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Repensando a proibição das drogas em escala global

Enquanto estados e nações estudam como regular a maconha e outras drogas, ativistas e ONU terão que levantar questões importantíssimas para criar uma política de drogas mais eficiente no futuro.

Da coluna 'High Wire'.

Um policial tailandês em frente a uma apreensão de metanfetamina em 2014. Foto por NICOLAS ASFOURI/AFP/Getty Images.

Mês passado, a Assembleia Geral das Nações Unidas se encontrou pela primeira vez na história para reconsiderar a proibição internacional de drogas, se voltando para políticas focadas em saúde e direitos humanos. Encarando uma violência sem precedentes relacionada ao tráfico, México, Colômbia e Guatemala insistiram para que a abordagem internacional mude em dois anos. Ainda assim, não há um senso de urgência, e nenhuma mudança real foi realmente aprovada, em grande parte devido à intransigência de Rússia e China. Ainda assim, a reunião ilustrou claramente uma realidade: Como os EUA estão de fato violando as convenções internacionais de drogas ao permitir que seus estados legalizem a maconha, o país está basicamente renunciando ao seu papel de polícia do mundo quando o assunto é drogas. (Pelo menos até que o Trump Presidente seja uma realidade.) E isso significa que países como Canadá e Jamaica, que legalizaram ou planejam legalizar a maconha, podem fazê-lo sem enfrentar ameaças de sanções econômicas, como aconteceu no passado. O consenso de que a proibição é a única abordagem possível para o uso de drogas foi quebrado. Mas o que traria mudanças reais? A ONU vai revisitar a discussão em 2019, e há questões críticas que os reformistas terão que abordar até lá para preparar o palco para uma política de drogas mais eficiente nas décadas que virão. A primeira, e provavelmente mais importante, é conscientizar o público sobre a natureza real do vício e suas causas. Apenas 10 a 20% das pessoas que usam até as drogas mais viciantes, como heroína e metanfetamina, realmente se tornam viciadas. A grande maioria do uso de drogas nunca resulta num vício, ou nenhum outro tipo de dano. Quando isso é entendido, a dúvida real das políticas de drogas se torna: Como prevenir o vício e outros danos relacionados a drogas? Isso está no cerne da estratégia de política de drogas conhecida como "redução de danos". Infelizmente, décadas de propaganda racista e o medo causado pela mídia obscureceram o fato de que o vício raramente é causado pela simples exposição a uma droga. Tipicamente, o vício resulta da tentativa de medicar desespero emocional ou social, com 90% dos vícios começando em pessoas menores de 20 anos. E mais importante, os vícios mais graves geralmente começam com o uso na adolescência ou até antes, e para pessoas que usam vários tipos de drogas. Pelo menos dois terços delas tiveram infâncias traumáticas e mais de 50% tem problemas mentais ou transtornos de personalidade. As drogas não são a única fonte de seus problemas; aos olhos dessas pessoas, as drogas são uma solução superficial que deu errado. Consequentemente, riscar uma droga em particular do mapa — como se isso fosse possível — não mudaria o fato de que há pessoas vulneráveis ao vício, e que vão procurar maneiras de tornar sua realidade mais tolerável. Reconhecer que vício não é algo "criado" por cientistas ou traficantes malignos, mas por um complexo emaranhado da experiência de desenvolvimento é crucial, assim como perceber que reduzir os danos causados pelas drogas — não o uso — é o único objetivo plausível. Quando a ONU se encontrou pela última vez para discutir suas políticas de drogas em 1998, o resultado foi um documento sugerindo que deveríamos ter hoje um mundo livre de todas as drogas. Dessa vez, pelo menos, a agência quer buscar um mundo livre do "abuso de drogas", o que pode ser um pouco mais realista. Na verdade, a história da política mundial das drogas é um triste conto sobre pânico com uma droga particular, seguido por ofensivas contra ela, o que, na melhor das hipóteses, muda o local de produção de um país para o outro sem afetar a oferta a longo prazo. E durante esse pânico, as pessoas que mais sofrem tendem a ser as minorias raciais que os políticos associam com determinada droga, além das pessoas que se tornam viciadas e suas famílias. Para criar uma política mais