dia, e sempre diz: "Gordura é o meu poder." Além disso, ele nada quatro quilômetros por hora, cinco horas por dia, e, pra chamar atenção para a poluição e a destruição das florestas tropicais, faz isso nos rios mais perigosos e sujos do mundo. Depois de já ter enfrentado o Mississippi e o Yantze (que o viu nadando entre corpos humanos) em 2007, aos 52 anos de idade ele foi a primeira a pessoa a enfrentar o Rio Amazonas, onde nadou 5.236 quilômetros em 66 dias.

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Na época, o Rio Amazonas viu sua pior cheia em 100 anos, que causou desmoronamentos nas margens e encheu a água com pedaços de floresta, tarantulas e escorpiões. Pássaros bicaram a cara dele e piranhas comeram suas costas, e ele teve que navegar entre cobras, crocodilos e candirus (aqueles peixes que entram pela sua uretra). O documentarista John Maringouin estava lá pra registrar isso, e o resultado, o filme Big River Man – um dos documentários mais interessantes que já vi -, acabou de sair em DVD.

Continuando suas atividades, apesar das constantes recomendações médicas para que parasse, Martin lida com pressão sanguínea altíssima, desidratação contínua (que sua insistência em beber uísque e cerveja não ajuda em nada), queimaduras solares de segundo grau, delírio, alucinações e uma infecção de larvas no seu cérebro. Entre os membros da equipe estão seu filho/assistente, Borut, e seu navegador "amador profissional" - um jogador de pôquer de Wisconsin que, em algum momento, perde a cabeça e se transforma no Dennis Hopper de Apocalypse Now. Liguei para o Martin pra conversar sobre tudo isso. Com ele estavam Borut e Kathy, sua consultora de ambos, negócios e saúde.

Vice: Oi Martin. Você fala que nunca fica doente ou se machuca. Você está mentindo ou tem poderes especiais?
Martin: É, isso não é totalmente verdade. Tenho milhares de problemas, mas comigo é um pouco diferente. Eu poderia estar doente. Poderia estar terrivelmente doente, mas, sabe, tenho que nadar todos os dias. Sem dúvida. No Amazonas tive muitos problemas – muita diarréia – mas esses são problemas pequenos. Você tem que nadar.

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Mas geralmente você é muito saudável?
É, talvez eu seja um pouco diferente das pessoas comuns. Talvez tenha nascido assim. Mas vivo muito bem, com muita saúde. Passo muito tempo na floresta, na natureza, na água. Como e bebo muito bem. Nunca estou doente. Talvez meu corpo seja um pouco mais forte.

Talvez seja por causa dos hambúrgueres de cavalo.
É! Hambúrguer de cavalo é uma boa comida.

Faz alguns anos desde que você nadou o Amazonas. O que você tem feito desde então?
Tenho levado por aí a mensagem de sensibilização para a despoluição das águas. Nadando na Grécia, Noruega e Reino Unido também. Nadei o Tâmisa duas vezes.

Ele era limpo?
Sim, o Tâmisa é um ótimo rio agora. Cheira bem, é limpo e tem um monte de peixes.

Deve ter sido uma mudança refrescante pra você. Qual foi o ponto mais baixo quando você nadou o Amazonas?
O pior problema eram todas as doenças tropicais. Isso não é legal pra nós, mesmo sendo uma linda parte do mundo. É linda, mas para as tribos indígenas, não para a gente. Muitos mosquitos, a umidade é terrível, o Sol é inacreditavelmente forte – quase 40º C.

Você parecia bem abatido quando conectou uma bateria na cabeça.
É, 66 dias sem parar. Você pode ficar bem mal. O Amazonas foi terrível para a minha cabeça, pro meu cérebro. Me deixou nervoso – tudo a minha volta – o que era possível tocar, colocar na minha cabeça, mudar de ideia.

Teve alguma hora em que você quis desistir?
Essa é uma pergunta muito difícil. Pra mim, isso quase não existe. Pra mim, é um grande problema dizer "Chega, vamos para casa."

