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Entretenimento

Boston, Bombas e Borat: Do Cazaquistão de Verdade

Os novos governantes do Cazaquistão ouviram dos velhos governantes da mídia: medo vende mais que sexo e iPhone 5 juntos.

Greg Palast é autor de best-sellers lançados pelo New York Times e um destemido repórter investigativo que trabalha para a BBC Television, a Newsnight e o The Guardian. Palast mastiga e cospe os ricos. Veja as matérias e filmes dele no site www.GregPalast.com, onde você também pode mandar para ele aqueles seus documentos carimbados como “confidenciais”.

Greg Palast escreveu este texto de Astana, a capital do Cazaquistão.

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O DILEMA DAS REDES SOCIAIS DO BORATISTÃO

Depois dos ataques em Boston, viajei para a Ásia Central, mais exatamente para o Cazaquistão, a região que a nossa mídia ocidental retrata como um grande berço de terroristas. Achei que valia a pena descobrir alguma coisa sobre essa parte do planeta além do que vimos até agora na Fox TV e em Borat.

Anteontem, a polícia de Boston prendeu dois homens do Cazaquistão e outro de Cambridge, Massachusetts, amigos dos terroristas da Maratona de Boston. Os dois jovens muçulmanos-americanos responsáveis pelo atentado de Boston aparentemente fizeram isso em apoio à jihad chechena. O fato de que os dois cazaques não foram acusados de ajudar no planejamento do ataque – as acusações são de encobrir evidências depois do evento – não vai impedir que os norte-americanos continuem achando que a Ásia Central é uma grande placa de Petri de terrorismo.

No Cazaquistão, participei de uma reunião de colegas jornalistas trazidos aqui pelo governo desse gigante do petróleo recém-nascido. Aqui nas estepes, onde islâmicos armados usam as redes sociais para recrutar assassinos, onde rumores podem ser tão mortais quanto cianureto, onde gângsteres, vigaristas e mentirosos usam a internet para criar revoltas e caos, o governo cazaque procurou pelos conselhos meus e de um bando de repórteres sobre “a guerra da informação e os sistemas de segurança da informação”.

Hum. Na minha última visita ao vizinho Azerbaijão, fui preso pelo Ministério de Segurança do país quando tentava reportar sobre as operações da petroleira BP no Mar Cáspio. Isso fez de mim, temporariamente, um prisioneiro da guerra da informação – e um grande fã da insegurança da informação.

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Mas meus amigos repórteres, editores e vendedores de anúncios do New York Times, CNN International, Russia Today e Al Jazeera concordaram que a internet é um lugar perigoso, escuro e assustador que precisa ser controlado. Eles mal podiam esperar para endossar todo tipo de censura, prisão de encrenqueiros e controle do conteúdo pelo governo e pelos magnatas da mídia como eles próprios.

Evitei vomitar nesses paga-paus de polícia do pensamento do Quarto Estado que morrem de medo de perder seu controle sobre a torneira de notícias.

Lembrei aos meus colegas que os rumores fraudulentos de que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa foram noticiados como fatos nas páginas do New York Times – e desmascarados na internet.

Um homem mais sábio que eu disse: “A verdade vos libertará”. Ele não disse “a censura vos libertará”. Nem “restrições no acesso à internet vos libertarão”. Nem “leis desastrosas de difamação que visam privatizar a censura, espancar jornalistas, prendê-los, atropelar os filhos deles com ônibus, estabelecer leis de proteção aos segredos de estado e leis de segurança cibernética vos libertarão”. Tampouco disse que vamos ser libertados por magnatas da mídia donos dos monopólios de notícias.

A solução para mentiras, difamação e rumores é a Verdade.

Mas em vez da Verdade, a Grande Mídia, seus donos e detentores querem te vender Medo. E terroristas chechenos com panelas explosivas fazem propaganda inconsciente exatamente disso.

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Franklin Roosevelt disse: “Não temos nada a temer a não ser o próprio medo”. Hoje, a Casa Branca, o Kremlin, a NewsCorp e o NYT dizem: “Não temos nada a vender a não ser o próprio medo”.

E os bobocas fazem fila para isso, exigindo ser protegidos de nações das quais você nunca ouviu falar antes e que agora estão vindo te pegar.

Foi assim que os novos governantes do Cazaquistão ouviram dos velhos governantes da mídia: medo vende mais que sexo e iPhone 5 juntos.

(Aliás, a maioria dos cazaques não tem problemas com o Borat – apesar da sua “terra natal” mostrada no filme ser na verdade a Romênia. Num mundo onde celebridade é uma moeda, o Borat ajudou o Cazaquistão a ficar rico entrando para os trend topics do Twitter. Insh'allah!)

POR QUE O FBI ENCERROU AS INVESTIGAÇÕES DA JIHAD CHECHENA?

Depois do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, recebi um documento marcado como “SECRETO” dos arquivos do escritório do FBI em Washington. A informação nesses documentos vai te deixar enojado. Mas pior ainda foram as palavras de conforto da resposta oficial que meu time recebeu do FBI: “Há muitas coisas que só a comunidade da inteligência sabe e que mais ninguém deve saber”.

Aqui está o que o meu governo acha que você “não deve saber”:

Muito antes do atentado de Boston, mesmo antes do 11 de setembro, o FBI parou uma investigação de um grupo que dirigia um acampamento de verão na Flórida para adolescentes muçulmanos-americanos.

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Não, não deveríamos estar espionando os acampantes islâmicos. No entanto, além da natação e do futebol de praxe, esses jovens eram também encorajados a se juntar à jihad chechena. As crianças assistiam vídeos louvando os terroristas chechenos (que tomaram uma escola e um hospital e depois mataram os reféns). O grupo também produziu um filme educacional elogiando “aquele homem compassivo, Osama bin Laden”.