eficiente, precisamos focar na humanidade dos usuários de drogas, e no fato de que as leis mundiais com relação a isso são baseadas em mitos racistas ou tomadas coloniais de poder, não na ciência. Nenhum político racional poderia determinar por que o álcool e o tabaco são legais quando a maconha não é — a razão para isso está relacionada com quem estava no poder quando essa decisão foi tomada, simples assim. Fingir que esse sistema tem alguma base racional serve simplesmente para perpetuar resultados catastróficos. Também precisamos ter um entendimento melhor das substituições que podem ser feitas entre diferentes classes de drogas. Algumas pesquisas sugerem, por exemplo, que a legalização da maconha medicinal está ligada à redução de overdoses por opioides, o que faz sentido, já que os dois podem ser usados como analgésicos. Mas há poucos dados sobre quão frequente é essa substituição e qual o tamanho real do efeito disso — e, de modo similar, não sabemos o suficiente sobre a substituição entre álcool e maconha. Se as pessoas simplesmente acrescentam a maconha a seus hábitos alcoólicos, isso não vai reduzir os danos. Mas se as pessoas bebem significativamente menos quando fumam ou comem mais maconha, isso poderia ter um efeito geral positivo. Usar modelos por computador para tentar responder essas perguntas parece uma tática óbvia, poque as variáveis como preço podem ser mudadas para explorar os efeitos em potencial. Outra pergunta-chave ainda não respondida se centra nos efeitos do comércio legal de drogas. Sabemos que descriminalizar porte e desviar a verba poupada no policiamento para o tratamento não aumenta necessariamente o uso. Na verdade, quando Portugal fez isso em 2001, o resultado foi uma redução dramática nas contaminações por HIV e no uso de drogas injetáveis, mantendo a mesma taxa de uso de drogas que seus vizinhos (que continuaram com a criminalização). Mas e a legalização da venda de drogas? Qual o efeito real da propaganda? Há evidências na Holanda de que o uso de maconha não aumentou depois que os holandeses tornaram quase legal vender e comprar em "coffee shops" — pelo menos não até esses estabelecimentos se proliferarem e se tornarem mais visíveis. Mesmo então, o uso por jovens continuou (e continua) abaixo dos níveis dos EUA sob uma proibição total. Mais pesquisas são necessárias para conhecermos os efeitos disso no mercado. Claramente, mesmo com uma droga altamente viciante com o tabaco, preços altos e controle do marketing são importantes. Dito tudo isso, também precisamos conscientizar o público sobre o conceito de "redução de danos" como o objetivo principal da política de drogas. Há anos, proibicionistas e outros argumentam que a redução de danos é um cavalo de Troia para a legalização, meio que um rebranding para vender uma política perigosa. Na verdade, redução de danos como filosofia da política de drogas é neutra quanto à legalização. Mas na realidade, os ativistas pela redução de danos apoiam majoritariamente a descriminalização da posse e podem ser a favor da legalização das vendas. A razão é que a base da redução de danos é manter as pessoas seguras e saudáveis. Os ativistas pela redução de danos não se importam se usar uma droga psicoativa em si é ruim; eles querem garantir que não haja danos. E quando você começa a buscar dano minimizado em vez de simplesmente acreditar que as drogas são ruins em si, você passa a ver os danos causados pela política de drogas atual, em oposição às coisas ruins desencadeadas diretamente pelo uso. É assim que os defensores da redução de danos se tornam a favor da legalização. Dados que já temos deixam óbvio que leis criminais que visam usuários de drogas não protegem o público das altas taxas de uso. Apenas prejudicam os usuários — por exemplo: a violência relacionada ao tráfico matou dezenas de milhares de pessoas apenas no México. Antes da próxima reunião sobre drogas da ONU, e enquanto estados e nações consideram como regular a maconha e outras drogas, os reformistas precisam levar essa mensagem até os políticos. Uma abordagem proibicionista, que aumenta a violência, as doenças e desigualdades em nome da luta contra substâncias imorais, enquanto fracassa em diminuir o uso e torna a vida dos usuários um inferno, simplesmente não é viável no mundo moderno. Siga a Maia Szalavitz no Twitter. Tradução: Marina Schnoor