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Mas você pensou nisso?
Não, não. Claro que tiveram dias terríveis, nos quais coisas ruins aconteceram, mas eu teria que chegar ao zero para desistir.

Me disseram que você não gostou do jeito que foi retratado no filme.
Isso é uma coisa de Hollywood. Me mostrar dirigindo bêbado, não é verdade. Eu bebo vinho, é verdade, mas aquilo de a polícia me parando… Não é verdade. Mas esse é o povo americano. Era uma equipe americana.
Borut: Posso dizer uma coisa? Eu estava fazendo a narração para o filme, e sou seu filho contando uma história sobre o Martin ser um bêbado e alcoólatra. Mas a verdade é que me pediram para ler a narração sem ver as sequências filmadas, e naquela hora eu não tinha ideia que eu não tinha o direito de dizer o que poderia ou não estar no filme. Você tem que entender que nós não tínhamos nenhuma experiência em cinema. Os cineastas tiraram vantagem disso, e não estamos escondendo isso.

Então você estava dizendo coisas que não eram verdade?
Borut: Com certeza. Estava lendo páginas e páginas de roteiros e quase não conseguia pensar sobre o que eu estava lendo porque eles me deram muita coisa. Mas queria participar com o que precisasse ser feito para que o filme mostrasse o Martin nadando o Amazonas. Mas não vimos o filme até a sua estreia em Sundance. Eles estavam escondendo coisas de propósito e não mostrando pra nós como o Martin seria retratado. Por um lado, isso é um direito deles como cineastas. Mas não é justo com a gente porque é prejudicial ao Martin. As pessoas acham que isso é o que ele é, mas ele não é assim.
Kathy: Eu sou americana. Não conhecia o Martin e o Borut na época que isso estava acontecendo, mas vou dizer uma coisa que não tem outro jeito de ser dita. Eles foram bem ingênuos nos seus entendimentos de como os executivos de Hollywood fazem as coisas. E como o Borut disse, ele foi absolutamente bombardeado com material para leitura, e não pensou o suficiente sobre como eles estavam retratando seu pai.

Então é tudo exagero ou eles estavam mesmo inventando coisas?
Kathy: É o seguinte, o Martin tem um grande respeito pela vida. Ele nunca fica bêbado. Nunca. Ele nunca dirige, mesmo que tenha tomado só vinho. E, por acaso, o vinho que ele toma – eu chamaria de vinho medicinal – é um vinho de teor alcoólico muito, muito baixo, da Eslovênia. Então isso foi completamente inventado. E no que diz respeito a ele ser um jogador que aposta dinheiro, em primeiro lugar: ele não tem tanto dinheiro quanto eles disseram que ele tem. Nós não sabemos quem ganhou esse dinheiro, mas não foi ele. Um dos patrocinadores é alguém que ele conhece, um amigo que tem um cassino, e pediram para Martin filmar alguma coisa lá. Mas o Borut leu algumas coisas, que não deveriam ter sido lidas, por ingenuidade.

Ok. Martin, no final do filme você está tendo sonhos recorrentes sobre a Amazônia. Isso ainda acontece?
Martin: Eu ainda caio na água todos os dias. O Amazonas foi um grande, grande risco pra mim. Era meio a meio. Eu decidi fazer e ainda estou vivo. Acredite, eu ainda estou na Amazônia todos os dias. Ainda treino todos os dias, mas se me perguntar o que eu farei amanhã, é uma pergunta difícil. Acredite, ainda estou na Amazônia. Minhas ideias sobre nadar amanhã ainda não estão tão claras.

Bom, é uma façanha inacreditável, e é incrível ver isso no filme. Foi ótimo falar com vocês.
Kathy: Podemos te dar o site do Martin pra você destacar, porque vamos liberar algumas informações bem importantes. Por exemplo: vamos divulgar o que Martin realmente consome diariamente.

Claro.
Ótimo. É www.martinstreladventures.com Eu tentei falar com o diretor John Maringouin para ouvir a versão dele da história, mas não consegui.