Clique aqui para baixar gratuitamente o documentário Bush Family Fortunes, que fala mais sobre a história.

Aqui na capital do Cazaquistão, as televisões passam sem parar as explosões na Maratona de Boston, os gritos, o sangue, as vítimas… E as perguntas.

Primeira pergunta: Como os burocratas da bilionária inteligência americana desconsideraram alertas da Rússia sobre uma das conexões dos terroristas com os militantes chechenos?

A resposta, parafraseando o famoso jornalista Yogi Berra: é incrível o que você não vê quando não está olhando.

Voltei para aquele memorando “SECRETO”. Isso caiu na minha mão em novembro de 2001, apenas dois meses depois que “o compassivo” Osama matou milhares de pessoas no meu antigo prédio comercial (sim, já trabalhei no World Trade Center).

Em 9 de novembro, uma ligação chegou à mesa da Newsnight da BBC em Londres, vinda de um agente norte-americano da inteligência através de um telefone “seguro”. O fantasma confirmou que, logo no começo de 1995, a CIA e outras agências espiãs dos Estados Unidos receberam ordens de se afastar das investigações da família Bin Laden tanto nos Estados Unidos quanto na França. A cegueira proposital incluía retirar agentes da Assembleia Mundial da Juventude Muçulmana (AMJM), baseada em Washington, o grupo de “filhos da jihad” comandado por um homem que o FBI chamava de “ABL” – Abdullah bin Laden, o irmão de Osama.

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Por que meu próprio governo iria desbaratar uma investigação que podia ter salvo muitas vidas em 2001 em Nova York e em 2013 em Boston?

Vários agentes internos repetem a mesma história: agências norte-americanas encerraram a investigação da conexão entre os bin Laden e a jihad chechena por medo de expôr fatos desconfortáveis. A inteligência norte-americana fez vista grossa para a organização de Abdullah bin Laden porque, na época, nosso próprio governo estava mais do que feliz porque nossos aliados sauditas estavam mandando jihadistas para o Afeganistão através da AMJM e, depois, ajudando muçulmanos a lutar na Bósnia, dando aos russos o episódio trágico na Chechênia. O problema é que terroristas são como pombos-correio – eles sempre voltam para o seu poleiro.

Como disse Joe Trento do Serviço de Notícias da Segurança Nacional, que me ajudou nas investigações: “Seria inconveniente se alguém fosse preso pelo FBI e todos ficassem sabendo que ele já esteve na folha de pagamento da CIA… Estamos falando sobre um grande tiro no pé. Estamos falando de como isso seria embaraçoso para oficiais da inteligência e como isso poderia acabar com a carreira de algumas pessoas”.

É muito pouco provável que os terroristas de Boston estivessem na folha de pagamento da CIA, mas é bem mais provável que as conexões do irmão mais velho no Daguestão possam ser rastreadas até assassinos protegidos pelos norte-americanos no passado.

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Não estou sugerindo que aumentemos o programa de espionagem estilo KGB sobre americanos, muçulmanos ou quem quer que seja. Também não precisamos de novas restrições na internet, nem de ter que tirar nossos sapatos e jogar fora nossos Red Bulls no check-in do aeroporto.

Precisamos da Verdade. Se jornalistas tivessem posto as mãos nesses memorandos “SECRETOS” antes de 11 de setembro, talvez pudéssemos ter salvado vidas. Talvez pudéssemos ter exposto fábricas jihadistas que pregavam para crianças impressionáveis.

(E, a propósito, seria legal se as mídias norte-americana e britânica explicassem que os chechenos não estão putos sem motivo. Entre 1994 e 1996, tanques e artilharia russos massacraram 200 mil homens, mulheres e crianças chechenas. No entanto, vingar as morte chechenas assassinando uma criança de oito anos e dois estudantes em Boston é errado, é mau, é haram.)

VERDADE VERSUS JIHAD DA INFORMAÇÃO

Só podemos chegar à Verdade se Estados Unidos, Reino Unido e outros governos acabarem com suas próprias jihads contra a informação e aqueles que a fornecem.

A Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira dos Estado Unidos, o USA PATRIOT Act e a Lei de Fraude e Abuso da Computação; as leis de proteção aos segredos de Estado e de difamação do Reino Unido, a lei da China contra Incitação de Subversão contra o Poder do Estado; as leis de sigilo da Suíça que prendem qualquer pessoa que revele que os bancos ajudam os terroristas a evitar impostos; os Acordos TRIPs da Organização Mundial do Comércio usados para calar delatores que revelem atrocidades corporativas – e muitas outras leis do mundo todo feitas para caçar e destruir qualquer um com verdades para contar.

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É tudo para o nosso próprio bem, sabe, para nos salvar dos terroristas e proteger nossos direitos de propriedade.

Com toda essa proteção, que terroristas essas leis já capturaram?

Vamos contar: nos EUA, o PATRIOT Act e sua parente orwelliana pegaram os terríveis terroristas Cabo Bradley Manning, Aaron Swartz (alev shalom) e Greg Palast. (Fui detido por filmar “infraestrutura crítica” – um refinaria suja da Exxon. Sem brincadeira. Fui acusado de entregar sua localização, aquela mesma que está no Google Maps.)

Você não se sente muito mais seguro agora que Manning está na cadeia, Swartz está morto e eu estou cheio de contas de advogado para pagar?

Greg Palast investigou os ataques terroristas nos Estados Unidos para a BBC TV. Os leitores da VICE podem baixar o documentário Bush Family Fortunes gratuitamente no site www.gregpalast.com/bffdownload/.

Siga o Greg no Twitter: @Greg_Palast

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